quinta-feira, 24 de maio de 2007

Receita para uma população dócil. PARTE 2: a Cultura.

Numa conferência realizada nos E.U.A., sobre o papel desempenhado pelo World Bank (Banco Mundial) no aumento da pobreza no mundo, o membro do Congresso Americano Spencer Bachus fez uma declaração interessante: constatando os níveis de educação no Afeganistão, afirmou que se o povo afegão não dava educação às crianças, os norte-americanos assim o fariam (referindo-se aos incentivos financeiros e à interferência direta de agências especializadas no local). É um comentário bastante interessante, sob dois aspectos: 1) demonstra a força do capital internacional na (in)gerência das políticas de um país periférico e 2) atesta o interesse em estabelecer critérios ocidentais aos povos dos países que se encontram à margem do capitalismo globalizado.

Aquilo fez-me lembrar de uma aula proferida pelo Professor Boaventura de Sousa Santos, relacionada a sua teoria da ecologia dos saberes.


A despeito de alargar demais o conceito de educação, temos que ter em conta que educação e cultura andam de braços dados. É bastante comum pernsarmos em termos de educação desvinculado da cultura, quando traçamos o objetivo daquela como inserida no desenvolvimento de técnicas úteis ao crescimento econômico. Mas, ao contrário, devemos ter a consciência de que uma das principais finalidades da educação é a transmissão da cultura adquirida, das tradições e formas de viver e conviver com a natureza e criar condições adequadas ao convívio social. Olhando esta questão sob este outro ângulo (da cultura), temos também de reconhecer que o modelo ocidental de educação dos últimos dois séculos vem multilando, aniquilando e apagando das memórias todos os tipos de conhecimentos (informação) que não são úteis aos sistemas de produção capitalista. E isto se dá por várias razões, muitas delas ligadas aos interesses da indústria.

Se pegarmos, por exemplo, o conhecimento dos povos relacionados à saúde, veremos que muito daquilo que hoje se poderia chamar de "curandeirismo" ou "feitiçaria" era, em outros tempos, conseqüência de uma maior simbiose entre o conhecimento humano e a natureza. É evidente que existem riscos na prática humana dissociada do saber científico, mas o que está em causa é a desconstrução de formas de saber que pertencem à cultura (de um determinado povo, por exemplo, o indígena) pela sublimação do senso comum através do conhecimento científico. Este último, muitas vezes, é uma apropriação empírica do senso comum com a finalidade de apropriação capitalista: marginalizando os conhecimentos e práticas milenares e, na ponta oposta ao desenvolvimento industrial ocidental, oprimindo e regulamentando negativamente (proibição) a praxis sedimentada na cultura desses povos.

De outro lado, podemos comentar que a interferência externa nos processos de aprendizagem e transmissão de cultura são formas de enculturação, nas quais valores exteriores são semeados e enchertados - mesmo que à força -, criando negações à cultura local. Aí está uma perversa relação de poder social, imposta, criadora de clivagens sociais entre o novo e o velho, o permitido e o proibido, a Ciência e a ignorância, o científico e o cultural. Esta desapropriação de valores é uma das formas de dominação dos países centrais do sistema mundo de produção capitalista em relação aos países econômicamente e militarmente mais fracos. E neste aspecto, a cultura exterior, poderosa no sentido econômico, consegue subverter a cultura local, por meio da propaganda e da repetição - porque dispõe de vastos recursos financeiros para o seu intuito hegemônico de incorporação. Os padrões culturais ocidentais encontram caminho aberto à repetição local porque são assumidos como valores vencedores, modernos e, por isso mesmo, sucessores daqueles comuns ao modo de vida dos povos "menos civilizados".

Classificar uma determinada cultura de obsoleta ou "não civilizada" e tentar aniquilar a sua repetição numa determinada comunidade é uma tentativa de apagar a História de um povo. Intervir nos processos de educação e cultura locais é estabelecer a cultura ocidental como standard, condenando à morte as formas tradicionais de transmissão do saber e engessando os saberes conquistados ao londo dos milênios da vida humana na terra.

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