sexta-feira, 29 de setembro de 2006

A Era do Byte

O acesso à informação. Um dos mais polêmicos assuntos da atualidade, pois traz consigo diversas temáticas, envolvendo pesquisadores das mais diversas áreas, no sentido de definir quais são as principais questões ou as mais importantes a serem tratadas neste tema. Pode-se perguntar: "a que informação?", ou "em que intensidade?", ou "de que forma a informação deve ser passada?", ou "existem informações inúteis?". O que é relevante discutir? Qual pode ser o âmbito em que essa questão deverá ser tratada?

O direito à informação parece estar ligado a um aspecto relevante da vida humana: o desenvolvimento da personalidade. É exatamente este atributo, a personalidade, que define a individualidade de cada humano. Ao contrário de outras espécies, que não têm a possibilidade de se comunicar (pelo menos conosco - isto não revela um antropocentrismo?), os seres humanos desenvolveram essa faculdade de várias maneiras, sendo a mais atual esta: a digital. Vive-se na Era da Informação, da Era da Supervelocidade, o tempo dos bytes, dos bits, da Internet, dos chats (todos termos "informáticos", que foram "furtados" do inglês, nos jargões utilizados pelos primeiros geeks do planeta). Criou-se uma nova cultura, na verdade, uma contra-cultura, pois o cultivo agora é o de idéias em massa, em lavouras globais, que ultrapassam todas as fronteiras conhecidas, vencendo a arbitrariedade de governos ditatoriais e lutando contra o poder selvagem do capital, ou submetendo-se a tudo isso, louvando-se a tecnologia da manipulação ...

Chamem-na como quiserem, Era disso ou Era daquilo; o quê convém ressaltar é que, esse novo movimento social tem uma dinâmica própria, trouxe consigo novas forma de trabalho e aprendizado, colocou em xeque toda a estrutura arcaica da imprensa e consegue, melhor que outra invenção qualquer, desenvolver seu próprio caminho criativo de sobrevivência. Bem, é sabido que o sistema econômico é refém desta "coisa", desse "bem" imaterial. A contrario sensu, pode-se cogitar que sem a superestrutura econômica, estas palavras não estariam aqui digitadas. Mas o poder por trás dessa idéia não está associado apenas ao vil metal; está plenamente associado às capacidades e necessidades humanas de deixar registrado momentos, histórias, memórias ... que fez desta raça a única capaz de deixar marcas conscientes, gravadas, registradas na natureza - a par da capacidade dos animais de marcar seu território com urina, para defender a caça. O objetivo da espécie é outro: influenciar de maneira criativa as gerações seguintes, fazê-las refutar as idéias do passado e criar novas formas de pensar, ou engesar o pensamento humano - conforme sejam os "bons ventos". E, com a ajuda desta "coisa", está-se a fazer grandes progressos, nas mais diferentes áreas do saber e das atitudes humanas.

É um desafio falar da informação. A linguagem e toda a sua estrutura lógica são a única saída capaz de entregar ao ser racional a chave que abre as portas da consciência, do pensar, da verdadeira liberdade. Se um dia se tentou caracterizar a liberdade, o mais próximo que se deve ter chegado dessa "quase impossível" tarefa foi falar na faculdade de expressar pensamentos de forma autônoma, deixando vir à tona o verdadeiro eu. Se existe um caminho para a liberdade, não se deve determiná-lo, pois tudo o que é determinado, se já não pressupõe um ser (sein), indica pelo menos um dever ser (sollen). Melhor falar-se numa curva, numa via de acesso, que pode ser a da libertação por meio da escolha livre das idéias que podem influenciar um indivíduo, a livre busca, o verdadeiro search: a Internet livre. Absurdo devendê-la livre, pois o seu alimento principal provém dos investimentos massivos em tecnologia de ponta, de vultuosas somas de dinheiro que tornam possível a co-existência dos cidadãos no mundo virtual. Mas, ressalte-se que, a comunidade virtual paga impostos, têm empregos, também são investidores, adquirem produtos e fazem funcionar essa mesma estrutura que movimenta o tráfego de informações na world wide web.

