terça-feira, 27 de setembro de 2005

Parar para (re)pensar o Brasil

O silêncio das últimas semanas foi necessário para uma reflexão sobre o que vem ocorrendo em nosso País. Os fatos são claros, mas o mundo das aparências é apenas uma imagem daquilo que ocorre realmente e conhecer a realidade exige uma abstração de nossa própria atuação enquanto "ser-agente". Contemplar sem paixões. Impossível tarefa, uma vez que admito ser quase impossível não traçar o mínimo comentário sem impregnar o texto de interesse (paixão) por aquilo que acredito...

A crise está instaurada: a sociedade e todos os seus ideais estão sendo vítimas de um vilipêndio que remonta ao caos. Mas, convém perguntar: o que motiva toda esta enxurrada de denúncias de corrupção, falência das instituições, desconfiança generalizada...? O que está por trás disto tudo? Ora, a resposta a isso não é tão simples como pode parecer. Temos que olhar para o âmago, para a origem desses problemas, porque eles são apenas as conseqüências visíveis de algo muito maior; a semente disto tudo que vem nos impressionando, dia a dia, não é o problema em si, mas a conclusão de um engendrado desequilíbrio social. E esse desequilíbrio não é causado pela "política" - é, antes de tudo, originado pela falência do ser político-social brasileiro: o cidadão.


Com efeito, a democracia é uma idéia antiga, mas seu ressurgimento (depois dos séculos de trevas do período medieval) é muito recente, podendo mesmo se afirmar que provém do Iluminismo e do fim do Absolutismo, com o surgimento, portanto, do Capitalismo e do poder burguês [É interessante observar que a democracia no Brasil tem apenas 17 anos (!), com a República de 1988]. Não haverá aqui qualquer menção a fatores econômicos - não é a isto que estamos dispostos aqui a discutir. Queremos ir além. Queremos chegar à idéia básica na qual repousa a noção de que "a soberania ao povo pertence" e, portanto, o poder de autodeterminação e autonomia enquanto nação. Pois bem, se compete ao cidadão exercer o controle do seu destino por meio da liberdade, seria muito natural deduzir que a situação de todos os povos é conseqüência dos ideais eleitos pela maioria (ou pela coletividade, o que dá quase no mesmo). Então, é necessário além de um pacto anterior ao nascimento das regras sociais, um conjunto de objetivos a serem alcançados por essa sociedade democrática (mesmo que seja um corpo social hipotético). Assim, na busca de sua felicidade, ou mesmo não de uma felicidade (o termo é muito genérico), mas na busca de uma ordem mínima qualquer, o cidadão vai eleger os meios dos quais se utilizará para atingir seus objetivos. Senão vejamos. Uma nação independente escolhe seus governantes (na democracia), que os representarão na institucionalização do Poder (Estado), para atingir o fim do Bem Coletivo (princípio básico dos ordenamentos jurídicos democráticos) e esse "bem" não é necessariamente uma "felicidade" ou um estado de "bem estar", porque pode exigir da sociedade sacrifícios - nada mais natural.

