quarta-feira, 30 de agosto de 2006

Qual a solução para o Brasil?

Não existe uma solução para o Brasil. Isto não é pessimismo, é uma constatação. Não existe uma solução para o Brasil, como não existe uma solução para o ser humano. Não há fórmulas mágicas para resolver os problemas da humanidade; há apenas seres, animais aparentemente racionais, submetidos à dualidade fé versus razão, amor versus ódio, entreguismo versus superação, religião versus ciência. E o País é palco aonde se desenrola essa dinâminca humana, de contradição e repetição de antigas contradições - um ciclo que vincula toda realidade humana.

Não é justo dizer que o Brasil é uma "nação" atrasada. Primeiro, porque neste País existem diversas nações, formando um conjunto de pessoas ligadas por diversos (e, algumas vezes divergentes) traços culturais, sendo a língua e uma injustificada paixão pelo futebol as mais explícitas. Segundo, porque não existe atraso nenhum. O caminho que aqui se vive segue seu ritmo próprio e particular; ainda há muita História a se viver neste País "inventado", colonizado para fins de exploração, de extensão continental e com 500 e poucos anos de idade, no qual nada foi construído através da revolta popular pois, pelo contrário, as "inovações e melhorias" são tradicionalmente concedidas à população "dócil e simpática" (Vaz de Caminha) que aqui habita.

A lusofonia garantiu a integridade do território - isso lá é bem verdade; a língua também foi uma concessão, vez que jesuítas aplicaram a catequese por meio da "língua boa" ou Nheengatu; os bandeirantes avançaram para "além de Tordesilhas", levando consigo o "língua geral paulista"; só com a chegada em massa de colonos portugueses é que se pode falar num "interesse" em instituir o português como idioma oficial. A identidade deste povo é concedida, ou seja, não-afirmada. Todas as vezes que o povo brasileiro tentou se afirmar enquanto nação, foi duramente castigado e rapidamente dominado pelo Estado: Canudos, Farroupilha, Cangaço, Inconfidência Mineira, Guerra do Contestado e etcetera. Tem-se, aqui, um caldeirão de etnias, tradições, credos (religiões) que alguns positivistas consideraram por bem submeter a um rótulo identificador "nação". Dentro do Brasil existem nações milenares, locais: os silvícolas; são os verdadeiros brasileiros, cá vieram sabe-se lá como (pelo estreito de Bering, provavelmente) e já foram vítimas diretas de vários processos de genocídio - levados a cabo pelos ideários civilizacionistas da cultura Ocidental. Os "índios" (atribuição equivocada ab initio) não eram bons nem maus; foram objeto de intervenção (violência) praticada com apoio ideológico da mais variada origem: religiosa, científica, econômica...

O País não está na contra-mão da História. "Ele", a sociedade politicamente organizada neste território está cumprindo seu papel histórico nos rumos que toma o mundo; não há porquê pensar que os países encontram-se isolados, em realidades estanques. O que ocorre é uma interação de forças que atuam na condução, na gestão dos caminhos que todo o "conjunto humanidade" percorre na Terra. Cada "nação" atua num determinado sentido, na defesa de interesses que cada uma delas entende como "próprios". Este "organismo vivo", como defendem alguns, encontra-se logicamente segregado por questões de ordem prática, pelo que não se pode compreendê-lo corretamente sem entendê-lo como um mecanismo complexo; porque cada uma de suas partes funciona de forma autônoma neste movimento aqui descrito; a resultante destas forças dita a conjuntura de cada país. Assim, não se deve afirmar categoricamente numa pré-determinação - o que seria absurdo -, mas se deve reconhecer que seria impossível deduzir que um Estado com as tais características supra citadas pudesse mudar "da água pro vinho", como num passe de mágica, pelas mãos de um "messias" qualquer - como vem esperando a "nação brasileira" desde os tempos coloniais. E que se leve em consideração, ainda, diversos e sérios agravantes: inexistência de uma política continuada para o desenvolvimento da Educação, inoperância prática das bases políticas e ausência de uma consciência político-ideológica, descomprometimento das classes intermédias com a melhoria de vida de mais de 70 milhões de habitantes - que vivem abaixo da linha da pobreza...