Estar conectado faz parte da nova ordem global: no trabalho e no lazer, na pesquisa e nas conversas, nas video-conferências e nas salas de bate-papo. A Internet(e) conseguiu aceitação do público porque ela sempre existiu na humanidade, escondida sob o firewall dos sonhos das pessoas que imaginavam um mundo sem fronteiras, sem censuras, com menos ignorância e dogmas. Ela era já a revista em preto e branco das garotas de maiô que alimentava a libido dos senhores maduros e carrancudos de hoje. Ela era o livro proibido que foi queimado pelo Reich. É claro que ela também era o livro de torturas da Inquisição, o "Mein Kempf" do ditador suicida, o manual do Unabomber, as pregações de Tim Jones e as promessas de ódio dos fundamentalistas reprimidos. Ela representa o indivíduo, em todos os seus aspectos, pois foi criada pelo hommo sappiens sappiens, essa curiosa espécie animal que tem o dom de transformar coisas naturais em anti-naturais, que consegue subverter a ordem natural e fazer o Sol brilhar na Terra para eliminar toda uma civilização. Essa criatura capaz das coisas mais belas as mais horrendas, capaz de amar e odiar. Falar da era do byte é dizer que o homem está mudando, se transformando numa nova "criatura". A nova sociedade política "internética" modificada pelo paradigma trazido pelos bytes contra os livros dos séculos passados; ela se revolta contra a fotografia no passaporte e contra o nome na certidão de nascimento, pois cada um pode adotar uma identidade virtual - que muitas vezes pode expressar a imagem daquilo que a pessoa guarda em relação à ela mesma. Confuso, não? Eis a busca, eis a questão.

A informação... a dúvida. Enquanto houver perguntas, o ser irá continuar sua jornada ao desconhecido, porque parece ser a própria dúvida sobre os "porquês" a mola que movimenta a existência. Quando se parar de se perguntar "porquê", então, a Era da informação e do byte terá chegado ao fim - ou quando não for mais possível produzir energia elétrica ... mas isso é outra conversa.
Publicado por A.T.P.

sábado, 16 de setembro de 2006

"Risks", by Commonplace Blogs.

Though caution and common sense are certainly important, sometimes a risk is called for.
If you laugh, you risk appearing a fool.
If you weep, you risk appearing sentimental.
Reaching out for another is risking involvement.
Exposing feelings is risking revealing your true self.
Placing your ideas, your dreams, before a crowd is risking rejection.
Loving is risking not being loved in return.
Living itself carries with it the risk of dying.
Hoping is risking disappointment.
Trying is risking failure.
Nevertheless, risks must be taken, because the greatest hazard, pitfall, and danger in life is to risk nothing. If a person risks nothing, does nothing, has nothing, that person become nothing. He may avoid present suffering and sorrow, but he will not learn, feel, change, grow, love, or live. Chained by his fear, he is a slave who has forfeited his freedom. Only that person who dares, who risks, is free.
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Disponível em http://16harbin.blogspot.com/2006/09/though-caution-and-common-sense-are.html.

terça-feira, 12 de setembro de 2006

Procura-se uma nova ordem moral (!)

Ser honesto é um desafio; de nada vale conhecer as regras de conduta social e não exercitá-las. Vencer o alter ego, driblar os impulsos, aceitar a derrota e, ainda assim, tentar afirmar-se enquanto indivíduo pacato, ordeiro, dócil enfim. O ser humano, criatura essencialmente livre, tem uma esfera de privacidade que dita o seu próprio caráter, que o diferencia dos outros humanos pelo critério da personalidade. A personalidade é algo tão sublime que foi objeto da tutela jurídica – em diversos ordenamentos jurídicos estatais. Mas, se o ser é racional e livre, o que faz dos homens e mulheres criaturas honestas?

Ser digno ou, em outras palavras, exercer a dignidade significa poder atuar neste mundo por meio da liberdade. Mas não é possível comportar-se de forma completamente livre, daí ser a liberdade tutelada em nome do convívio social; se o humano puder fazer o quê quiser, a sociedade poderia ficar à mercê dos mais absurdos abusos. A origem das normas sociais está intrinsecamente ligada à necessidade de limitar o agir das pessoas, uma vez que tais normas impõem condutas e, em alguns casos, também determinam “castigos” pela inobservância dessas mesmas normas. Assim, desde as sociedades mais primitivas até as mais complexas, existem diversos graus de organização social por meio de normas de conduta; os indivíduos elaboram, por razão da convivência, alguns preceitos normativos que organizam a sua vida em comum. 