Contudo, exigir sacrifícios impõe uma contraprestação e esta se resume na própria garantia de estabilidade e de paz que é entregue a esta sociedade por meio das leis e do Direito, além da própria realização de uma justiça - estão aí jusnaturalistas e positivistas que podem concordar com estas idéias. A discussão, também não gira em torno das teorias do Estado ou do Direito. É puramente uma discussão sobre a moral e a razão. Não parece racional (e aí usamos o termo de uma maneira mais livre) que o cidadão brasileiro possa suportar sacrifícios quando vê a impunidade, o descontrole e o despotismo reinarem de maneira absoluta dentro da sociedade em que estão inseridos - visão esta conseguida com a ajuda dos meios de comunicação em massa. O quê o cidadão comum sente é que não existem parâmetros ou controles sobre os representantes do Poder e não só dos representantes, mas também daqueles que são "letrados" e daqueles outros que aplicam a lei ao caso concreto... Os exemplos estão aí; não é mais "à boca pequena" que correm os escândalos de abuso de autoridade e corrupção no Estado - é tudo levado à hora do almoço, ou à hora do jantar, para os trabalhadores e suas famílias que se sentam à beira da televisão para se alimentar (de uma comida cara e de qualidade duvidosa). Qual é, então, a conclusão que estas pessoas chegam? Que não há respeito por nada, nem por ninguém e que "otário" é quem se preocupa com coisas ultrapassadas, por exemplo, honestidade, boa educação e conduta adequada (ética). Assim, desde pequenos, nossos jovens e crianças estão sendo "educados" com base nas premissas de injustiça e desonestidade, o que representa o descaminho de toda uma geração de brasileiros. Nem mesmo as coisas mais "sagradas" para um brasileiro, paixão que o identifica em qualquer lugar do mundo, estão a salvo desse massacre ideológico: futebol (corrupção), carnaval (crimes sexuais, drogas, etc.). O que há de errado? O que há de errado é que, pelo próprio fato da impunidade ser fator de admiração do espectador ao infrator (exemplo do deputado cantor, envolvido nos escândalos da CPI dos Correios), o cidadão e toda a sua família estão sendo subjugados por uma inversão completa de valores.

Mas esta "planta" não brotou de uma hora para a outra; foi trabalho árduo de uma elite que se perpetuou (ainda se perpetua?) no poder durante décadas! Essa mesma elite que proibiu o ensino de Filosofia, Moral e Cívica e Cidadania nas escolas, que instituiu uma censura que até hoje perdura, que veicula somente as informações que julgam convenientes e, (pasmem) mesmo à "classe dos letrados" sonega informações históricas da formação do pensamento moderno e dos atuais paradigmas das civilizações economicamente mais poderosas. É tudo uma questão de controle: controle social. É bem natural que o povo eleja os seus valores, mas deve elegê-los mediante a experiência, o conhecimento, o saber; num País aonde não há educação, não há zelo pela coisa pública ou mesmo patriotismo (que hoje parece uma palavra tão vulgar...), nunca haverá espaço para o nascimento de uma "civilização" (neste caso, oposto de barbárie). E é no País da barbárie que estamos todos, agora, submersos, porque não há mais entre nós os valores que julgávamos possuir (e que nos foram tirados, aos poucos): igualdade, dignidade, fraternidade, solidariedade. Num ambiente de corrupção desmedida, todos esses valores são absolutamente irrealizáveis. E coitado daquele que se insurgir contra isso: ou é "doido", ou não conseguiu "meter as mãos na cumbuca"!

Qual é o papel das nossas instituições? Quem é o responsável pela formação dos cidadãos? Qual será o remédio para conter os abusos dos indivíduos mal intencionados frente àqueles que assumiram (ou melhor, ainda teimam em assumir) um compromisso com a seriedade? Como é que vamos educar pessoas que não têm ideais voltados à sociedade (que vivem num individualismo exacerbado e corrupto!)? Sim, individualismo corrupto. Porque existem países no mundo onde impera o individualismo, mas essa conduta diz respeito apenas à liberdade na autodeterminação do destino pessoal, nunca uma imposição dos interesses individuais de encontro aos coletivos; o indivíduo é considerado e respeitado, e executa um sacrifício pessoal para a realização do Bem Coletivo, que assegura a própria manutenção de sua Nação - povos que têm orgulho de sua História e suas tradições e costumes defendem a sua Cultura, contando com a participação individual - cidadão, neste caso, é um dos guardiões do presente do Estado.

E por falar em presente, ser um "País do futuro" não traz nenhum benefício aos que dele dependem. Mas, atenção: nós dependemos tanto do nosso País como ele de nós. Não há Estado sem povo, mas pode haver Estado sem cidadão e o passado confirma categoricamente esta idéia (veja-se o exemplo da dominação romana sobre os povos europeus). É exatamente por isto que não temos um tempo presente saudável: não temos memória e isto quer significar que não nos conhecemos enquanto Nação e, enquanto isso não acontecer, o futuro nunca chegará.

Temos que (re)educar o nosso povo... ou educá-lo finalmente.