Observe-se, entretanto, que as "nações-modelo" (se é que tal coisa deve ser citada, com o intuito de caráter meramente didático) também enfrentam crises de ética e os mais estranhos tipos de ilícitos - nas esferas pública e privada. Veja-se, em tempo, que os "males da humanidade" não são invenções latino-americanas - muito pelo contrário! As misérias deste mundo são muitas vezes "criações das mentes do Norte" e seus planos para a implantação do "Império Ocidental"; os baluartes da lógica e da razão, que tantas vezes foram os maiores responsáveis pelos maiores crimes da história da vida humana no Planeta. Se hoje pode-se afirmar que os europeus e norte-americanos têm um elevado índice de desenvolvimento social e humano - aqui, permitindo-se uma generalização que desconsidera os desvios que são facilmente detectados nas minorias étnicas (imigrantes) pobres -, esse fato se dá porque esses povos perceberam o papel que deveriam desempenhar na História - e partiram, lamentavelmente, para a exploração econômica e opressão dos povos mais fracos e menos desenvolvidos. A guerra e a irracionalidade são características humanas; os desejos e ambições humanas muitas vezes só podem ser freadas pelas regras da Moral, pelas regras do Direito, ou seja, por valorações humanas que determinam condutas. Não se pode admitir uma universalização da experiência humana que não reconheça as peculiariedades da espécie e das diversas sociedades que se formaram nestes 100.000 e poucos anos de proto-História e História.

A realidade brasílica é uma atividade da Lógica. Outro destino não se poderia esperar, tendo em vista a análise crítica dos fatos. Seria impossível determinar o que seria desta sociedade se todos os "ses" tivessem se concretizados. Se a colonização tivesse sido de povoamento. Se o clima (enfim...) aqui fosse outro (o modo de produção de riquezas também o seria?). Se o País fosse realmente independente e soberano. Se os governantes tratassem a res pública como coisa pública...

Afinal, qual é a solução para o Brasil? Nenhuma. E todas ao mesmo tempo.

domingo, 27 de agosto de 2006

Ciência em movimento

Várias questões permeiam as sociedades pós-modernas: globalização da economia, internacionalização de direitos fundamentais, superação da Soberania e novo papel do Estado, para além de outras questões. A realidade com que se deparam estudiosos de diversas áreas humanas gira em torno, ao fim e ao cabo, não do "sentido da vida humana na Terra", mas da atividade humana transformadora da natureza e da sociedade, suas implicações, métodos convencionados e novos paradigmas e a possibilidade, ou não, do atual sistema econômico e ideológico ser compatível com a continuidade da vida humana no Planeta de forma sustentável.

As observações que se fizerem sob esta temática deverão se estender e englobar uma noção sistêmica que abranja todos os fatos da vida social - o quê se converte numa situação impossível, mediante os atuais métodos de estudo à disposição dos cientistas. Isto não quer dizer que não haja solução viável à essa questão; de forma alguma; o que se exige, cada vez mais, é uma multidisciplinaridade na abordagem dos temas que envolvem o ser humano, num movimento retroativo à tradição cientificista do positivismo dos séculos XIX e XX. Este movimento posititivista cumpriu bem a sua função naquele período histórico que finda por força das novas necessidades de compreensão e aprendizado do ser humano, diante de uma realidade holística e multifacetada que impulsiona o saber e a procura além das fronteiras pré-determinadas da "ditadura científica positivista". É bem sabido que toda a repressão que ainda é sentida, principalmente no meio acadêmico, para que as questões "científicas" sejam tratadas de forma compartimentada é reação à mudança exercida pela renovação, gerando uma tensão natural por parte das classes pesquisadoras que propugnam pela manutenção do status quo e da comodidade.