Um bom exemplo é trazido pela literatura, com a história de Robinson Crusoe, homem que vive numa ilha deserta, sem normas sociais, até a aparição do nativo Sexta-feira: quando entra em contato com o novo habitante da ilha, o francês tenta, a todo custo, convencê-lo a viver sob as mesmas regras de conduta de sua pátria, inclusive catequizando o “selvagem”. Porém, à primeira oportunidade, Sexta-feira retorna à sua esfera de intimidade e rebela-se contra as “novas tradições” do europeu, quebrando o pacto estabelecido com o seu vizinho e comparsa, pois elas divergem daquelas em que o silvícola havia sido criado. Ou seja, para ser honesto, Sexta-feira precisou deixar de ser sincero. Do latim sincere, o termo em questão significa, grosso modo, sem cera, sem máscara, e vem do hábito de escultores que, no Período Clássico, se negavam a remendar suas esculturas de mármore com cera – negando a aparência em função da essência, destruíam suas esculturas imperfeitas e recomeçavam todo seu trabalho, sem esconder suas imperfeições com cera. "Sexta-feira não era honesto" - seria essa constatação verdadeira? Sinceridade e honestidade divergem entre si?

Então, o que vem realmente a ser a tal honestidade, se ela não se funda apenas nas normas? Como afirmar se o ato praticado pela pessoa foi espontâneo? Sob estes parâmetros, fica muito difícil definir honestidade. Quando se observa a vida ao redor, pode-se constatar que esta abstração "honestidade" não encontra, todas às vezes, o mesmo significado na vivência. Argumentam alguns: "o mundo é dos espertos"; nessa frase, está-se afirmando um padrão comportamental, que poderia definir, em grau de acerto, os objetivos de uma sociedade que vive sob valores competitivos. Nestes termos, uma pessoa humilde estaria sendo honesta com a maioria dos "espertos"? Tudo gira em torno da busca de lógica ao comportamento humano. Partindo-se da análise da convivência diária, poder-se-ia fazer algumas conjecturas, do tipo: "estou sendo honesto"? E se o indivíduo verifica que sua honestidade não encontra respaldo nos comportamentos de seus semelhantes? A palavra parece perder afinidade com “aquilo que vai no íntimo” da pessoa, ganhando mais ligações com "aquilo que os outros esperam" da pessoa; há uma separação entre o plano dos sentidos (aquilo que se pode verificar) e o plano das idéias (aquilo que não se pode verificar). A pessoa honesta, mesmo não querendo fazer alguma coisa, faz algo em benefício da coletividade, anulando seus interesses e expectativas próprias por respeitar ou entender que o interesse dos outros é bem mais relevante. Pode-se dizer que, assim fazendo, uma pessoa honesta está traindo a si mesmo?

Pode-se dizer que existe um conflito constante entre sinceridade e honestidade? Ao que tudo indica, não. É tudo uma questão de valores pessoais, que se inscrevem no caráter ao longo do tempo, na formação pessoal de cada um. A pessoa sincera pode ser cínica, encarando a realidade com desprezo; a honesta pode ser hipócrita e viver conforme as “regras do jogo”. Entretanto, essas duas conclusões estão equivocadas e não poderiam servir de critério definidor na busca dos significados de honestidade e sinceridade. Vivendo sob as rédeas do capitalismo selvagem, verifica-se que, ambos, cínicos e hipócritas sujeitam-se à força e à forma pré-estabelecida pela sociedade, através de experiências de vida próprias. Porque é a maioria, o grupo de cínicos e hipócritas pode impor seus valores à pessoa honesta - que vive sob um sistema de exploração cruel - e, eventualmente, conseguir que esta última venha a dissimular suas emoções e convicções, para corresponder à expectativa daqueles que o circundam, deixando de dizer ou fazer o que pensa para poder se inserir na sociedade ou classe social, por exemplo. No contexto anteriormente descrito, o honesto torna-se, por assim dizer, um artista que executa uma performance perante sua audiência; seria, então desonesto se continuasse cumprindo suas obrigações, quando ninguém mais o faz, ou respeitando pessoas que não se dão ao respeito, ou pagando aquilo que deve – muitas vezes, quando a dívida é injusta, o honesto não a questiona ... apenas efetua seu pagamento. No mesmo contexto, o sincero, por sua vez, pode não rebelar-se: nem por meio de atitudes indesejadas, nem mediante a crítica (irônica/sátira) de sua própria realidade. Assim, sinceridade e honestidade integram a honra, sendo critérios de avaliação pessoal; mas são suprimidas na luta pela sobrevivência social.

