sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Orgulho do Brasil

Tem circulado na internet um email clamando por um orgulho pelo Brasil, pregando o amor por ser brasileiro. Nada contra. Sentir-se parte de algo, ou lutar por ter uma identidade é uma das características mais simplórias da humanidade. Porém, as coisas ganham outra dimensão quando esse tipo de apelo se reveste de um cariz nacionalista - aí as opiniões ficam um pouco mais melindrosas.

O teor do email não é nada ofensivo. Apenas mostra, de forma bem contundente, aquilo que todo brasileiro desconfia, mas não tem certeza; mostra o quanto o Brasil é um país rico e poderoso. O engraçado é que, colocando os recursos naturais em segundo lugar, o texto faz um apelo pelo progresso que o País atingiu no plano industrial, isto é, pinta um cenário até certo ponto bastante realista sobre a atual economia nacional.

Entretanto, o que o texto do email não deixa claro é que, mesmo sendo um país que tem tido bons resultados econômicos diante de seus desafios desenvolvimentistas, só a pouco é que essa industrialização começou a se espalhar pelo território nacional. Até bem pouco tempo, talvez anos 1980, era comum a migração interna de milhões de pessoas, fugidas da miséria e da pobreza do sertão nordestino, em busca de uma vida melhor (nas favelas) no Sul do País.

Outro fato que o texto ignora é que os avanços industriais sacrificam de forma absurda os recursos naturais, pela simples razão de que é impossível haver crescimento econômico sem a delapidação de recursos naturais -- o sistema de produção é invariavelmente concebido para transformar recursos naturais em recursos econômicos e, por isso, a destruição ambiental.

Ainda, o que aquele email não esclarece é que os movimentos sociais que hoje ocorrem no Brasil têm por objetivo democratizar diversas partes dessa nova e bem sucedida economia: democratizar o acesso à terra e às funções estatais (Legislativo, Judiciário e Executivo); viabilizar políticas sociais, fazendo com que elas "saiam do papel" e se tornem efetivas.

o texto não explica porquê a corrupção e a mafiocracia brasileiras impedem ou dificultam o exercício da cidadania. Não fica claro porque a corrupção indigna os milhões de brasileiros que labutam "7 dias por semana" e porque uma minoria controla não só o Poder social, mas todos os recursos produtivos. Nem diz porquê é tão importante alienar e afastar o povo do real exercício do Poder democrático.

Mais importante ainda, o(s) autor(es) do texto esqueceram-se de explicar que existem milhões de pessoas (a maioria delas jovens e crianças) sem a menor oportunidade de participar nesse sucesso econômico, seja por não possuírem os graus mínimos de educação formal para entrar no mercado de trabalho, seja porque a própria lógica do mercado de trabalho torna impraticável absorver todas essas pessoas na produção de bens, produtos e serviços. O que implica dizer que, para cada "cidadão de bens", devem existir necessariamente milhares de pessoas sem possibilidade de adquirir esses bens ou riquezas sociais.

É. haviam muitas brechas naquele texto, que me fizeram pensar sobre muitas coisas. Mas o que me deixa mais preocupado é ver renascer e ganhar força ao redor do País a idéia de que é preciso mais ordem, mais rigor, através de discursos do tipo "linha dura", que apostam num progresso cego e anti-social. Não podemos nos esquecer que a ditadura acabou a menos de uma geração atrás, e que se ela um dia existiu é porque havia conivência/conluio entre o comando e certos setores sociais (principalmente a classe média, que é quase-que-obrigatoriamente reacionária).

Eu penso que os motivos para se ter orgulho do Brasil são outros. Penso que todo brasileiro deve ter orgulho, primeiro, por finalmente ser possível protestar contra o exercício arbitrário do Poder e contra a corrupção da classe política. Festejar porque é possível clamar por justiça social, através de manifestações na rua -- mesmo que para isso seja necessário quebrar o "direito sagrado da propriedade" e importunar a ordem estabelecida. Agradecer, dia após dia, o direito de manifestar o pensamento -- por mais absurdo que seja --, porque a liberdade e expressão é um direito humano universal e inalienável.

Finalmente, soa um bocado estranho ter "orgulho do Brasil". Afinal, sentimento tão nobre não deveria ser desperdiçado sobre coisas, ainda mais quando essas coisas são meras abstrações. O Brasil não existe. O que existe é um povo, que habita um determinado território e luta por definir uma identidade qualquer, há mais de 500 anos.

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