sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Europa: um espaço de diferenças

A Europa não é muito além de um espaço de diferenças. Percorrendo a história da formação dos Estados e da colmatação dos povos, fica fácil perceber porque a Europa não é a União Européia (U.E.) e vice-versa. Assim, convém explicar porquê o projeto de integração européia é algo mais que um sonho e bem menos que uma "realidade".

Desde seus primeiros movimentos, a U.E. teve por palco um conjunto de objetivos econômicos, isto é, embora seja amparada por valores (paz, justiça, liberdade, igualdade etc.). Quer a Comunidade Econômica do Carvão e do Ação, quer a Comunidade Européia da Energia Atômica, ou, ainda, a Comunidade Econômica Européia (depois "convertida" em U.E., pelos tratados comunitários), todas essa fases comunitárias tiveram por finalidade última o estabelecimento de um mercado comum; tudo dali derivaria: a cidadania, as instituições governamentais, a partilha de recursos produtivos, a segurança e fronteiras comuns e assim por diante. O que isso significa de um ponto de vista prático é o que todo europeu sente na pele: os processos de integração europeus não foram planejados e constituídos de uma forma democrática, mas, antes de tudo, foram planejados e executados para re-constituir o parque industrial e re-lançar o projeto de expansão (hegemônico) europeu.

Isso se evidencia durante todo o período da Guerra Fria. Naquele espaço-tempo, enquanto os E.U.A. fomentavam o aumento da produção e do consumo (criando o mercado interno que favoreceria o fortalecimento do mercado financeiro) e a U.R.R.S. criava as condições para a expansão econômica da economia planificada (gerando a acumulação primária, necessária ao crescimento econômico e à criação das infraestruturas elementares do capitalismo de Estado), o continente europeu foi o cenário no qual se desenrolou um balé diplomático interessante: ao ritmo da ameaça constante do aniquilamento nuclear, as potências européias vitoriosas aliaram sua tradição na produção industrial (dependente do carvão e aço) à disponibilidade financeira dos países do BENELUX e, com o aporte de capital advindo do Plano Marshall, começaram um projeto de reconstrução industrial.

Contudo, faltava algo para convencer a força-de-trabalho européia; a competição entre os países, que descambou numa das mais sangrentas guerras, seria substituída por uma colaboração entre as nações. Essa era a idéia inicial: uma paz duradoura através da partilha de recursos. Para que isso desse certo, tornou-se essencial o reconhecimento de um núcleo de valores morais; era inadmissível continuar qualquer projeto econômico europeu, sem assegurar um conjunto de valores sócio-políticos e jurídico-políticos que justificassem um novo esforço de expansão capitalista e de contra-posição ao avanço das idéias comunistas no continente.

Assim, mesmo que esse conjunto de valores tenham um núcleo flexível ou relativo, quanto a sua interpretação e aplicação, eles seriam o que se pode chamar de "passado comum" europeu. E essa foi a ferramenta primeva do processo de integração europeu, no que toca à procura de legitimidade dentro das comunidades. Evidente que o crescimento econômico trouxe empregos, e com eles vieram bons salários, e o resto é história. O que vale dizer, em relação ao projeto europeu é que ele não é uniforme; dentro desse espaço humano, as diferenças se fazem sentir. E é no aspecto sócio-econômico que reside um dos principais desafios à integração européia.

Quem quer que analise os índices de crescimento intra-comunitários e as metas fiscais e econômicas estabelecidas por Bruxelas sabe o que vem por aí: a reestruturação das economias mais fracas para que a produção se torne possível. O que as autoridades comunitárias estão afirmando é que será preciso reduzir cada vez mais os custos sociais do trabalho nos países semi-periférios europeus - para torná-los tão atrativos quanto os países semi-periféricos não-comunitários. A situação dos europeus não poderia ser mais caricata. O seu espaço de diferenças está se tornando um espaço de desigualdades entre os países comunitários - ou de uma "igualdade às avessas", quando comparados os países pobres do Sul com os pobres do Norte. Mas a realidade é mesmo assim. Quando os founding fathers europeus estabeleceram o projeto de império europeu, eles omitiram um fato simples: a continuidade da competição entre os Estados. E nesse aspecto, a "maquiagem" sobreposta no rosto da U.E. veio através da ajuda financeira às regiões menos prósperas - com prazo de validade já vencido.

É por essas e por outras que fracassaram as iniciativas democráticas de aprovação da Constituição da União Européia. Agora, não se fala mais em referendum; em alguns países, a adoção do projeto de Constituição não passará pelo crivo popular. E o recado dado pela Comissão foi claro: ou se está dentro, ou... auf wiedersehen, au revoir.

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