Contudo, até mesmo na classe dos juristas - majoritariamente enlameada pelo conservadorismo, por razões de ordem procedimental - já admite posicionamentos que antes representavam dogmas na Ciência jurídica, como a defesa dos julgamentos contra legem, ou seja, de acordo com a Escola do Direito Alternativo, na análise do caso concreto o juiz poderia julgar contra o dispositivo da lei, caso verificasse uma lei injusta ou em desconformidade com os anseios sociais (problema da legitimidade da lei). Os cientistas políticos e filósofos da Ciência política, por seu turno, contestam e atacam o sistema representativo de governo, por entenderem que o pluralismo confronta o Estado com a diversidade do extrato social - sem contar com o fato de que quem decide, realmente, não é o cidadão, pois o sistema é eletivo, de participação indireta.

No decorrer da vida, a humanidade precisa satisfazer suas necessidades materiais, vencendo a natureza e adiando a chegada da morte, protegendo-se das intempéries, evitando o sofrimento... Para tanto, precisa organizar sua sobrevivência através da transformação do meio, adequando-se e transformando-o de acordo com as conveniências e vicissitudes. E a continuidade dessa atitude de apropriar-se da natureza fez com que esta se tornasse pobre, enfraquecida, comprometendo inclusive o ecossistema global. O despertar para a preservação do meio ambiente é ação recente, quase tardia, tendo em vista os 200 anos de exploração selvagem dos recursos naturais na crosta terrestre, que já devastaram muito mais da metade dos recursos naturais e agravaram o delicado equilíbrio ambiental. Então, hoje, vê-se os mais diversos segmentos da comunidade científica tentando ações gerais não para a recomposição da natureza, mas para evitar a degradação total da mesma, por meio de medidas paliativas que nada mais representam que um placebo. É aí que entra o Estado, como uma entidade para-individual detentora da força-violência legítima, como único capaz (por meio da logística que ainda dispõe) de obrigar pessoas físicas e jurídicas à proteção do meio natural; único capaz de regular as relações entre os indivíduos de forma concentrada; único capaz de centralizar as ações políticas necessárias à preservação da própria humanidade. Mas, na prática, isso não ocorre. Porque, enfim, esse mesmo Estado é formado por indivíduos, pessoas susceptíveis de falhas e erros; pessoas comprometidas muitas vezes com seus próprios interesses. Aliás, o estigma de "honestidade estatal" ou a noção de "público" é ambivalente e imprecisa, pois trata-se de teoria mais aplicável ao conceito de comunidade, do quê ao de sociedade. Daí o crescente descrédito e enfraquecimento do âmbito estatal.

Os braços do Estado, entretanto, ainda se prolongam ao ponto de tocarem o seio da ciência e dele estrairem o líquido que fortalece o poder que dá continuidade ao sistema no qual ainda vivemos. É na ciência que o Estado ainda busca os elementos capazes de justificar sua existência e ações: as preciosas informações que direcionam suas políticas (energética, agrônoma, militar, econômica, jurídica, etc.). Vive-se na era do saber. Muito mais do quê após a revolução iniciada por Gutemberg, a atualidade caminha à velocidade da luz, através dos cabos de fibra ótica. E isto também tem fortes influências sobre todas as "áreas" do conhecimento humano: a velocidade e a facilidade no acesso à informação diminuem, acima de tudo, a distância entre as ciências. Hoje, o jurista, o sociólogo, o filósofo, o biólogo, o físico, o matemático, o economista (...) tem muito maior capacidade de acesso à informação do que tinha no passado; tal fato coloca em cheque a própria capacidade da ciência em formular postulados dogmáticos, uma vez que existe cada vez mais a possibilidade de uma contestação subjascente à "teoria criada". Por que teoria criada? Porque, a par do que afirmam os cientistas, a ciência não é constatação; é criação humana, através do processo de conhecimento, de absorção da realidade externa à mente humana, numa troca constante de substância/essencia entre o objeto e o observador. Quantas vezes não teria um cientista influenciado um evento? Quantas e quantas constatações não seria especulativas ou sujeitas ao desprezo de informações marginais?