Eis o "sucesso" da espécie humana no sistema Capitalista: o que torna esta vida em comum possível é a maior ou menor facilidade em ser hipócrita. No Capitalismo neoliberal, hipocrisia e honestidade formam uma unidade (...): daí a afirmação do fim das ideologias. Ora, mas nem só de pão vive o homem. Outrossim, tendo em vista um verdadeiro desenvolvimento humano, melhor seria defender a Honra e decretar o início da Era da Sinceridade. Mas, deve-se ter cuidado: o mundo é dos "honestos".

sábado, 2 de setembro de 2006

"Direito.gov" versus "Orkut.com"

O fantasma democrático é uma entidade imaginária, espectral, que assombra o paradigma democrático ocidental. Esta entidade paranormal habita o imaginário de juristas, filósofos, políticos, jornalistas (...), fazendo com que seus defensores fiquem confusos, muitas vezes, vivendo dois momentos bem distintos: fantasia e realidade. O conceito de democracia é bem amplo, não sendo possível se chegar à uma definição precisa e universal, tendo em vista as diferentes roupagens que o termo recebeu ao longo dos séculos e as dificuldades em se chegar a um consenso.

De vontade geral à vontade da maioria, não se pode precisar muito bem o termo democracia. Ele engloba noções jurídicas, sociológicas e filosóficas, conforme seja estudado sob um prisma formal, prático, ou valorativo, respectivamente. A subjetividade pode muitas vezes contrariar o preceito jurídico, como é tipicamente o caso brasileiro, que institui o sistema democrático representativo, mas não consegue convencer a população da necessidade de ir às urnas e participar do sufrágio universal. Ora, a própria idéia de sufrágio universal não admite a participação de qualquer do povo na escolha dos representantes da democracia indireta - impondo restrições ao sufrágio -, assim como a obrigatoriedade da eleição é um paradoxo do fenômeno político - o não-comparecimento é ou não um posicionamento político?! No meio disto tudo estão, ainda, os elementos jurídicos que, por convenção, integram o conceito de democracia: o princípio da liberdade e seus desdobramentos no sistema político - liberdade de expressão e consciência, liberdade de associação, não-discriminação por motivos ideológicos, concessão de refúgio e asilo político e assim por diante. Esses direitos são "reconhecidamente" democráticos, porque tutelam a liberdade do indivíduo para que ele possa expressar a sua personalidade, vivendo num "espaço de todos" - a sociedade política - com a proteção do Estado e suas instituições. Tudo isso, sem dúvida, muito inspirador.

Entretanto, como nada é de graça e nem tudo é o que parece, se existe restrição ao sistema de participação política, também existem diversas vedações ao âmbito jurídico de concretização da vida em sociedade. O atual modelo de solução de conflitos e controvérsias impôs a criação de Órgãos estatais, sendo entes encarregados de zelar pela ordem pública e social, efetuando os eventuais ajustes aos ilícitos cometidos na teia de relações humanas; um desses Órgãos é o Ministério Público. A bem da verdade, não é só para os pobres e excluídos do mercado de consumo que se destina a atuação do MP; a recente re-ação deste sujeito de Direito Público foi direcionada aos predadores sexuais existentes nas classes média e alta da sociedade brasileira, que usam a Internet para cometer seus crimes contra os costumes e pessoas - diga-se: os pedófilos. Por que se faz tal assertiva discriminatória, quanto à origem desses criminosos? Por um fato muito simples: o acesso à Internet é um marco divisor das classes sociais na sociedade da informação - o acesso e o meio de acesso estão, ainda, inacessíveis à maioria da população. Tanto isto é assim que a notícia do desligamento do "Google.com" ou do "Orkut" assusta muito mais um “classe-mediano” do quê uma pessoa que sobrevive num “campo de concentração”, digo, favela.
  • O que justifica a reação do MP?
Ora, é bem sabido que, para um jurista, somente em casos excepcionais é que pode haver oportunidade para o lirismo. As investigações do Parquet federal têm por objetivo investigar os casos de perfis do “Orkut” que tenham mensagens racistas, pedófilas e fascistas/nazistas, que circulam livremente no no produto da empresa "Google.com". Por questões jurídicas e de ordem material, que envolvem o princípio da territorialidade no Direito Penal e Direito Internacional Público, os agentes públicos brasileiros não conseguem acesso ao banco de dados da empresa norte-americana, o que dificulta as investigações que pretendem identificar esses criminosos que se encontram e praticam esses crimes em território brasileiro. A "filosofia liberal" da empresa "Google.com" protege os interesses privados de seus usuários, por meio da encriptação de dados cadastrais e da recusa de entrega dessas informações às autoridades estatais - o que, sem dúvida, é um princípio filosófico-pragmático da democracia, principalmente se está-se a falar de países como a China ou Cuba, que perseguem seus dissidentes políticos.

