quinta-feira, 28 de setembro de 2023

EQUILÍBRIO DE PODER NA DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS

O panorama das relações internacionais é definido por uma constante interação entre "soft power" e "hard power". Enquanto o "soft power" foca na atração e persuasão, o "hard power" refere-se ao uso da força ou coerção para obter o que se deseja de outros estados. Esta dualidade é especialmente relevante quando consideramos as relações multilaterais mediadas pela diplomacia e pelo direito internacional público.

Hard Power

No âmbito do direito internacional, o hard power manifesta-se frequentemente através de sanções, ameaças militares e, em casos extremos, intervenções. A capacidade de um Estado em mobilizar e usar recursos militares ou econômicos para influenciar outros países é um reflexo direto deste poder. Um exemplo pode ser a imposição de sanções econômicas pela ONU a países que violam resoluções ou normas internacionais.

Porém, o uso excessivo ou mal orientado do hard power pode gerar resistência e animosidade. Por exemplo, intervenções militares unilaterais sem um claro mandato internacional podem ser vistas como invasões ou imperialismos, desacreditando a imagem do Estado interventor no cenário mundial.

Soft Power em contraposição

Ao contrário do hard power, o soft power não busca impor, mas convencer e atrair. No contexto da diplomacia, a capacidade de um país em construir coalizões, promover diálogos e fomentar entendimentos baseia-se largamente em seu soft power. Instituições como a UNESCO, por exemplo, promovem valores e normas culturais e educacionais que são abraçados voluntariamente por outros países devido ao seu apelo e não por imposição.

O direito internacional público, com suas convenções e tratados, muitas vezes reflete essa interação entre soft e hard power. Por exemplo, enquanto a Carta da ONU prevê mecanismos de coerção em caso de violações (hard power), ela também promove a resolução pacífica de disputas e cooperação internacional (soft power).

Relações Multilaterais

Nestas relações, a diplomacia e o direito internacional público atuam como mediadores, buscando equilibrar interesses divergentes. A eficácia da diplomacia muitas vezes reside na habilidade de um país em usar seu soft power para construir consensos e promover cooperação. Em fóruns multilaterais, como a ONU, países que são vistos como líderes não apenas por sua capacidade econômica ou militar, mas por seus valores, cultura e contribuições para o bem comum, exercem influência desproporcional.

Joseph Nye, ao introduzir o conceito de "soft power" no panorama das relações internacionais, revolucionou a forma como entendemos a dinâmica do poder entre os Estados. Para compreender a transição ideológica que ele propõe, é vital examinar seus fundamentos e a lógica subjacente à sua teoria.

"Soft power" é um termo que foi cunhado pelo acadêmico Joseph Nye em 1990 e refere-se à capacidade de um país de influenciar outros atores internacionais não por meio da coerção (como no uso de força militar ou sanções econômicas), mas através da atração e persuasão. É um tipo de poder que se manifesta através de aspectos culturais, valores ideológicos e políticas externas que são vistas como legítimas ou atraentes para outros.

No contexto jurídico, o soft power pode ser visto na disseminação de sistemas legais ou princípios normativos que são adotados por outros países devido à sua percepção de legitimidade ou eficácia, e não por imposição. Por exemplo, após a Segunda Guerra Mundial, muitos princípios do direito internacional dos direitos humanos foram amplamente adotados, em parte, devido à influência do soft power dos países ocidentais que os promoviam.

Nas relações internacionais, exemplos de soft power podem incluir a exportação da cultura pop, como a onda Hallyu da Coreia do Sul, que se refere à crescente popularidade global da música, filmes e dramas coreanos. Quando as pessoas em todo o mundo passam a admirar e consumir produtos culturais de um país, isso pode levar a uma visão mais positiva desse país, aumentando sua influência global.

O soft power representa a capacidade de influenciar através da atração, em contraste com o "hard power", que se baseia em meios coercitivos. Em um mundo globalizado, onde as relações públicas e a imagem de um país têm um papel crucial nas relações internacionais, o soft power torna-se uma ferramenta essencial para a diplomacia e a estratégia global.