Uma nova ocupação para as academias seria a proposição de um modelo de estudo e pesquisa que envolvesse a maior quantidade possível de interações entre os diversos ramos didáticos do saber humano. Afinal, como bem podem ilustrar os historicistas, o trabalho de um físico, nas mãos de um político e com o apoio de um jurista podem muito bem dar cabo da vida no globo. Não é apenas um problema deôntico. É um problema humano.

sábado, 26 de agosto de 2006

À paz perpétua no Oriente Médio

Depois de me questionar e elaborar um texto acerca da existência da moral neste fim de semana, não encontrei muita disposição para falar do problema vivido pelas populações libanesas, palestinas e judaicas, diante dos atuais conflitos no Oriente Médio. Mas, já num último esforço antes de encerrar minhas atividades de final de semana prolongado, como o leitor atento já pode perceber, solidarizo-me às vítimas indefesas do conflito, assumindo a posição de que os principais implicados e prejudicados são as camadas populacionais humildes que, ou são as vítimas diretas da violência, ou são os meios físicos (militares) armados à disposição dos governantes e ideólogos para a movimentação da máquina de guerra/guerrilha.

Em 1948, Blair já havia feito esta constatação, quando escreveu que "[a] guerra é travada pelos grupos dominantes contra seus próprios súditos, e o seu objetivo não é conquistar territórios nem impedir que outros o façam, porém manter intacta a estrutura da sociedade." (Eric Arthur Blair, sob o pseudônimo de George Orwell, em Nighteen eighty-four). Seria certa tal afirmativa? Seria a guerra a forma pela qual a economia das nações encontra uma das formas de contornar suas dificuldades momentâneas? Afinal, a quem interessa a guerra? Ora, é bem sabido que existe uma distância enorme entre o proprietário que fabrica o míssel/arma e aquele que a dispara ou morre em função do disparo. Ainda, reforço meus comentários com a ajuda involuntária de Sartre: "Quando os ricos fazem a guerra, são sempre os pobres que morrem" (Jean-Paul Sartre). Levar o conflito aos braços de uma divergência teológica foi um golpe baixo, porque polarizou e deixou o mundo pré-globalizado diante de um dilema: valores morais absolutos ou relativos? Predominância, por via da força militar, da cultura judaico-cristã, ou tolerância pelas sociedades seculares, fundadas em preceitos aproximados e semelhantes, mas de nenhuma maneira iguais? Esses questionamentos não podem ser feitos a qualquer despreparado intelectualmente com vocação para cowboy texano, porque a resposta poderá ser um desastre.Além de lastimar que, mesmo após a composição internacional do conflito na ONU, critico o fato de que tanto sofrimento seja repetidamente causado em função da manutenção do território e de uma estrutura de poder teocrático. Na realidade, é estranho observar como é tradicional que as nações daquela região preservem o poder pela via religiosa, rivalizando com os povos vizinhos em função de diferenças dogmáticas que, necessariamente, mantêm ligações com a própria cultura milenar daquela gente. Afinal, não são ambos monoteístas, deterministas, fatalistas e dualistas? O caminho para a construção do sagrado, por via dos sacerdotes, é que é diferenciado, estruturando, logicamente, em diferenças na sociedade que daí se origina - num processo dinâmico e sucessivo: causa/efeito/causa-transformada/efeito.

Neste mês de agosto (2006), parece clara a intenção de Israel em fazer recuar as forças do Hezbollah para longe das fronteiras com o país. Na realidade, com a possibilidade cada vez maior de uma nova "missão pela paz" dos EUA no Oriente Médio - desta vez, atacando o Irã, nova ameaça à paz mundial (sic) -, a ação israelense é muito útil, pois estabelece uma zona de segurança na região, ocupada por capacetes azuis da ONU, evitando a formação de dois fronts contra as "forças democráticas da paz" (que estarão muito ocupadas salvando o mundo... da escassez de petróleo).

terça-feira, 22 de agosto de 2006

Como analisar a conduta do malandro?

Outro dia, em conversa com Mhauro, do blog MGarFil, no Q.G.F.C., perguntei se seria possível falar de uma ética da malandragem. A solução era a busca de uma deontologia da malandragem - idéia apontada pelo interlocutor já citado, uma vez que existe um aparente conflito entre a teoria da ética e a conduta do malandro - que comportaria exatamente comportamentos anti-éticos, pelo fato de serem contraditórios. Ética da malandragem, com certeza, é designação não apropriada.

