sábado, 7 de fevereiro de 2009

Trabalho com dignidade: commodity escassa

Um dos problemas mais sensíveis da humanidade é o da relação de trabalho. Seja porque o trabalho é necessário à manutenção da vida - a luta pela vida -, seja porque persiste a idéia de que alguns poucos tem o direito de sobreviver às custas de muitos -- dinâmica exploradores e explorados --, as teorias e os conceitos sociais acerca do mundo laboral são dos mais complexos e controversos que existem nas "ciências" sociais humanas.

De fato, um dos problemas mais profundos em torno dessas questões de categorias e contextos é também o mais difícil de encontrar resolução: a questão ideológica. Por isso, diversos autores de correntes diversas (Zyzek, Habbermas, Boaventura, Giddens, Castells, para citar alguns) levantam a problemática da ideologia na construção das "ciências" sociais e humanas, porque é exatamente nesse campo de batalha que as práticas sociais são justificadas e, também, são coroadas estas ou aquelas formas de regulamentação social. Para completar essa panóplia, estão duas ferramentas elementares: o caráter auto-biográfico dessas ditas "ciências" e o não menos importante aspecto auto-referencial. Esse círculo vicioso encerra em suas fronteiras toda forma de apelo popular e democrático que se encontra além das fronteiras anti-democráticas da Academia (ou das universidades, como queiram).


Por isso, o conceito de trabalho digno permanece vazio de conteúdo axiológico: o vácuo conceitual é incapaz de oferecer qualquer solução valorativa que esteja de fora da dinâmica auto-referencial e auto-biográfica. Talvez seja por isso que um dos apelos mais dramáticos à proteção dos direitos humanos do trabalho seja a questão da cultura laboral. Mas até nesse âmbito encontra-se uma questão incontornável: a exploração entre classes sociais também é um dado histórico-cultural, e a dinámica inter-classes também surge como um fator determinante e náo apenas como construto social, no qual se justificam uma série de direitos (protetores de privilégios) sobre os bens de produção de riquezas, que amparam a continuidade dessas relações sociais, tais como o direito à herança, às situações de oligopólios e cartéis, para não citar o elementar e quase sagrado direito à propriedade privada dos meios de produção.

Nesse contexto de uma constante apropriação e privatização de todos os espaços aonde ocorre a vida (e a vida social), o trabalho humano se afirma cada vez mais como uma mercadoria. O exemplo mais vivo disso são os contratos de terceirização de mão-de-obra e os deslocamentos, quando os trabalhadores de uma empresa são cedidos e trabalham subordinados à administradores de empresas que mantém contratos de serviços com os reais empregadores da mão-de-obra. Outro exemplo das distorções que ocorrem na prestação do trabalho e que afetam a segurança dos trabalhadores são os chamados trabalhadores autônomos falseados, quer dizer, pessoas que estão sujeitas às características que determinam uma relação laboral, mas que executam suas atividades ao desamparo das normas jurídicas aplicáveis ao caso.

Contudo, observe-se que estamos a discutir as situações exuberantes, isto é, os mercados de trabalho aonde não são tolerados os casos de escravidão e servidão. Mesmo que essas distorções existam, os ordenamentos jurídicos desses mercados ainda conseguem punir e tornar clandestino e pouco rentável a sua existência, pela criminalização dos grupos que reduzem pessoas humanas à condição desumana da subserviência absoluta.

Entretanto, uma das preocupações mais sérias - mas que ainda não obteve nenhuma resposta à altura de sua complexidade - é saber o que acontecerá com os direitos sociais diante da globalização do sistema mundo de produção capitalista? Essa pergunta não é simples ferramenta retórica. Ela demonstra que os mercados de trabalho mais regulamentados têm seus níveis de competitividade econômica abalados pelo deslocamento da produção aos países com menor proteção social e, consequentemente, menores custos produtivos. Se esses mercados são standards (paradigmas) de proteção social, é possível e lógico de se supor que haverá uma corrida pela desregulamentação dos direitos sociais tantos nos países ricos, quanto nos países pobres (já possuidores de menores níveis de proteção social).

Todavia, essa corrida pela desregulamentação arruinará o direito dos trabalhadores, mas é uma WIN-WIN situation para os grandes capitalistas, principalmente para as multinacionais. Isso porque a deslocalização de empresas e da produção são praticas da indústria. Em outras palavras, o que quer que requeira um aumento de competitividade, em última análise, ganha o capital (pela manutenção e aumento do lucro) e perde o trabalhador (porque diminui seu poder de compra e sua capacidade de reprodução e sobrevivência). Ainda, não é prudente esquecer que os trabalhadores investem na especialização e no aprimoramento de novas formas de produção, visto que cada vez mais os investimentos em aprendizado e inovação partem da classe trabalhadora -- vez que o Estado não é mais garantidor da educação de nível superior.

