domingo, 29 de julho de 2007

Receita para uma população dócil. PARTE 3: Auto-estima popular.

Numa relação de poder, uma das maneiras de controlar o Outro é manter-lhe a moral em baixa. Então, como manter baixa a auto-estima de uma população? Bem, uma receita deve incluir: um pouco de medo (insegurança), uma miséria que habilite e force a reprodução dos indivíduos (pobreza assistida) e um quadro social que não gere grandes espectativas para o futuro (catástrofe iminente). Qualquer bom ditador sabe que um povo não pode ter orgulho de si, porque torna-se consciencioso e participativo; esse é um perigo que todo governo tenta evitar.

Contudo, somente o medo e a "depressão" popular não bastam. Esse povo precisa sentir-se incapaz de repensar sua vida ou fazer projetos para o futuro. Para garantir a efetividade desse controle, é preciso apagar e reescrever a História, num processo contínuo de criação de um ambiente social pessimista que só favorece às forças reacionárias.


Por isso, desconstruir as bases de uma segurança social é o primeiro passo a dar, com o objetivo de tirar qualquer possibilidade de um futuro melhor à população. Nisso os neo-conservadores já andam bastante adiantados, vez que ao redor do mundo a palavra de ordem é "controle dos gastos sociais". Pode haver até alguma segurança, mas ela nunca poderá ser tanta que deixe espaço para que alguém (o pobre) possa sonhar com um futuro melhor ou uma velhice de tranqüilidade.

Outro passo importante é desmantelar as associações populares (sindicatos, associações de bairro e etc.), tirando-lhes a força de protesto e fazendo com que os indivíduos não tenham mais a quem recorrer. Isso fragiliza os processos de reivindicação social, porque desarticula a capacidade de resistência que reside na coletividade - daí porque o individualismo é uma das "chaves de sucesso" do sistema de produção capitalista.


Como é preciso ir caminhando, outra ação a proceder com maestria é a privatização dos bens e espaços públicos. Não basta desarticular as áreas de recreação, mas, sim, tornar o seu acesso dependente de taxas e tarifas que ajudem na segregação social pela via do poder econômico. Ainda, não podem haver serviços públicos; eles têm que ser rentáveis, lucrativos, para que sua continuidade seja assegurada - e essa garantia só pode ser ofertada pelos particulares, em troca de dinheiro (salários!).

Seguindo "em frente" (ou continuando a dar passos para trás), a informação que deve ser dada ao público diariamente não pode ser outra além da catástrofe. É preciso que a população acredite que não há segurança, que há inimigos por todos os lados, que a violência anda fora de controle... e assim por diante. O governo, então, apela por mais controle, mais repressão, mais vigilância e mais violência estatal, como as únicas ferramentas capazes de conter a violência que "a própria sociedade produz" - é preciso negar o conflito de classes! É preciso esconder a pobreza! É preciso dar um rosto à criminalidade (e colocar alguém da minoria como responsável pelo crime, a despeito de qualquer responsabilidade social na repartição das riquezas!).

É suposto alguém pensar que a população dá-se conta desse processo. Mas não dá. De tão imersos no dia-a-dia, as pessoas vão perdendo a capacidade de refletir sobre o meio informacional que as cerca, e dão legitimidade ao que vêem no ecrã dos televisores e nos jornais. Dando-se conta de que estão "bem informados", os pretensos cidadãos continuam a delegar poderes aos atores governamentais e esperam que eles (os tecnocratas de plantão) possam "dar jeito nessa loucura que anda mundo a fora".

Todos esses fenômenos juntos provocam este sentimento de inutilidade e impotência que nos cerca. Se "sempre houve crise", isso se dá porque nunca houve uma verdadeira mudança; um novo cidadão é preciso, mas está em falta. Uma nova consciência e um novo engajamento são precisos, para que se possa apontar um futuro melhor ou, pelo menos, diferente.
  • Alguns pensamentos, antes de encerrar
Nos últimos meses, temos vindo a refletir acerca da apropriação e uso do Poder social na sociedade contemporânea, tentando enxergar por trás da cortina de demagogia e da fumaça da mentira e dissimulação, para clarificar a noção de Estado de Direito e democracia. Como temos observado, existem algumas "fórmulas" ou práticas conducentes à manutenção do Poder, cujo emprego é efetuado em desapego à qualquer intenção de melhoria das condições de vida das populações.