Refleti o tema em meus pensamentos, procurando uma explicação para a "Lei de Gérson" que se verifica em alguns setores da sociedade brasileira; a lei da vantagem competitiva desleal tem uma aceitação demonstrada nos inquirers apresentados à população, que se justifica no sentimento de impunidade diante de tantos crimes praticados contra a República. Propus o tema "ética da malandragem" em tom de brincadeira, mas elucubrações posteriores me colocaram em dúvida minha certeza quanto à aparente falta de seriedade na proposta. Ora, a ética normativa procura os fundamentos do dever e das normas morais, sendo a deontologia aplicada uma das únicas formas possíveis de estudar o comportamento do malandro.


Bem, e quem vem a ser o tal malandro? Conceito derivado do imaginário e da literatura populares, é o sujeito desafeto da honestidade, preguiçoso e boa vida, que procura realizar seus prazeres materiais na vida fácil, longe de grandes responsabilidades e sem vínculos afetivos; pessoa criada na rua, o "filho da prostituta" ou do "cafetão", que se torna o próprio cafetão-pai de sua prostituta preferida. O termo, porém, ao meu ver, deve açambarcar todo aquele que tente "se dar bem", abusando da boa-fé dos outros, praticando atos imorais e distanciados da ética definida por um grupo, ou uma comunidade, ou uma sociedade política. Assim, poderia se encaixar na condição de malandro qualquer político envolvido e comprovadamente culpado por crimes de colarinho branco e etc., o vizinho que vasculha a correspondência alheia, o mal colega de trabalho, o marido ou esposa infiel e assim por diante.

Então, como analisar a conduta do malandro? Como interpretar o seu comportamento? Existem regras à conduta do malandro? Poderia se pensar que seria possível criar um "conjunto de regras de conduta" que pudessem ser avaliadas como comandos básicos da conduta do bom malandro, mas ele, em seu labor diário contra qualquer forma de controle, acabaria por deturpar alguma delas e criar um novo comando, numa dialética sem fim - própria do ser humano... Deime-me, entretanto, propor algumas regras práticas de um "bom" malandro (sem ordem de hierarquia):
1) ser dissimulado;
2) mudar de opinião, conforme as conveniências;
3) suplantar a vontade de pessoas mais fracas;
4) abusar da confiança alheia;
5) não se sujeitar à auto-crítica;
6) não se incomodar com a crítica alheia;
7) omitir-se, mentir, enganar e ludibriar, conforme a situação;
8) diminuir o valor pessoal e atacar a moral de pessoas próximas, principalmente daquelas que nele confiam ou que dele gostam;
9) alimentar fantasias em pessoas de "inteligência fraca" ou crédulas;
10) não respeitar qualquer valor social básico.
Pergunto: não seria benéfico um detector de malandros?

terça-feira, 15 de agosto de 2006

Ex-ministra "escapa" de condenação (Esquema PC Farias...)

Notícia publicada no JC Online dá conta da absolvição da ex-ministra da economia do governo Fernando Collor de Mello, Zélia Cardoso de Mello, inocentada por decisão judicial do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, com sede em Brasília/DF. A decisão, que agora é objeto de recurso do Ministério Público Federal, fundamenta-se no entendimento daquele Tribunal de que não houve (nenhuma) prova contundente que fundamente uma condenação, apesar de reconhecer que existe nexo entre os fatos demonstrados pela acusação e imputados à ex-ministra.

(Desculpe-me caro leitor, mas tenho que dizer isto:) "Ou seja", existe uma forte conexão lógica entre os fatos que teriam sido apurados e demonstrados pela acusação no processo, mas nenhum deles pode servir de convencimento ao Tribunal de que a ex-ministra teria participado do famigerado "Esquema PC Farias" (?!).


