segunda-feira, 6 de novembro de 2023

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DEVER SER DO SISTEMA UNIVERSAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

A Organização das Nações Unidas (ONU) foi estabelecida no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, com a assinatura da Carta das Nações Unidas em 1945, com o objetivo de promover a paz e a segurança internacionais, o desenvolvimento sustentável, os direitos humanos e a manutenção do direito internacional. Com uma representação quase universal de Estados-membros, a ONU trabalha como uma plataforma global para que as nações cooperem em um vasto espectro de questões cruciais.

No âmago de seus objetivos relacionados aos direitos humanos está a crença de que a paz duradoura e a segurança só podem ser alcançadas se os direitos fundamentais de todas as pessoas forem respeitados e protegidos. Isso implica não apenas a prevenção de conflitos, mas também o combate à pobreza, à injustiça social e à discriminação de todas as formas. A proteção e promoção dos direitos humanos estão incorporadas em todas as atividades da ONU, desde operações de manutenção da paz e assistência humanitária até iniciativas de desenvolvimento sustentável.

Além de seu próprio sistema de tratados e órgãos de monitoramento de direitos humanos, a ONU reconhece a importância dos sistemas regionais de proteção de direitos humanos, que oferecem mecanismos adicionais de accountability e proximidade cultural e política aos contextos específicos de cada região. Esses sistemas, como a Corte Europeia de Direitos Humanos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, desempenham papéis vitais na interpretação e aplicação de normas de direitos humanos dentro de suas jurisdições.

A ONU não só apoia esses sistemas regionais em termos ideológicos, mas também por meio de cooperação técnica e assistência. Um exemplo é o apoio que as agências da ONU, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), prestam para fortalecer as instituições de direitos humanos regionais e nacionais. A cooperação entre a ONU e os sistemas regionais também se manifesta em programas conjuntos, missões de observação, e compartilhamento de melhores práticas e estratégias para enfrentar violações de direitos humanos.

Essa cooperação é crucial porque permite que as organizações tirem proveito de suas forças únicas. Enquanto a ONU oferece um palco para o consenso global e a formulação de normas internacionais, os sistemas regionais têm a capacidade de se concentrar em desafios específicos, levando em conta as nuances políticas, culturais e históricas de suas regiões. Essa sinergia entre as instituições globais e regionais é fundamental para criar um quadro mais robusto e sensível de proteção de direitos humanos, que pode responder tanto aos desafios universais quanto aos específicos enfrentados pelas comunidades locais.

A colaboração também ocorre na esfera de respostas a crises. Quando os sistemas regionais identificam situações de grave risco aos direitos humanos, a ONU pode mobilizar seus recursos consideráveis para prestar assistência, seja por meio de intervenções diplomáticas, sanções ou até apoio a operações de manutenção da paz, com o consentimento dos Estados-membros. Por outro lado, a ONU pode se valer dos sistemas regionais para implementar suas resoluções e expandir o alcance de suas iniciativas de direitos humanos.

Através dessas ações coordenadas, a ONU e os sistemas regionais de direitos humanos contribuem conjuntamente para um ambiente internacional em que a dignidade e o valor do ser humano são priorizados, e onde os princípios da Carta das Nações Unidas são realizados não apenas em palavras, mas em ações concretas que afetam a vida de pessoas em todo o mundo.

O Conselho de Segurança é um dos principais órgãos da Organização das Nações Unidas e tem como principal responsabilidade a manutenção da paz e segurança internacionais. Composto por quinze membros, incluindo cinco membros permanentes com poder de veto — Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China — e dez membros não permanentes eleitos para mandatos de dois anos, o Conselho é a única entidade da ONU com a autoridade para emitir resoluções vinculativas para os Estados-membros.

Para alcançar seus objetivos de paz e segurança, o Conselho de Segurança pode utilizar uma variedade de medidas que vão desde sanções econômicas e embargos de armas até autorizações para intervenções militares, sempre levando em conta as normas e princípios do Direito Internacional. Ao lidar com violações de direitos humanos, o Conselho pode, por exemplo, estabelecer missões de manutenção da paz e tribunais ad hoc, como os que foram criados para a antiga Iugoslávia e Ruanda, para processar aqueles acusados de crimes de guerra e genocídio.

Quanto ao Tribunal Penal Internacional (TPI), convém que se diga que tal instituição é uma entidade independente e permanente criada para julgar indivíduos acusados de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e o crime de agressão. Apesar de sua independência, o TPI e a ONU têm um relacionamento cooperativo. O Conselho de Segurança tem o poder, sob o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, de se referir a situações ao TPI quando acredita que crimes dentro da jurisdição do TPI foram cometidos e que isso ameaça a paz e segurança internacionais.