1. Contextualização Histórica: Nye desenvolveu sua teoria em um momento de transição global. A Guerra Fria estava terminando, e a dinâmica bipolar de poder entre os Estados Unidos e a União Soviética estava desaparecendo. Era um período em que a globalização e a interconexão entre os Estados estavam crescendo rapidamente.

2. Definição de Poder: Para Nye, poder é a capacidade de influenciar os outros para obter os resultados desejados. Tradicionalmente, esse poder era visto em termos de recursos tangíveis, como força militar ou riqueza econômica ("hard power"). No entanto, Nye argumentou que a capacidade de um país de atrair e cooptar, através de sua cultura, valores políticos e políticas externas, é igualmente crucial.

3. Limitações do Hard Power: Nye observou que o uso exclusivo da força ou coerção frequentemente traz resultados contraproducentes. Além de ser caro, pode gerar ressentimento e resistência, diminuindo a influência de um país no longo prazo.

4. Atração e Persuasão: No cerne da teoria do soft power está a ideia de que é mais eficaz atrair e persuadir do que coagir. Isso não significa que o hard power seja irrelevante, mas que deve ser equilibrado com estratégias que promovam a atração.

5. A Importância da Credibilidade: Um dos principais elementos do soft power é a credibilidade. Para que um país exerça influência, suas ações internas e externas devem estar alinhadas. A hipocrisia ou a contradição entre o que um país promove e o que pratica pode erodir seu soft power.

6. Evolução das Relações Internacionais: Nye partiu da ideia de que, em um mundo cada vez mais interligado, as relações bilaterais tradicionais estão dando lugar a redes complexas de interação. Nessas redes, o soft power desempenha um papel crucial, facilitando a cooperação e a coordenação.

Como se pode denotar, Joseph Nye identificou uma mudança nas relações internacionais, onde a força bruta estava se tornando menos eficaz e, muitas vezes, contraproducente. Ele argumentou que, em um mundo interconectado, a capacidade de atrair e persuadir é mais benéfica e eficaz para as relações multilaterais. Ao fazer isso, Nye não só redefiniu a compreensão do poder nas relações internacionais, mas também destacou a necessidade de estratégias de diplomacia mais sofisticadas e integradas.

Em conclusão, enquanto o hard power continua relevante e, em certas circunstâncias, necessário, o soft power é cada vez mais reconhecido como fundamental em um mundo interconectado. A capacidade de influenciar através da atração e persuasão, e não apenas pela coerção, é crucial para a construção de um mundo mais cooperativo e pacífico. A interação entre soft e hard power, mediada pela diplomacia e pelo direito internacional público, define em grande parte a dinâmica das relações multilaterais contemporâneas.

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segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Seria possível defender o conceito “ubi societas ubi jus, ibi jus ubi societas” no contexto do Nazismo e do Fascismo italiano?

 INTRODUÇÃO

Defender o brocado "ubi societas ubi jus, ibi jus ubi societas" no contexto do Fascismo ou do nazismo é uma tarefa complexa e delicada, porque ambos os regimes violaram princípios fundamentais de justiça, direitos humanos e ética. Nestes casos, as leis ("lex") eram usadas para legitimar atrocidades, tornando difícil argumentar que onde há sociedade, há "jus" (direito) no sentido de uma justiça universal ou princípios éticos.

O que esses regimes demonstram é que a presença de um sistema legal formal ("lex") não necessariamente implica a existência de "jus" no sentido de justiça ou moralidade. Aqui, "lex" e "jus" divergem dramaticamente. O direito, neste contexto, foi manipulado para servir a fins injustos, mostrando que a lei escrita pode ser uma ferramenta de opressão e injustiça, em vez de um mecanismo para a realização de princípios justos.

Essa desconexão entre "lex" e "jus" em regimes como o Fascismo e o nazismo ilustra a importância de manter uma crítica ativa e um escrutínio ético sobre as leis e os sistemas legais. Serve também como um lembrete severo de que a presença de leis e de um sistema legal não é, por si só, suficiente para garantir uma sociedade justa ou ética.