Fiz uma busca na internet, tentando localizar o número do processo julgado pela Terceira Turma do TRF da 1.ª Região, que inocentou a ex-ministra, mas tal pesquisa resultou infrutífera, para estudar o acórdão. Entretanto, pude localizar um artigo de ilustre jurista, comemorando a absolvição "após tormentosa espera", que de maneira "metódica e racional" teria "consubstanciou a vitória da Justiça" (?!).

Lembro-me bem dos estudos de Filosofia do Direito, e reconheço que causa certa confusão ao estudante de Direito o conceito de justiça, principalmente depois da obra de Hans Kelsen intitulada O que é Justiça, que trata o tema. Seria o caso de se perguntar ao cidadão brasileiro, o homem comum do campo e da cidade, como é que ele interpretaria este caso? Seria uma questão a ser respondida por um jurista? Na realidade, ambas as perguntas devem ser respondidas negativamente; o primeiro, porque se lembrará do "arresto" de sua poupança, primeira medida econômica do "grupo" que assumiu o poder; o segundo, porque sabe-se bem os meandros argumentativos do jurista, que encontra solução para tudo - parafraseando eufemisticamente Eça de Queiroz. A resposta que se procura nunca será encontrada, pois a única pessoa que poderia respondê-la conclusivamente é morta - como bem advertiu meu amigo português Fernando Barbosa, existe uma grande diferença entre ser e estar, na língua portuguesa.

sábado, 12 de agosto de 2006

A moral existe?

Assumir posicionamentos filosóficos é negar o conhecimento enquanto verdade de vir-a-ser. Mas deve, ou melhor, deveria existir um centro moral qualquer que fosse capaz de impedir comportamentos anti-naturais contrários às idéias de preservação e conservação das espécies, por exemplo. Não parece muito lógico que a lei da seleção natural deva se aplicar à espécie humana, tendo em vista a organização do saber pela forma do conhecimento adquirido e repetido - que, em tese, indica aos humanos os caminhos a seguir ou evitar, as condutas "positivas" e "negativas" ante à vida enquanto realidade objetiva. E daí poder-se perguntar: não seria a razão humana exatamente a conseqüência da evolução, mediante os artifícios humanos da História e da linguagem, ao invés de um simples erro de cálculo biológico? Esses questionamentos são feitos à margem da noção de moral, para ao fim ser questionada a admissão de sua existência como condição à própria existência da espécie humana.

Ser espectador passivo da existência seria, grosso modo, uma forma de aceitar o mundo e suas condições naturais. Mas o ser humano revolta-se contra a natureza e a modifica, constantemente, para que esse objeto se adeqüe às suas necessidades materiais, impregnando, ainda, tudo à sua volta com noções de valor e pathos, fazendo desse mesmo objeto (o mundo) o seu lar psicológico - a noção de realidade enquanto utilidade e finalidade. Assim, a espécie humana não é espectadora passiva da realidade e sua contribuição é a semente que se prolonga no tempo e deixa registros da atividade do hommo sappiens num planeta fatalmente destinado à destruição. Assim, mesmo sabendo que a Terra é destrutível (por forças astrofísicas ou, ainda, ações desencadeadas pelo próprio homem, por exemplo, a bomba de hidrogênio), esse animal (racional) insiste em deixar sua marca biológica, espiritual e intelectual. Por que? Seria essa, também, uma condição natural? Ora, ao que parece, tudo indica que a idéia, o pensamento, enfim, o produto de uma razão direcionada tende a preservação de um movimento iniciado pelo ser humano, que se propaga e se repete no comportamento humano de forma quase compulsiva.