De fato, o que se pôde constatar é que o exercício do Poder nas sociedades ditas democráticas não condiz com os fundamentos de sua delegação, o que põe em causa a estabilidade do "contrato social" (hipotético) que dirige a submissão do povo ao governo. Quanto à coletividade em si, enquanto agrupamento político, vê-se um descrédito profundo quer em relação aos atuais governantes quer aos futuros. O importante é investigar o por que desse sentimento de incapacidade e as razões para a inércia em que estamos todos inseridos.

Primeiramente, devemos destacar que, em tese, o exercício do Poder deveria se dar em nome e pelo povo; tal não acontece, uma vez que, desde a instituição do Estado, não verificamos qualquer mudança na lógica da dominação (de uma minoria sobre uma maioria); a reprodução do modelo de exploração vem se repetindo ao longo dos tempos, sem ser possível determinarmos um período histórico em que houve uma real e profunda emancipação social que não tenha sofrido algum revés diante dos estratagemas arquitetados no sentido de manter as populações ignorantes e sob controle, além de alienadas da propriedade das riquezas materiais (infraestrutura). Em segundo lugar, os apelos à "natureza humana" sempre foram elaborados com o intuito de promover uma quantificação da violência a ser empregada na defesa dos interesses minoritários, isto é, para proteger os interesses das classes que detém o real poder social (riquezas materiais), posto que o poder imaginário ou abstrato pertenceria ao "povo". Em terceiro lugar, é preciso que digamos que a categoria "povo" é uma outra abstração (jurídico-política e, portanto, simbólica) à disposição das elites para melhor "orientar" as ações governamentais, porque ela limita a real participação das pessoas que habitam um determinado território; isso se dá de várias formas, porque opera-se uma delimitação das pessoas aptas quer a participar dos processos decisórios quer a se constituir como sujeitos de direitos, através dos instrumentos normativos que compõe a superestrutura social (leis). Por fim, outros aparelhos e pequenos grupos sociais unem-se aos sucessivos governos para repartir uma pequena parcela de controle sobre os bens materiais, compondo a bem orquestrada sociedade; aqui, aparecem as instituições "sociais" e suas regras de funcionamento próprio, que se articulam com vista a aumentar o poder de vigilância sobre a massa e ajudar a impor a ordem social (religião, família, ensino e etc.).

Todo esse aparato põe por terra a tese de que o Poder social é exercido com a finalidade do bem comum. Na realidade, o objetivo do Poder social é a aquisição de mais poder, mais submissão e mais controle! Só mesmo o mais ingênuo dos estudiosos pode ser levado a crer numa falácia tão obscura como aquela que discursa em favor da concentração de poderes nas mãos do Estado para a realização dos projetos sociais. O que a observação dos fatos conclui é que o "povo" foi expropriado do Poder social em razão da competição societal que se operou (e opera) pela apropriação da riqueza e das vidas das populações; as contrapartidas que são ofertadas não chegam a se concretizar; há polícia, mas não há segurança; há riqueza, mas não há qualidade de vida nem repartição dessa riqueza; há promessas, mas o que o "povo" recebe são migalhas, restando apenas uma revolta contida num prato semi-vazio.

Nesse cenário não há indícios de uma verdadeira democracia; ela também foi expropriada do "povo", junto com a terra, a água e a liberdade de escolha. O que se processou nas sociedades ocidentais foi uma constante tensão entre interesses de ricos e pobres (soma das duas classes talvez tivesse por resultado a noção de "povo"). A estruturação do "governo da maioria" por meio da representação eletiva deitou por terra (ou sepultou) qualquer possibilidade de um "governo justo", porque criou o "governo dos melhores" (falta definir: "melhores em quê?").

É preciso criar dois apelos: um pela democracia participativa, outro por uma nova definição de "povo" (para daí definir o novo "cidadão" para o século XXI).

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