Portanto, enquanto o brocado pode geralmente sugerir que o direito e a sociedade são coexistentes e mutuamente influentes, ele não garante que essa coexistência seja sempre justa ou ética. Isso nos mostra a importância de estar sempre atentos à relação entre "lex" e "jus", e à necessidade de esforços constantes para alinhar os dois em direção à justiça e à equidade.

DESENVOLVIMENTO

H. L. A. Hart, um dos juristas mais influentes do século XX, abordou a relação entre "lei" e "direito" em sua obra seminal "O Conceito de Direito" ("The Concept of Law"). Hart argumenta a favor de um "positivismo jurídico", que separa o que a lei é do que a lei deveria ser. Ele introduz a ideia de que um sistema legal é composto por "regras primárias" e "regras secundárias". As regras primárias são aquelas que governam o comportamento diretamente (como proibições e mandatos), enquanto as regras secundárias são aquelas que governam como as regras primárias são criadas, modificadas ou aplicadas.

Um dos pontos-chave de Hart é o conceito de "regra de reconhecimento", uma regra secundária que estabelece os critérios pelos quais outras regras são reconhecidas como parte do sistema legal. Isso se assemelha à ideia de "lex" em que é uma estrutura formal e reconhecida.

Ao mesmo tempo, Hart reconhece que o sistema legal não é um sistema fechado e que muitas vezes há "casos difíceis" onde as regras existentes não fornecem respostas claras. Nestes casos, ele permite algum grau de interpretação judicial, que pode levar em consideração princípios de justiça e moralidade. Isso faz uma ponte com a noção de "jus", o direito como um conjunto mais amplo de princípios éticos e sociais.

Entretanto, Hart mantém uma certa distância entre "lei" e "moral", argumentando que, embora a moral possa influenciar a lei, elas são domínios distintos. Ele critica tanto o "jusnaturalismo", que vê a lei como intrinsecamente ligada à moral, quanto o "positivismo jurídico estrito", que tenta separar completamente a lei da moral.

Dessa forma, Hart oferece uma abordagem mais matizada para entender a relação entre "lex" (a lei como um conjunto de regras reconhecidas) e "jus" (o direito como um conceito mais amplo que pode incluir noções de justiça e moralidade), mantendo-os como domínios inter-relacionados, mas distintos.

Por sua vez, Ronald Dworkin, um jurista e filósofo americano, oferece uma abordagem substancialmente diferente da de H.L.A. Hart sobre a natureza do direito. Dworkin é conhecido por sua crítica ao positivismo jurídico, argumentando que a lei não é apenas um conjunto de regras, mas também incorpora princípios morais e éticos.

Um dos conceitos centrais de Dworkin é a ideia de que os juízes não apenas aplicam a lei, mas também a "interpretam" à luz de princípios morais e éticos. Em sua obra mais conhecida, "Levando os Direitos a Sério" ("Taking Rights Seriously"), ele introduz a ideia de que os direitos individuais são um componente central do direito e devem ser levados em consideração mesmo quando entram em conflito com a vontade da maioria.

Dworkin também introduz o conceito de "integridade do direito". Ele argumenta que o direito deve ser visto como um conjunto coerente de princípios que buscam fazer justiça em casos individuais. Para ele, a lei ("lex") e a justiça ou os princípios morais ("jus") estão intrinsecamente ligados, e um não pode ser entendido adequadamente sem o outro.

Ele critica o que vê como uma abordagem "regrista" de Hart e outros positivistas, que, em sua visão, reduzem o direito a um conjunto de regras sem considerar os princípios subjacentes. Para Dworkin, esses princípios são parte inseparável do sistema legal e devem ser usados para resolver "casos difíceis" onde as regras existentes são ambíguas ou incompletas.

Assim, enquanto Hart oferece uma estrutura mais formalista e separada para entender "lex" e "jus", Dworkin argumenta que os dois são profundamente interconectados e que o direito deve ser entendido como uma mistura de regras e princípios orientados pela meta de justiça social e individual.

OS ARGUMENTOS DE KELSEN

Hans Kelsen, um dos mais importantes teóricos do direito do século XX, é talvez mais conhecido por sua "Teoria Pura do Direito", na qual ele defende uma visão estritamente positivista e formalista da lei. No entanto, em sua obra "O que é Justiça?", Kelsen explora a relação entre direito e justiça de uma maneira um tanto diferente, embora ainda mantenha sua perspectiva positivista.