O que faz a idéia se propagar? O que leva o ser à repetição de um comportamento? Ambos se confundem? A metafísica, que estabeleceu o dualismo entre idéia e realidade, parece ignorar a presença de construções abstratas do mundo concreto. Mas as idéias pertencem ao mundo do real, ganham vida nas ações humanas e se propagam ao longo do tempo através do processo de "desabstração" exatamente no momento em que ficam registradas pela linguagem. Toda realidade se constrói mediante a ação abstrata das ideias - diferentemente de se poder dizer que sua realização é possível ou não. É neste contexto que se poderia defender a existência concreta da Moral, que é ação dirigida pela vontade humana na continuidade de certo tipo de comportamento, direcionado à preservação e organização de certo interesse humano. É sob esta estrutura moral que o ser racional tornou possível a própria continuidade da espécie, porque se assim não procedesse, defendendo idéias ou modelos de comportamento, esse mamífero bípede possivelmente não teria dominado o mundo. A esta altura, dois questionamentos: seria possível afirmar que um comportamento, ou melhor, uma regra moral pode ter uma causa natural? Um sentimento pode ser uma conseqüência biológica? Isole-se um pequeno agrupamento humano primitivo e veja-se como se comportam os seus elementos e chegar-se-á num ensaio de resposta acerca dessas questões. Os membros de uma comunidade qualquer - fazendo-se já uma diferenciação entre comunidade e sociedade, devido à complexidade e aparente desorganização desta última forma de agrupamento humano - tendem à organizar suas relações intersubjetivas tendo por base relações de poder e a divisão de atividades para a obtenção de resultados em tempo adequado às necessidades do grupo. O ser humano, inclusive, tem demonstrado uma aptidão ou uma condição social inegável que se repete em todos os tempos - com exceções isoladas que confirmam o que parece ser uma regra. Não seriam essas duas constatações conseqüências da vida em si considerada?

Assim, parece haver uma necessidade biológica que direciona o comportamento humano e, se o direciona a fim de dar continuidade à existência, cria as condições elementares para o surgimento de regras de conduta. Se, para garantir a perpetuação da espécie, os seres vivos devem garantir a manutenção da prole indefesa, surge a condição ideal para o estabelecimento de uma regra moral: deve-se cuidar dos mais fracos ou deve-se cuidar dos mais novos. Este exemplo já pode se candidatar a tentar explicar o surgimento de uma norma moral e d'um sentimento. Mas é tarefa de quem escreve o que pensa deixar o leitor à vontade para criar seus próprios exemplos, porque exemplificar é sempre uma castração daquele que gosta de exercitar a imaginação... Essas necessidades de ordem natural/biológica podem ser o berço da valoração humana aos fatos e acontecimentos que podem ser observados: os clãs, as tribos, as vilas que melhor administram seu contingente humano, zelando pelos mais fracos e preservando os mais velhos, podem possuir melhores condições de preservar dois dados importantes para a manutenção da força politicamente organizada, porque garante a renovação de mãos produtivas e a manutenção de valores adquiridos, respectivamente. Não seria uma tendência natural o domínio de coisas? Daí, claro, pode surgir uma deturpação de regra de conduta, que seria o domínio de um humano sobre outro humano - à semelhança do que ocorre em relação ao território e à caça, nos animais racionais e irracionais. Mas, qual a segurança destas afirmações? Não só um certo ou qualquer instinto para a definição de comportamentos, mas a perpetuação desses instintos pela seleção natural de idéias mais aptas ao objetivo primevo de todo ser: a continuação da vida, seja de forma mediata - ato de preservação, assim, comer, procurar alimento etc. -, seja de forma imediata - ato de reprodução, produzindo cultura, prole, linguagem, e assim por diante.

É óbvio que é possível uma filosofia da negação da moral. Mas rejeitá-la (a moral) e colocar a questão de sua existência em torno apenas de questões metafísicas representa um gasto de energia inútil - sendo de mais valia "perder alguns quilinhos" numa atividade ginástica qualquer. O ideal faz parte do real, uma vez que só pode idealizar mediante uma atividade filosófica, que pressupõe a existência de um ser cognoscente e um objeto cognoscível (mesmo que imaginário, figurativo ou metafísico). Isso, é claro, considerando que a realidade efetivamente existe, ou seja, de que é possível se provar que tanto este texto, como esta idéia, como a pessoa que está à digitá-lo ocupa um lugar na curva espaço-temporal, num determinado universo. A partir de outra perspectiva, tudo é possível e tudo é impossível. Se não existisse moral, não existiria mais nada - e tudo que aponta nesta direção é niilista. Não parece que caiba mais ao ser humano filosofias que neguem a sua condição primordial de percencer ao mundo animalia. O humano tem impulsos fisiológicos, bioquímicos, que importam uma condição material de existência e inter-relação. A intersubjetividade é condição da espécie humana que se condiciona pela repetição de comportamentos, criação de regras sociais com traços éticos, com reações desproporcionais de cunho emocional, primitivo. E tudo isso faz parte da discussão em torno da moral, porque este elemento pressupõe um núcleo do qual emana a tal liberdade de movimento e expressão e interação social, da qual construiu-se a noção pós-moderna de dignidade. Todos esses conceitos, claro, são puramente humanos, porque esta forma de vida chordata preocupou-se com o "encaixotamento do saber", com a procura de definições e conceitos, que pudesse tornar mais fácil a propagação de mais uma de suas criações: a idéia.

