O Direito Universal Islâmico e
o Direito Positivo Ocidental: Divergências, Semelhanças e Pontos de Tensão
O direito, seja ele inspirado por
preceitos divinos ou moldado pelas mãos humanas, serve como uma bússola para
sociedades ao redor do mundo, orientando comportamentos, justiça e interações
sociais. A tensão entre o direito de inspiração divina no Islã e o direito
positivo ocidental contemporâneo é um reflexo das complexas interações
culturais, filosóficas e históricas que marcaram o desenvolvimento global. Esta
dissertação explora os conceitos centrais, divergências teóricas e os pontos de
tensão entre esses dois sistemas jurídicos.
I.
Conceitos centrais:
a) Direito
Universal Islâmico (Sharia): Para muitos muçulmanos, a Sharia, derivada do
Alcorão e da Sunnah, é a manifestação da vontade divina, oferecendo um guia
completo para todos os aspectos da vida, desde os rituais religiosos até as
interações sociais. Esta visão da lei é reminiscente do conceito de
"direito natural" que floresceu na Europa medieval, onde a lei era
vista como uma expressão da ordem divina.
b) Direito
Positivo Ocidental: Este é um sistema secular, onde a lei é criada através de
processos democráticos, baseada na vontade do povo e em tradições legais
estabelecidas. A lei pode ser alterada e adaptada conforme a sociedade evolui e
as necessidades mudam.
II.
Divergências teóricas:
A natureza e origem das leis
constituem a principal divergência. Enquanto a Sharia é vista como eterna e
imutável em sua essência (embora a interpretação possa variar), o direito
positivo ocidental é inerentemente mutável, permitindo que as sociedades se
adaptem e evoluam.
A abordagem da justiça também
varia. A Sharia enfoca tanto a justiça terrena quanto a espiritual, com um
forte componente moral e ético. O direito positivo ocidental, por outro lado,
geralmente separa o moral do legal, focando principalmente em estabelecer uma
ordem social justa.
III.
Pontos de tensão entre a lei divina e o direito
positivo contemporâneo:
1. Direitos
Humanos: Questões de gênero, liberdade de expressão e direitos LGBT+ são
particularmente sensíveis. Enquanto o Ocidente promove uma visão liberal
baseada na autonomia individual, a Sharia pode ter interpretações mais
conservadoras, embasadas em princípios religiosos e comunitários.
2. Punção
Penal: Aspectos do direito penal islâmico, como as punições hudud, podem ser
vistos como draconianos sob uma lente ocidental. Hudud (em árabe: حدود, plural
de "hadd" que significa "limite" ou "barreira")
refere-se a um conjunto específico de ofensas dentro da lei islâmica (Sharia)
para as quais foram estabelecidas punições fixas no Alcorão ou na Sunnah
(tradições do Profeta Maomé). Estas ofensas são vistas como violações dos
direitos de Deus e, portanto, têm punições prescritas que são consideradas
divinamente ordenadas.
No campo penal, pode-se elencar
alguns exemplos de ilícitos que constituem as ofensas hudud e suas punições correspondentes:
a) Zina
(adultério ou fornicação): Para os não casados, a punição pode ser de 100
chicotadas.
b) Qadhaf
(falsa acusação de zina): A punição para falsamente acusar alguém de adultério
ou fornicação sem fornecer as quatro testemunhas necessárias é de 80
chicotadas.
c) Sariqa
(roubo): A punição para roubo, sob certas condições, é a amputação da mão.
d) Hiraba
(assalto à mão armada, terrorismo, banditismo) e Baghy (rebelião): As punições
variam de acordo com a gravidade do crime e podem incluir execução,
crucificação, amputação de membros opostos (mão direita e pé esquerdo) ou
exílio.
e) Ridda
(apostasia / renunciar ao Islã): Pena de
morte.
3. Liberdade
Religiosa: A visão ocidental contemporânea valoriza a liberdade de crença, enquanto
a apostasia e a blasfêmia podem ser severamente punidas sob muitas
interpretações da Sharia.
Conclusão:
A tensão entre o direito
universal islâmico e o direito positivo ocidental não é apenas uma questão
jurídica, mas também cultural, filosófica e histórica. Portanto, reconhecer as
nuances e complexidades de cada sistema é essencial para uma coexistência
harmoniosa em um mundo globalizado. Enquanto divergências existem, também
existem possibilidades para diálogo, entendimento e intercâmbio construtivo
entre estas tradições jurídicas.
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