quarta-feira, 18 de julho de 2012

Vivemos num mundo normatizado

A primeira lição que um jovem estudante de Direito deve entender, quando ingressa no curso, é aquela que nos explica estarmos todos inseridos num mundo de normas. A normatividade exerce a primorosa função de conter os ímpetos, os instintos e os desejos da Sociedade, simplesmente porque pressupõe uma organização prévia à inserção do indivíduo na teia. A causalidade, quer dizer, a simples busca pela origem desse padrão pode ser alcançada através da compreensão do papel das famílias, pois esse parece ser o berço de onde surgiu a padronização de condutas e comportamentos.


De fato, a normatividade nada mais é do que a interferência de um comando na conduta do indivíduo, ou uma orientação que gera uma expectativa sobre qual a melhor maneira de organizar um convívio entre duas ou mais pessoas. Na realidade, essa dupla característica da normatividade - prescrição / descrição -- inicia-se em processos tão elementares como indispensáveis à estabilidade da associação entre pessoas; a linguagem, por exemplo, representa um corpo normativo espetacular, e, talvez, primordial, a gerenciar a interação social -- é a mais elementar das trocas humanas, na qual a estrutura básica emissor-receptor necessita de uma padronização para que a mensagem seja entendida e o resultado seja uma comunicação de sucesso entre dois cérebros. A fala, portanto, é o primeiro elo dessa cadeia normativa tão complexa na qual estamos inseridos.

Mas existe uma cadeia normativa muito mais complexa, que perpassa das mais simples normas de organização familiar, ultrapassando as normas de organização educacional, num processo que adquire complexidade crescente. Esse processo normativo, fruto de uma cultura humana qualquer, inclui a formação de normas técnicas, de organização econômica, religiosas e jurídicas. Há nesse escalonamento um aumento no grau de complexidade, porque do empírico até o moral, os critérios de justificação das normas passam a depender da adesão dos indivíduos à observância do preceito contido na norma que orienta a ação. Ainda, os centros produtores dessas normas podem ser flexíveis, pouco flexíveis, ou rígidos, conforme se trate de uma adesão espontânea ditada pela necessidade, pela utilidade, pela fé, ou pelo consenso.

Diante da exposição efetuada no parágrafo anterior, podemos ver que foi seguido um escalonamento que não incluiu a força como um dos elementos subjacentes ao cumprimento das normas. Por que? Simplesmente porque a força não é um critério inerente à normatividade, mas um pressuposto anterior ao surgimento da norma. Talvez seja essa uma das maiores confusões dos teóricos, ao longo dos séculos que, tentando explicar o fenômeno normativo, incluíram na estrutura normativa as ideias de coerção e coação. 

A coerção, aqui entendida como o temor que leva o indivíduo a cumprir o conteúdo da norma -- quer seja ele prescritivo, quer seja descritivo --, nada mais é do que uma reação do indivíduo ao objeto-norma; reação individual que pode não chegar a se constituir diante da norma, haja vista que ela poderá ser recepcionada por completo, sem gerar no ser o medo necessário ao cumprimento do que foi pré-estabelecido, como é o caso da aceitação oriunda da confiança. Assim, a coerção pode ou não existir, e o que não está presente, mas antes é apenas uma possibilidade, não é concreto e não pode ser algo constituinte do real.

A coação, que seria a utilização ou da força física, ou da psíquica, ou de ambas, também não integra a ideia de norma, pois é uma condicionante externa da convivência social: é um dado natural, também exógeno ao conceito de norma. Na realidade, a norma existe para que o ser humano não se utilize da força para exigir um determinado tipo de conduta -- mas isso também não impede que a norma contenha uma autorização para o seu emprego, tanto que se tem, no Direito, o cumprimento forçado da sanção, como forma de demonstrar a obrigatoriedade da norma àqueles que simplesmente não aderiram espontaneamente ao seu cumprimento, fazendo-se valer o conteúdo normativo por meio da violência institucionalizada.

Portanto, o entendimento aqui exposto é o de que vivemos num mundo normatizado para que não nos utilizemos da violência para garantir qualquer ordem ou organização social. Deve-se pensar na norma como um instrumento, uma ferramenta à disposição dos processos de interação social. Porém, se as normas são utilizadas com o objetivo de garantir a opressão de uns sobre os outros -- que é o que tem sido feito desde sempre --, aí não se trata de uma questão relacionada à estrutura das normas, mas diretamente ligado ao uso que os seres humanos fazem dos objetos e coisas que cria.

2 comentários:

  1. Praxas, lembrei perfeitamente do meu primeiro semestre de Direito e de suas aulas (primeiras palavras: [...] vocês não vão atravessar paredes ou levantar carros, mas podem fazer grande diferença na sociedade se entenderem a origem e aplicação das normas [...] - Antônio Torquilho Praxedes - 2010.1 K37 - UNIFOR). Em relação ao uso da força na criação das normas, como elemento que a antecede, pode fazer algum comentário sobre essa FORÇA e as NORMAS antes da "democracia" atual? Abraço, Rodrigo Fontenele.

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  2. Rodrigo, eu elaborei este pequeno fragmento, para tentar responder à sua pergunta: http://lobofrontal.blogspot.com/2013/02/direito-e-forca.html.
    Espero que você goste.
    Abraços.
    A.T.P.

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