Além disso, o Conselho de Segurança pode desempenhar um papel significativo na cooperação com o TPI, especialmente quando se trata de cumprir as decisões do Tribunal. Embora o TPI não tenha sua própria força policial para fazer cumprir suas ordens e mandados de prisão, ele depende da cooperação dos Estados para fazer isso. Quando um Estado falha em cooperar com o TPI, o Conselho de Segurança pode intervir para exercer pressão política e diplomática ou para impor sanções com o objetivo de assegurar a conformidade.

Por exemplo, se um Estado-membro recusa-se a prender e transferir um indivíduo acusado pelo TPI, o Conselho de Segurança pode considerar esta recusa como uma ameaça à paz e segurança internacionais e pode agir para assegurar a cooperação do Estado com o Tribunal. Isso é fundamental, pois garante que as decisões do TPI não fiquem apenas no papel, mas sejam efetivamente implementadas, reforçando assim o sistema internacional de justiça criminal.

Desta forma, pode-se afirmar seguramente que o Conselho de Segurança serve como um pilar fundamental na estrutura da ONU para a promoção da paz e dos direitos humanos. Ao se engajar com outros órgãos e entidades, como o TPI, ele ajuda a assegurar que a justiça seja feita em um cenário global e que os perpetradores de graves violações dos direitos humanos sejam responsabilizados, reforçando assim a ordem jurídica internacional e o respeito aos direitos humanos.

Por sua vez, o Tribunal Penal Internacional (TPI) tem um mandato específico e definido para lidar com os crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e o crime de agressão. Em termos de sanções, o TPI é limitado a determinadas formas de punição. Diferentemente de algumas jurisdições nacionais, o TPI não tem a autoridade para impor a pena de morte. As penas aplicadas pelo TPI geralmente envolvem prisão e podem variar de alguns anos a prisão perpétua, dependendo da gravidade do crime e das circunstâncias individuais do caso.

Em contraste, as sanções que podem ser aplicadas pelo Conselho de Segurança da ONU são bem mais variadas e não se limitam à responsabilização individual. Quando o Conselho de Segurança age, ele o faz geralmente em relação a Estados ou grupos não estatais, e não indivíduos específicos. As medidas que o Conselho pode adotar incluem sanções econômicas, como embargos comerciais, restrições financeiras, e embargos de armas. Em casos extremos e quando autorizado por uma resolução aprovada pelo Conselho de Segurança, podem ser empregadas forças militares para manter ou restaurar a paz internacional e a segurança.

Portanto, enquanto o TPI foca na responsabilidade penal individual e na imposição de penas de prisão para impedir a impunidade, as ações do Conselho de Segurança visam restaurar a paz e a segurança internacionais, muitas vezes por meio de pressões políticas e econômicas ou, em raras circunstâncias, ações militares. Ambos trabalham para o objetivo comum de justiça e manutenção da ordem internacional, mas operam em esferas e com ferramentas distintas.

Ações constitucionais e aprofundamento da democracia brasileira pós-1988

 O acesso ao Poder Judiciário é uma salvaguarda fundamental para a democracia plena, conforme estabelecido pela Constituição Federal do Brasil de 1988. Este direito, assegurado pelo artigo 5º, inciso XXXV, que afirma que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", é um dos pilares para a efetivação dos direitos e garantias individuais e coletivos.

Este princípio, conhecido como princípio da inafastabilidade da jurisdição, garante que qualquer cidadão, independentemente de sua condição social, econômica ou política, pode buscar no Judiciário a solução para conflitos e a reparação de direitos. É uma manifestação concreta do Estado Democrático de Direito, pois assegura que não haverá barreiras intransponíveis impostas pelo Estado ou por indivíduos que impeçam o acesso à justiça.

A Constituição de 1988 ampliou o conceito de justiça ao reconhecer os direitos sociais e coletivos e ao introduzir mecanismos de tutela para interesses difusos e coletivos, como a ação civil pública e a ação popular. Além disso, estabeleceu o Ministério Público como fiscal da lei e defensor dos interesses sociais e individuais indisponíveis, dando-lhe autonomia funcional e administrativa.

A importância desse acesso vai além da solução de disputas. Ele permite a fiscalização e o controle das ações do poder público e privado, servindo como um contrapeso ao poder político e como instrumento de fortalecimento das instituições democráticas. Em última análise, o livre acesso ao Poder Judiciário permite que o cidadão não seja apenas um espectador, mas um participante ativo na construção de uma sociedade justa, livre e solidária, tal como preconiza o preâmbulo da Constituição Federal.