A idéia de moral é uma conquista humana - seu uso para o benefício destes mamíferos, aí é outra discussão. A importância de sua existência deve ser buscada em sinais disponíveis no mundo natural, ainda que apenas de forma especulativa, sem questionamentos de ordem metafísica - pois, neste campo, tudo é subjetivo. Saudável é, antes de colocar a questão "se existe uma moral", questionar quais seriam as conseqüências de sua inexistência.

sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Violência intrafamiliar


Dia 07/08/2006, o Presidente da República sancionou o Projeto de Lei de Conversão 37/2006, batizado de Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. A iniciativa aumenta as penas relativas ao crime de agressão praticado contra a mulher no âmbito familiar, mas não trata de forma completa da problemática da violência intrafamiliar.

Com efeito, a violência no seio familiar abrange maus tratos e agressões de ordem diversa (física e psicológica) aos membros da família, e pode ser causada por distúrbios psicosociais de variadas origens. Assim, o projeto de lei sancionado na segunda-feira vizinha não aborda de forma correta um dos mais graves e atuais problemas da família brasileira. A violência intrafamiliar existe não só para as mulheres, mas para todas aquelas pessoas que, no caso concreto, encontram-se em situação de desvantagem em relação a um membro familiar dominante. Dessa forma, podem ser vítimas de agressão familiar os idosos, crianças, esposas, maridos e parentes dependentes. Assim, pode-se imaginar uma série de situações graves em que pessoas estariam submetidas à tratamento degradante e desamparados pelo documento legal elaborado, discutido, votado e sancionado recentemente. Legislar protegendo os direitos das mulheres é um bom começo na prevenção e repressão aos crimes intrafamiliares, mas outros delitos ficam sem a devida proteção, carecendo de uma resposta estatal eficiente.



Estudos realizados demonstram, factualmente, que as crianças vem sendo vítimas de abusos de toda sorte, praticados por seus pais e tutores, e que os idosos, além de excluídos da sociedade de consumo, são muitas vezes tratados como um estorvo a ser suportado pela família, mesmo que sua aposentadoria ajude na economia doméstica. Ainda, não se pode ovildar o fato de que existe toda uma sorte de relações humanas que, não tuteladas pelo Direito, proporcionam o surgimento de conflitos que ficam sem a devida guarida da Jurisdição. Ora, é lógico que existe um conjunto de tipos legais, previstos nas normas penais, para enquadrar diversos tipos de condutas lesivas à integridade física e moral da pessoas, na exparsa legislação criminal brasileira. Entretanto, em situações que o agente abusa de proximidade pessoal da vítima para cometer o delito, o Direito deve fornecer soluções diferenciadas com vista a proteger valores sociais mais sublimes e tidos como fundamentais pela sociedade. No caso da família, que recebe efetiva proteção do texto constitucional, mormente o art. 226 da Constituição Federal, o legislador deve sempre tê-la em mente como a célula matter da Nação, sendo mesmo o ponto de origem d'onde emana toda a formação do povo brasileiro.

Portanto, uma legislação que proteja somente a mulher nas relações dométicas é muito louvável - até mesmo, uma situação emergencial(!). Mas não albergar toda a estrutura familiar num sistema jurídico de proteção aos direitos humanos dos membros familiares é caducar numa das funções principais da Ciência jurídica: ajustar as regras de conduta ao devir.