sábado, 13 de dezembro de 2008

Serra do Sol: o problema era o arroz?

A recente decisão do STF sob a demaracação da reserva indígena Raposa Serra do Sol põe um fim à querela midiática dos últimos meses e abre uma discussão sobre os reais motivos da quesilha. Afinal, eram os interesses dos fazendeiros de arroz e dos especuladores imobiliários versus os direitos dos índios às terras demarcadas. Isso demonstra ao cidadão o que se passa nos bastidores de decisões políticas do Judiciário e o qual é a verdadeira motivação das empresas privadas de comunicação.

Com efeito, deve-se dizer que a provocação jurisdicional partiu de fazendeiros que agiam contra a decisão do Executivo federal de demarcação daquelas terras, em 2005. A partir daí, toda uma campanha foi feita para "alertar" os brasileiros sobre os perigos à soberania nacional, à integridade do território e coisas do gênero. Ora. Quem examina a questão do ponto de vista jurídico sabe que não havia nenhum risco à suposta ou imaginária soberania nacional a guiar os interesses dos postulantes (os fazendeiros). Ainda, não era uma questão sobre os recursos naturais da região -- e a importância estratégica dos mesmos para o desenvolvimento do País. O que imperava na disputa eram os interesses de uma importante e impoluta indústria agropecuária que explora a plantação de arroz em Roraima e, ainda, o avanço da especulação imobiliária sobre as terras indígenas.

Some-se a isso a propaganda midiática que colocava o projeto da Reserva como um espaço de exclusão de soberania em relação à República. Ora. Mais uma vez o capital privado e a indústria da (des)informação juntam-se para assegurar a continuidade do uso anti-democrático da terra -- uso que garante a concentração de riquezas e o uso anti-social da propriedade privada. Desde que foi inaugurado, o princípio da função social da propriedade privada e do respeito pela dignidade da pessoa humana são dois dos pilares sociais da República, garantidos pela Constituição Federal de 1988.

Penso que um último alerta é necessário. É preciso lembrar a esses senhores que a ditadura militar é assunto morto e encerrado no Brasil -- talvez valha até a pena explicar à equipe de pseudo-jornalistas envolvidos nessa campanha que de nada adianta aliciar os militares brasileiros com apelos nacionalistas. Neste caso -- e espero que nos casos que surgirão no futuro --, a decisão foi tomada por um órgão jurisdicinal civil; uma decisão do órgão responsável pela garantia da ordem constitucional brasileira: o Supremo Tribunal Federal. Um episódio dessa magnitude merecia mesmo uma decisão minimamente democrática, que além de colocar a reserva sob a tutela da FUNAI (Fundação Nacional do Índio, órgão da República Federativa do Brasil), assegurou o que era óbivio: o exercício do poder de polícia das forças armadas no território nacional, na medida e com o controle do princípio da legalidade.

Eu não gosto de futebol, mas devo dizer que essa decisão é uma espécie de "gol cala-a-boca" para os (de)formadores de opinião da mídia nacional. Emblemático posicionamento jurídico e ato simbólico, no ano em que se comemoram os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. É ainda um duro golpe contra a tradição das elites brasileiras de descumprimento da legislação nacional e internacional que garante a proteção dos direitos humanos. Finalmente, é correto pensar que esta decisão inaugurou a aplicabilidade dos princípios jurídicos e demais valores contindos na Declaração da ONU sobre Povos Indígenas.

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