Kelsen argumenta que a justiça é um ideal, não uma realidade empírica, e que sua definição pode variar de acordo com diferentes culturas e períodos históricos. Para ele, o conceito de justiça é relativo e não pode ser definido de maneira absoluta. Isso pode ser visto como uma forma de abordar a ideia do "justo subjetivo", embora ele não use esse termo.

No entanto, Kelsen mantém que, enquanto o conteúdo específico da justiça pode ser relativo, o próprio conceito de justiça implica uma forma de igualdade. Isto é, qualquer sistema que se pretenda justo deve tratar casos iguais de forma igual e casos desiguais de forma desigual, de acordo com suas desigualdades. Isso poderia ser visto como um critério para o "justo objetivo".

Desta feita, embora Kelsen mantenha sua perspectiva positivista, que separa o "é" do "deve ser", ele também reconhece que o direito frequentemente busca realizar ideais de justiça, mesmo que esses ideais sejam culturalmente e historicamente contingentes. No entanto, ele é cético quanto à possibilidade de definir a justiça de forma absoluta, vendo-a mais como um ideal regulador do que como uma realidade concreta.

CONCLUSÃO

No contexto das deliberações sobre a intrínseca relação entre "lex" (lei) e "jus" (direito), as teorias de Kelsen, Dworkin e Hart oferecem prismas distintos e complementares para interpretar a dinâmica entre o legal e o justo. Kelsen, por exemplo, se situa no domínio do positivismo jurídico puro, abordando a lei predominantemente de uma perspectiva normativa, onde a justiça permanece relativizada a contextos culturais e históricos específicos, enfatizando uma separação clara entre a moral e o direito. Ele vê o conceito de justiça como um ideal regulatório, que embora intrinsecamente ligado à igualdade, é essencialmente indecifrável por sua natureza relativa e mutável. Aqui, embora a “lex” seja central, o “jus” surge como um ideal potencialmente inatingível e essencialmente subjetivo, acentuando uma distinção clara entre os domínios da lei e da justiça moral.

Por outro lado, Dworkin oferece uma resposta mais integrada ao problema da justiça no direito, onde a lei é não apenas um conjunto de regras, mas também incorpora princípios morais, desafiando assim a rigidez do positivismo jurídico. Dworkin propõe uma interpretação construtiva da lei, na qual a justiça se entrelaça inerentemente com a lei através de princípios morais que guiam a tomada de decisões judiciais, especialmente em “casos difíceis”. Aqui, o “jus” não está separado da “lex” mas, ao contrário, é incorporado na complexa malha do sistema legal. Este enfoque favorece um “justo objetivo”, onde há uma busca persistente pela harmonia entre as leis vigentes e a integridade moral, promovendo um equilíbrio entre normas estabelecidas e princípios éticos subjacentes.

Hart, se posicionando de maneira um tanto intermediária, oferece uma teoria que reconhece a necessidade de regras primárias e secundárias, permitindo algum grau de interpretação moral nas bordas do sistema legal, ainda que mantenha uma ênfase na estrutura formal da lei. Ele contempla a existência de "casos difíceis" onde a moral pode se tornar um fator determinante na aplicação da lei, criando assim um espaço para o “jus” em sua teoria. Esse reconhecimento apresenta uma abertura para uma possível convergência entre “lex” e “jus”, promovendo uma visão mais dinâmica da lei. Ao fazer isso, Hart delineia uma abordagem matizada, ressaltando a inter-relação entre o legal e o moral, e destacando a necessidade de uma análise crítica e moral do sistema legal.

Em conjunto, essas teorias destacam a complexa e multifacetada relação entre “lex” e “jus”. Enquanto Kelsen defende uma distinção clara entre lei e moral, e Dworkin busca uma maior integração entre os dois, Hart oferece uma visão intermediária que permite a interação da lei com princípios morais e éticos, ainda que dentro de uma estrutura mais formalista. O debate entre esses teóricos, portanto, oferece uma rica tapeçaria de perspectivas que pode servir como um guia para explorar a eterna questão da justiça no domínio do direito.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

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