domingo, 29 de abril de 2007

Receita para uma população dócil. PARTE 1: a Educação.

Nas últimas semanas, tenho dado uma maior atenção à semiótica e às estruturas de enculturação social. Da minha análise, que ainda é superficial, ressalta a (pré)conclusão de que existe uma certa coerência entre os autores que cuidam do assunto, quando afirmam que os processos de enculturação são bastante úteis à manutenção dos sistemas sociais e econômicos; os resultados da observação variam de acordo com o agrupamento humano observado, como é evidente.
No mundo ocidental existem várias formas de execução deste proceso de enculturação: religião, mídia, sistema produção, sistema de ensino e assim por diante. Se pegarmos a mídia e o entretenimento, podemos constatar que a constante propaganda de consumo (consumo de entretenimento, ou de cultura, ou de bens materiais, ou do que quer que seja) garante um nível de docilidade que torna possível a execução de estratégias de controle social muito eficientes. Neste aspecto, consumo, propaganda e democracia podem trabalhar em conjunto para manter o status quo e garantir a arregimentação de uma população em conformidade com os objetivos da minoria que controla os sistemas de informação/enculturação. Senão, vejamos:
  • Observando a democracia
Em tese e de acordo com a idéia principal que habita o conceito de democracia, um regime de governo democrático exige conscientização e participação política dos cidadãos nas tomadas de decisões públicas (lato sensu). É óbvio que existe uma diferença entre "ser cidadão" e "ter cidadania" (neste sentido: J. J. Gomes Canotilho, "Ter cidadania/Ser cidadão"), que podemos determinar pela observação do nível de comprometimento político de uma dada sociedade. O ordenamento jurídico é capaz de conferir (e criar, artificialmente) este poder de participação política, pela atribuição de cidadania de acordo com os critérios de soberania adotados na seara político-juridíca (soberania nacional, quando é conferida a um determinado grupo de pessoas, ou popular, quando é conferida a todos do povo). Politicamente, a cidadania é um sentimento de pertença e identidade, que pode se expressar tanto pela passividade, quanto pela atividade de participação nos processos de decisão pública (legislativa, executiva e judiciária). Na base desta estrutura, encontra-se a conscientização política, que também traduz a ideologia predominante que orienta o comportamento dos grupos e classes sociais.
  • A democracia contextualizada pela cultura
Porque não centrar a discussão na sociedade brasileira, de democracia recente (1986)? Para as elites industriais e rurais brasileiras, o "problema" da conscientização é resolvido pela existência de uma educação pública deficitária e uma educação privada cara (ofertada no mercado de serviços) - neste aspecto e em todo caso, as profissões mais procuradas são aquelas que se destinam à formação de técnicos, pois ajudam na reprodução do capital - para não falar da escolástica que predomina entre a população do Estado (laico?) brasileiro. Dentre os estudantes que escolhem as ciências sociais e humanas, qualitativamente, deve-se admitir uma má formação de pesquisadores, em razão do pequeno incentivo financeiro destinado à execução de pesquisa. Deste cenário, podem ser feitas algumas observações, tais como a constatação de que os cientistas sociais representam uma minoria social, aquartelando o conhecimento num pequeno setor da sociedade. Ainda, devemos também lastimar que os recursos governamentais que se destinam à Educação e pesquisa fiquem sempre presos na malha de corrupção e burocracia do Estado.

De outro lado, vale dizer que a participação política, se recebe sua sentença de morte processo educacional (ideologicamente capitalista e liberal), sofre o golpe fatal quando é substituída pela atividade de consumo de bens/serviços (neste sentido: Noam Chomsky, "Understanding power"; Michel Foucault, "Naissance de la biopolitique: cours au Collège de France"). O consumo é essencial ferramenta de manutenção do status quo, porque desvia nossa atenção para a relação consumidor-produtor (ao invés de cidadão-cidadão, por exemplo). Nesta relação de consumo, o dinheiro serve como intermediário simbólico nas relações intersubjetivas (neste sentido: Karl Marx, "Capital", livro I).

O carnaval (fenômeno de escala nacional) já é uma válvula de escape aos horrores da miséria e representa um meio legítimo de manifestação de insubordinação social (que se expressa no desmantelamento momentâneo da maioria de regras morais, dado pela euforia alcoólica). Destraídos dos problemas diários, embrigados ou apenas levados pela agitação, os foleões se esquecem do Estado (ao menos que seja necessária ou imposta a presença do Estado-polícia). O que o exame das alterações legislativas no panorama histórico da democracia brasilira revela é que a legislatura proposta e aprovada em períodos festivos é majoritariamente contrária aos interesses da maioria dos cidadãos.

Sem encerrar o assunto, coloco a seguinte afirmação (com certa tranquilidade): o Brasil vem (re)produzindo uma população politicamente dócil. Os mecanismos de manipulação da opinião pública nacional estão sob o julgo de grandes corporações (por exemplo, a empresa brasileira Globo S/A está entre os 10 maiores conglomerados de comunicação social do mundo). Ao contrário do que se possa pensar, a comunicação social brasileira é forte, bem estruturada e tem bem servido aos interesses políticos da ideologia dominante. Ainda, o jornalismo tem uma agenda bem definida e já criou uma demanda de consumo baseada no escândalo e no imediatismo. Inclusive, diga-se que o jornalismo sensacionalista que acompanha a montanha russa dos assuntos políticos brasileiros não fornece os mecanismos necessários à conscientização da massa e ajuda a formação de uma população sem memória.

A cidadania não se faz sentir nos locais aonde o poder de intervenção e controle sociais são mais fortes: contrariamente, a cidadania se reflete nas atitudes que devem ser tomadas no cotidiano, longe dos olhos do Estado. A cidadania está ligada à idéia de democracia, e é a extensão do Poder social; pertence ao povo. Culturalmente, nas regiões mais pobres e onde há uma propositada má-condução do ensino, e socialmente, aonde o poder é exercido por meio da brutalidade (coação), a cidadania adormece, entra em estado de coma e morre.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Redução da maioridade penal no Brasil

Causa certo embaraço e muita tristeza saber que foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça brasileira o projeto de alteração da maioridade penal no Brasil. Embaraço porque o legislador brasileiro está tentando resolver o problema da criminalidade criando mais criminosos. Tristeza porque conhecer o perfil penitenciário brasileiro é saber que lá não é lugar para jovens.


Estou cansado de ler estudos e pesquisas que indicam as origens da criminalidade. O sistema penitenciário não diminui o crime nem ajuda a socorrer a sociedade dos delitos: ele é a última instância a que devemos recorrer, para os casos insanáveis e verdadeiramente hediondos e irrecuperáveis. O Direito Penal tem clientes bem definidos: são as pessoas que praticam atos que são repudiados pela maioria da sociedade. Contudo, o Direito Penal num país pobre, injusto, desigual e autoritário como o Brasil é uma arma apontada aos excluídos e marginalizados.

É essa linha de pensamento que sustenta a existência de medidas ressocializantes. Os jovens devem ser protegidos e estar sujeitos à reabilitação. Condenar um jovem ao sistema penitenciário é condená-lo à especialização na verdadeira e infalível escola do crime - administrada pelo Estado.