Portanto, é possível concluir que estamos diante de um movimento pela (neo)liberalização dos direitos sociais. A curto prazo, essa corrida garantirá o consumo interno e a circulação de riquezas. Mas a médio e longo prazo, em toda situação de crise de sobre-produção e de especulação financeira, as populações não terão o suporte de seguridade estatal a garantir a manutenção mínima da dignidade material que antes era proporcionada pelas contrapartidas assistenciais do Estado (pagas com recursos tributários e fiscais). Foi por isso que algumas economias emergentes, como o Brasil, adotaram sistemas previdenciários e de assistência social com receitas diversas e, do ponto de vista da seguridade social, estipularam a contribuição patronal como suplementar à do trabalhador, na manutenção de fundos e caixas de apoio ao trabalhador desempregado e aposentado.

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Todos os países sofrem com a recessão. Enquanto isso, em Mônaco e Andorra...

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

A exuberante e inevitável flexigurança

Desde o final dos anos 1990s, juslaboralistas de quase todo o planeta têm discutido as novas reformas normativas que regem os contratos de trabalho. Apesar de haver uma evidente clivagem entre duas grandes correntes antagônicas acerca da flexibilidade e da segurança da relação contratual, uma terceira via desponta no horizonte: a da flexigurança européia. Isso significa que os atuais trabalhos das comissões sobre emprego e segurança social nos países membros da UE procuram articular um novo modelo de proteção social que consiga equilibrar a facilidade do despedimento e contratação com algumas regras assistencialistas e de seguridade social.

Nesse contexto, a Comissão Européia é a autoridade com maior ânimo de encaminhar a proposta de flexigurança e o desmonte dos direitos laborais dos trabalhadores comunitários. Os trabalhos desse órgão comunitário são facilitados por razão de dois fatores decivos: pela concentração do processo legislativo na “capital” da União e pelo tecnicismo aplicado no processo decisório. Em ambos os casos, os cidadãos vêem-se excluídos da elaboração desse novo modelo. Primeiro, porque o distanciamento físico entre o centro de Poder e o cidadão é um claro empecílio à efetiva participação democrática. Segundo, porque os parâmetros que são aplicados na decisão jurídico-política não oferecem espaço de manobra para a inclusão de novas propostas – a mudança é um imperativo categórico (faça isso). Finalmente, porque esse deficit democrático aumenta pela falta de mecanismos jurídicos efetivos do controle de constitucionalidade das decisões dos órgãos comunitários.


Contudo, deve-se dizer que todo processo legislativo encontra por mote principal o apoio ou repúdio da opinião pública. Mesmo que a atual configuração do sistema de representação democrática esteja centrada em decisões de caráter técnico jurídico-econômico, o protesto social tem alcançado alguns canais de comunicação social para protestar contra as mudanças propostas por Bruxelas, atrasando o retrocesso legislativo ali proposto.

Mas existem entraves a serem considerados nessa resistência popular. O primeiro deles é o processo histórico em si. A preservação dos costumes e, dentre eles, a da luta contra a opressão do capital é uma dinâmica sujeita à persistência do conflito. Isso quer dizer que quando há o apasiguamento da relação conflituosa, as partes envolvidas voltam a um estado pacífico de co-existência e de continuidade do suposto/imaginário “contrato social”. O maior exemplo desse retrocesso ao status quo ante é o Estado de Bem Estar Social (ou Estado Providência), que foi uma reconfiguração do Estado Liberal em função de forças internas (pressão da classe trabalhadora) e externas (revoluções sociais no Leste Europeu, com a expansão do Império Comunista russo). Superadas essas duas forças, seja pela situação de conforto gerada pelas novas formas de proteção da relação contratual ou pela interferência do Estado na Economia, seja pelo fim da União das Repúblicas Socialistas Soviética (URSS), fica também superada a idéia de estado protetor e volta o Estado (neo)Liberal.

Encontrando o espaço e as condições propícias a essas mudanças, a Comissão Européia faz avançar a proposta de flexigurança, vendida em doses homeopáticas com ajuda do sinismo da terceira via – a falsa esquerda européia do estilo New Labour de Tonny Blair. Sobre isso, é preciso compreender que os autores dessa proposta surgem diante de uma platéia apática, já desacostumada ao protesto social: os jovens europeus. A conjugação desses dois atores coloca em cheque a posição defensiva dos trabalhadores – ou população economicamente ativa que exerce trabalho remunerado por conta de outrem, ou os insiders –, fragilizando o processo de contestação social pela falta de apoio popular ao movimento sindical.

Portanto, pode-se dizer que a geração yuppie que assume o poder nos anos 1990s carrega os valores liberais adiante, apoiados pela idéia de deslocamento do conflito capital e trabalho para o eixo insiders e outsiders. Dessa forma, a propaganda que repercurte na opinião pública é que a manutenção dos atuais níveis de proteção social ameaçam a juventude européia – profundamente comprometida com um mercado de consumo intensivo.