Contudo, veja-se que, no caso concreto, objeto da reação do MP, não se trata de direito político, de cunho ideológico, mas de crimes contra os costumes e contra a pessoa. O que diferencia um pedófilo de um "terrorista do ETA"? É propriamente a origem das idéias que cada um defende. No caso do pedófilo, o seu interesse predatório é cometer o crime de estupro/atentado violento ao pudor contra crianças, contra seres humanos em idade impúbere, incapazes de defesa e mentalmente despreparados para o "ato sexual" que aqueles doentes desejam praticar (e praticam!). E o "terrorista do ETA" é um dissidente político, um oprimido que procura a libertação de seu povo – subjugado ao domínio espanhol. A história dos bascos é parte da história da vitória espanhola de conquista, a ferro e fogo, do território da Península Ibérica que hoje se conhece por Espanha. Em relação aos direitos patrimoniais privados da “Google.com”, não se pode dizer que é justo ou totalmente adequado o posicionamento do MP, propugnando pelo fechamento do serviço em território brasileiro. Em tese, pode-se admitir a pretensão do MP, uma vez que amparada pela legalidade. Então, perseguir criminosos não é função precípua de um Promotor? Muito natural que o MP parta às investigações do crime de pedofilia e persiga esses sociopatas com os maiores rigores da lei.
  • Posicionamento jurídico
O ordenamento jurídico, conforme ensina a boa doutrina, é um sistema de normas jurídicas. Nesse sistema, "convive" pacificamente uma diversidade de normas jurídicas, que se destina a regular as condutas humanas em sociedade; essas normas apresentam quatro características fundamentais que as distinguem de outras normas sociais: imperatividade, coerção, sanção e coação. Isso quer dizer que a norma jurídica é heterônoma, imposta pela sociedade, e se torna obrigatória porque visa tutelar a vida dos cidadãos de um determinado Estado. Elas obrigam o cidadão a normas de comportamento que se sobrepõem a todas as outras elaboradas pela sociedade (regras de moral, etiqueta, religiosas, modal e etc.). O ser humano vê-se compelido à obediência por medo (coerção) do castigo (sanção) e, caso desobedeça a norma, poderá ser forçado (coação) a sofrer o castigo. Ainda, convém esclarecer que existem duas espécies de normas jurídicas: as regras jurídicas e os princípios jurídicos; as primeiras determinam ou proíbem condutas, podendo até mesmo ser descritivas, ou seja, não tratando de condutas, mas apenas descrevendo determinadas situações fáticas, essenciais à compreensão de outras normas jurídicas. Já os princípios jurídicos merecem destaque e especial atenção. Os princípios representam idéias valorativas que guiam o jurista à correta interpretação e aplicação das regras jurídicas - é o momento ético-valorativo das normas jurídicas que determinam condutas, servindo de bússolas para a correta interpretação de todo o Direito. São "os mandamentos nucleares" do sistema jurídico (Bandeira de Mello), daí o desrespeito a um princípio sempre ser atentatório ao sistema (totalmente considerado), gerando conseqüências gravosas ao Direito e, consequentemente, ao Estado.

