quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Direitos do feto?

Qual a extensão do direito à vida? O conjunto de células iniciais nas primeiras semanas de gravidez estão albergadas por este conceito de "direito à vida"? Em caso afirmativo, as células de proveta, nos laboratórios, também estão assim protegidas? Qual é a finalidade da defesa da vida: a vida em si ou o indivíduo que dela poderá se formar? Aqui estão alguns desafios e questionamentos aos autores da bioética.

Recentemente, pesquisadores e médicos britânicos defenderam a tese da insustentabilidade da vida de fetos com menos de 23 semanas e, portanto, a abstenção de cuidados com aqueles que não tenham atingido tal período de existência - com a anuência dos pais. De outro lado, a Corte portuguesa autorizou o referendum sobre o aborto em Portugal - país de maioria católica, no qual dificilmente essa medida seria aprovada. Em ambos os casos, estamos diante do direito objetivo à vida. Até que ponto esse direito deve ser buscado e defendido?


Do ponto de vista prático e por uma questão de natureza jurídico-cultural, o ser humano é considerado titular de direitos no momento que nasce com vida. Porém, esta cultura, no decorrer do século XX, passou a considerar também os direitos do nascituro - como uma reafirmação das regras morais e penais que execram e que punem o aborto. Do ponto de vista filosófico, parece estranho o que se vai aqui afirmar, mas o debate se sobrepõe aos valores - as idéias precisam fluir, para que se legitimem as conclusões. É preciso debater acerca dos direitos à vida e ao patrimônio genético: a defesa da vida abrange não só a vida humana, mas a vida em si, ou seja, todo fenômeno de interação que tenha por unidade elementar o código genético. E questionar-se sobre os direitos do feto é delimitar ainda mais a expressão do direito à vida, adentrando em um interesse da espécie humana.

Preservar a vida é garantir a continuidade do patrimônio genético - objetivo principal de todas as formas de reprodução. Veja a "inteligência" da natureza, ao transformar a reprodução sexuada em atividade prazerosa aos seres - mesmo os insetos arriscam a vida para procriar. Não se fala em continuidade no sentido de perpetuação de apenas um modelo genético, mas na possibilidade de combinações interativas e mutações, que tornam possível a diversidade biológica. O interesse de eficiência não pode se sobrepor ao instinto básico da vida, que é luta pela sobrevivência e "publicação" do patrimônio genético na "livraria da natureza". Essa eficiência econômica e social, buscada na pós-modernidade, deve preservar aquilo que é mais elementar e que, talvez, seja um dos motivos pelo qual a vida em si existe e tornou possível a existência do raciocínio: despertar as mentes daqueles que podem ter suas mentes despertadas à proteção desse conjunto de aminoácidos que, enigmaticamente, insistem em se replicar - desde as bactérias aos grandes mamíferos.

Grosso modo, num caminho inverso, partindo do direito ao aborto ao direito do feto, o que se deveria estar a discutir seria o choque de direitos entre o direito da mãe e o direito do feto. Isso porque a mãe, é indivíduo adulto que tem direitos a serem tutelados, dentre os quais o de livre disposição de seu organismo. O feto, por sua vez, é vida humana que precisa de proteção, também detentor de direito de preservação de seu patrimônio genético. Se a vida é um bem precioso, os recursos econômicos e científicos devem estar voltados à sua preservação e deve ser compromisso da sociedade humana a luta para que toda a diversidade natural seja preservada - ainda mais quando se considera o ser humano enquanto elemento essencial a essa diversidade. Inclusive, para que se considere o que venha a ser um direito individual, deve-se entender que para a existência de indivíduos, necessária se faz a proteção da diversidade étnica existente entre os humanos. Ora, a natureza apresenta algumas soluções inteligentes que deveriam ser copiadas mais repetidamente pela "criatividade" humana.

Quando um projeto natural tem sucesso no meio ambiente, ele consegue perpetuar seu alicerce genético através da reprodução e, em muitos casos, a combinação de códigos entre as espécies e reinos de seres vivos trás resultados surpreendentes quanto à possibilidade de vitória desses projetos - como é o caso dos vírus, que sofrem mutação por absorver seqüências genéticas de células hospedeiras, ou dos seres vivos que co-existem em simbiose e mutualismo. Associar, portanto, desenvolvimento científico com a perpetuação dos códigos genéticos deve ser a preocupação neste século de descobrimentos biológicos.

O feto, ou melhor, o conjunto de células que encontra-se no útero de uma fêmea da espécie humana deve ter a mesma proteção do feto de uma fêmea de urso panda, porque essas mães carregam uma combinação única de DNA que tornam possível a existência de um indivíduo. O direito das mães em não prosseguir com a gravidez deve ser amparado por um método capaz de preservar o código genético daquele embrião. O embrião que encontra-se em poder de um cientista, deve ser preservado para que aquela possibilidade de vida possa um dia se concretizar. Aí estão algumas idéias ao debate.

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