Preliminarmente, pode-se dizer que o "Processo de Bolonha" é um projeto de harmonização dos sistemas de ensino superior dos Estados-membros da União Européia. O que se deve dizer depois disso é que, assim como as outras áreas sociais da UE, esse projeto também representa um grande desafio político às autoridades comunitárias e nacionais. Porém, o que me chamou atenção não foram as questões políticas da questão, mas as práticas e seus efeitos imediatos no corpo discente das universidades européias.
É evidente que no primeiro momento, os alunos surpreendidos pelas alterações tenham ficado inseguros, diante não só da pouca informação acerca das mudanças mas, também, cobertos de incertezas diante de um projeto obscuro e do qual não se poderia obter uma previsão concreta quanto aos resultados dessa harmonização. Os protestos ecoaram nas principais e mais tradicionais universidades sem, entretanto, conseguirem obstar as mudanças que já estavam nas agendas de reitores e ministros de educação europeus já havia algum tempo.
Do ponto de vista operacional, o "Processo de Bolonha" foi um desastre: nos programas de doutoramento e mestrado, por exemplo, os alunos que não pertenciam aos centros de pesquisa das faculdades que ingressavam na pós-graduação viam-se excluídos de contato com os professores orientadores, vez que estes últimos já estavam comprometidos com os projetos de pesquisa anteriores a esses novos cursos. Além desse descompasso entre a oferta de vagas nos cursos de pós-graduação e o efetivo ensino/pesquisa, a falta de investimentos públicos no ensino superior transformaram esses cursos de pós-graduação em verdadeiras fontes de recursos financeiros às faculdades e centros de pesquisas que, ao invés de formar novos pesquisadores, passaram a aprovar cursos no modelo "curso de verão", isto é, sem a absorção de novos pesquisadores e sem a devida orientação aos alunos.
Na graduação a situação não é diferente. Com professores sobrecarregados e diante dos desafios de manutenção dos cursos e das folhas de pagamento de professores e funcionários, a qualidade do ensino é a primeira a decair. Depois, a reestruturação dos currículos e a obrigatoriedade dos estágios condicionam não só a entrada dos graduados no mercado de trabalho, mas a despenalização das famílias que vêem-se cada vez mais endividadas perante as exorbitantes propinas cobradas no valor anual dos cursos.
Esse desmonte do ensino superior é mais uma das conseqüências de um processo muito mais amplo de reformulação das funções do Estado. Quanto mais a UE migra em direção às diretrizes do Consenso de Washington e das orientações micro-econômicas da OCDE, menos o Social ocupa a agenda tanto em nível supranacional, quanto em nível nacional. Todas essas mudanças não causam a menor surpresa a qualquer brasileiro, visto que nos anos de 1990 nós pudemos assistir a essa reestruturação do "mercado de ensino" e o consequente emergir de centenas de instituições de ensino superior privadas - surgidas da completa incapacidade do Estado em subverter ou se opor às diretivas econômicas supra citadas.
É de lamentar o fato de que a UE tenta transformar o sistema de ensino europeu num verdadeiro mercado de ensino: é recorrer à venda de diplomas em atacado. Não parece que o funcionamento desse tal novo modelo encontre simetria com o projeto de se criar uma Sociedade do Conhecimento no espaço europeu. Nesse caso, os europeus terão que se contentar com uma Sociedade da Informação - cada vez mais acrítica e mecânica na reprodução da dados.
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