Nesse sistema dinâmico que é o ordenamento jurídico brasileiro, co-habitam dois princípios jurídicos: o princípio da liberdade e o princípio da dignidade. Vez que o ordenamento jurídico é um sistema harmônico de normas jurídicas, tanto a liberdade de expressão como a dignidade da pessoa humana fazem parte desse equilíbrio e ao juiz/jurista compete a tarefa de subsunção que interprete, caso concreto, a melhor aplicação do Direito. Se está-se diante de um caso de Antinomia aparente entre princípios, qual é a melhor solução para a decisão judicial? Conferir o direito aos pedófilos ou nazistas de, livre e anonimamente, expor suas idéias no website de relacionamentos? Zelar pela integridade da sociedade (sua moral e costumes) e proibir o acesso a esse tipo de conteúdo? Aqui surge a necessidade de interpretação desses dois direitos constitucionais. Primeiramente, a Constituição Federal de 1988 estabelece que todos tem o direito de expressar suas idéias; mas a mesma Constituição que atribui o direito, estipula limites para o exercício desse direito, ao dizer que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Ainda, veja-se que um dos princípios fundamentais da República é a defesa e proteção da dignidade humana – fazendo, inclusive, sentença redundante em sua redação, quando lê-se o termo “dignidade da pessoa humana”, no art. 1.º, inciso III. O direito de liberdade de expressão é secundário frente ao princípio da dignidade humana. Somente uma pessoa que é dignamente tratada pode livremente se expressar, pois trata-se de um direito humano fundamental. Este entendimento reforça a idéia supra comentada: o art. 4.º da Constituição estabelece que a República rege-se pelo princípio da prevalência dos direitos humanos! Um direito humano fundamental tem prevalência sobre um direito patrimonial secundário e somente realizável mediante o respeito às normas ético-valorativas. Diga-se, ainda, que não se vislumbra, no presente caso, um conflito entre princípios, não importando na anulação da liberdade de expressão do ordenamento jurídico brasileiro; no caso concreto, o jurista diminui a importância de um determinado princípio, momentaneamente, aplicando um outro que é melhor adequado à situação que lhe é trazida para análise e julgamento.
  • Do desligamento do serviço – uma outra perspectiva
Alguns teóricos ocupam-se em imaginar situações catastróficas, como o fim da liberdade de expressão no País, por meio da medida ora apreciada. Uma avertência, igualmente importante, deve ser feita: o MP pedir o fechamento do serviço “Orkut” é uma tese que, necessariamente, será objeto de uma antítese a ser ofertada pelos causídicos da empresa “Google.com”, para que, ao final, o magistrado decida por meio de uma síntese qual é o direito aplicável ao caso concreto – daí o nome jurisdição, que vem do latim juris dictio ou dizer o direito. Toda essa dinâmica, boa ou má, integra o próprio conceito de Jurisdição – que, ao contrário do que muitos “pensam”, é uma Ciência lógica.
O problema seria exatamente a ausência de uma força coercitiva que deixasse, ao bel prazer dos privados, todos os rumos da res publica. Aos privados está reservada uma larga esfera de licitude, dentro do campo da juridicidade, para que tratem de seus assuntos particulares. Um exemplo disso é a permissão tradicional que é dada aos meios de comunicação privados que lhes confere o direito de não publicar assuntos que não lhe interessem ou que contrariem a sua opinião particular. Ora, faz parte da noção privatista proteger os interesses dessas organizações; o que uma empresa privada busca é o lucro e seus interesses particulares, pouco importando, muitas vezes, a condição de trabalho ou o tratamento que é dado aos trabalhadores ou beneficiários dos serviços prestados. Bem de ver que, em verdade, os privados não podem tudo, pois o “longo braço da lei” deve aí intervir, para conter os abusos tanto do capitalista quanto do “homem comum”.
Se a “empresa.com” não pode precisar a identidade dos criminosos, por questões de ordem técnica, que efetue a desativação das comunidades que possuem essa natureza tão logo elas sejam denunciadas, pois o fornecedor do serviço tem, inclusive, a responsabilidade de criar ferramentas de busca (eurística) que sejam capazes de percorrer seu banco de dados, na procura de palavras-chave específicas que possam identificar o abuso do direito de liberdade de expressão. Ante a recusa em assim proceder, nada mais natural que percam o direito de exploração da atividade econômica, tendo em vista a sua incompetência (...) em solver tal problemática.
Por fim e em tempo, é claro que, no final dessa cadeia de fatos, encontra-se o usuário comum, que nada tem a ver com pedófilos ou racistas, que vai ficar sem o acesso a esse modo de diversão. O que fazer? Ler um livro, talvez... É lamentável, mas a sociedade precisa de uma defesa qualquer contra o "total descontrole". No final das contas, perdemos todos nós.