O Judiciário, portanto, não é apenas um poder do Estado, mas um espaço de cidadania onde cada brasileiro pode buscar a realização de direitos, exercendo assim um papel crucial na manutenção e no aperfeiçoamento da democracia brasileira.

As ações constitucionais são instrumentos processuais previstos na Constituição Federal do Brasil que têm como principal objetivo garantir a proteção dos direitos individuais, coletivos e sociais, e dessa forma, aprofundam o acesso à Justiça. Entre essas ações, destacam-se:

1) Habeas Corpus (art. 5º, LXVIII): Esta ação serve para proteger qualquer pessoa que sofra ou se encontre ameaçada de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

2) Mandado de Segurança (art. 5º, LXIX e LXX): Protege direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

3) Mandado de Injunção (art. 5º, LXXI): Quando a falta de norma regulamentadora torna inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais, bem como das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

4) Habeas Data (art. 5º, LXXII): Garante o direito de obter informações de caráter pessoal registradas sobre si em bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, bem como a correção destes dados.

5) Ação Popular (art. 5º, LXXIII): Permite a qualquer cidadão contestar atos considerados lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

6) Ação Civil Pública: Embora não mencionada expressamente na Constituição, ela é prevista na legislação infraconstitucional e serve para a proteção de interesses difusos e coletivos, como o meio ambiente, o consumidor, bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

7) Cada uma dessas ações constitucionais possui características específicas e serve para a proteção de direitos em diferentes contextos. O que as une é a promoção do acesso à Justiça, essencial para o regime democrático, pois possibilita que qualquer pessoa possa acionar o Poder Judiciário para a defesa de seus direitos.

Além disso, essas ações fortalecem o controle social sobre o poder público, ao permitir que os cidadãos atuem diretamente na fiscalização e no combate a ilegalidades e abusos de poder. Ao facilitarem o exercício de direitos e o acesso à Justiça, essas ações constitucionais contribuem para a proteção dos direitos fundamentais e o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

Após a promulgação da Constituição de 1988, conhecida como "Constituição Cidadã", uma série de legislações infraconstitucionais foram elaboradas para regulamentar e concretizar os direitos e garantias fundamentais estabelecidos na Constituição. Essas leis infraconstitucionais são fundamentais para o acesso à justiça e a realização da justiça social no Brasil. Entre elas, destacam-se:

Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/1995): Esta lei criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que têm competência para a conciliação, o julgamento e a execução de causas de menor complexidade. Eles facilitam e agilizam o acesso à justiça, permitindo uma resolução mais rápida de pequenos conflitos.

Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985): Embora anterior à Constituição de 1988, esta lei foi recepcionada por ela e ampliada em seus efeitos. A ação civil pública é um importante instrumento para a defesa de direitos difusos e coletivos, como o meio ambiente, o consumidor, entre outros.

Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990): Estabelece direitos e obrigações nas relações de consumo, permitindo que os consumidores possam buscar o judiciário para a resolução de conflitos, muitas vezes por meio de ações coletivas, o que fortalece o acesso à justiça.

Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001): Regulamenta os direitos sociais à moradia e à cidade sustentável, determinando diretrizes para o planejamento urbano, com a participação da comunidade, promovendo justiça social e o direito a cidades mais humanas e inclusivas.

Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992): Estabelece punições para atos de improbidade cometidos por agentes públicos, permitindo não apenas sanções administrativas, mas também ações judiciais para ressarcimento ao erário.

Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006): Visa a prevenir e combater a violência doméstica e familiar contra a mulher, representando um avanço significativo na proteção dos direitos das mulheres e no acesso à justiça para as vítimas de violência.

Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984): Regula a execução das penas privativas de liberdade e as medidas de segurança, estabelecendo direitos básicos dos presidiários e mecanismos para sua reinserção social, contribuindo para uma justiça penal mais humana.

Lei de Assistência Jurídica Gratuita (Lei nº 1.060/1950, e suas atualizações): Garante assistência judiciária gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, assegurando o acesso à justiça mesmo àqueles sem condições de arcar com custos processuais.

Estas e outras leis infraconstitucionais operacionalizam os direitos constitucionais, criando mecanismos e procedimentos específicos para sua efetivação. Elas estabelecem um marco legal que permite que as pessoas recorram aos tribunais para garantir seus direitos e resolver conflitos, promovendo o acesso à justiça e a justiça social. Além disso, essas leis regulam as instituições e definem os processos por meio dos quais o Estado deve agir para garantir e proteger os direitos dos cidadãos, contribuindo para o aprofundamento da democracia e para o fortalecimento do Estado de Direito no Brasil.