quinta-feira, 5 de outubro de 2006

A força da mídia e a fraqueza do Estado

Numa sociedade capitalista e democrática que dispõe de aparelhos de comunicação social privados, não comparecer e expressar suas idéias políticas durante um pleito eleitoral é dar um "tiro no próprio pé" com uma bazuca: destruição de todo um trabalho de campanha, certamente. Desde que um desses pseudo-repórteres - um desses que também podem ser chamados, quando for o caso, de pseudo-comunicadores sociais -, criou o jargão "o povo quer saber", automaticamente, tudo aquilo que for economicamente viável e ideologicamente relevante para os detentores da mídia brasileira apresentar ao público se tornou a exata medida do quê "o povo quer saber" - agora, resta dúvida se não teria sido um humorista a utilizar-se da expressão, já em tom de piada sobre esse papelito relevante da mídia privada na vida social.

Em todo caso e de todo jeito, a reeleição presidencial deste ano foi palco da constatação de que qualquer candidato aos cargos de chefia de gabinete no Poder Executivo não pode se eximir da aparição pública oficial e incontornável, toda vez que ela for determinada unilateralmente pelas companhias privadas que executam a venda de "produtos de informação" - chamados carinhosamente de notícias. A mídia brasileira "não brinca em serviço": ela explora essa atividade lucrativa de forma responsável e global, espalhando seu sinal via satélite em todos os "cantos" do planeta e em todo o território nacional. É muito natural que tanto poder - de fato e de direito - possa exercer um controle direto nos rumos democráticos de uma nação, tendo em vista ser a televisão o meio de comunicação de massa mais poderoso - vez que sua inserção é quase absoluta em todas as sociedades, enquanto a Internet ainda "engatinha". A recusa ou a simples não-sujeição da imagem de uma pessoa pública ao escrutínio e julgo da mídia pode ser a sentença de morte de um político e isto justifica ou explica a relação promíscua dos políticos brasileiros com as emissoras de televisão: muitos dos "caciques" políticos brasileiros são proprietários, em seus Estados, de emissoras e distribuidoras de sinais televisivos. Ainda e em tempo, a crescente participação de figuras e personagens do rádio e da televisão nas eleições nacionais revela que, por estarem em contato direto com o povo, através de seus personagens, esses profissionais do entretenimento despontam como aqueles que estariam mais aptos a entender o "imaginário popular" - e é óbvio que estão, já que são eles que criam este imaginário, da forma e na intensidade que vendem seu produto: a imagem in persona.

Daí a explicação possível que pode ser dada ao sonho do atual presidente da República não ter se concretizado no primeiro turno: negligenciar os apelos da mídia, principalmente do grupo Rede Globo, que o intimaram a comparecer ao debate imediatamente anterior ao pleito do dia 01 de outubro. Não se pode esquecer que este grupo midiático sabe muito bem organizar espetáculos televisivos que se mostram decisivos na determinação da escolha política da sociedade brasileira. O melhor exemplo continua a ser o do "quase-impeachment" do ex-presidente e agora senador Fernando Collor de Mello: em 1992, devido à pressão dos meios de comunicação e, principalmente, da Rede Globo de televisão, o Sr. Collor se viu obrigado à renúncia do cargo de Presidente, uma vez que não só a conjuntura política do Congresso Nacional mas, concomitantemente, o telespectador "atento" tiraram toda a sustentação política daquele governo. Esses fenômenos todos associados determinam de forma inequívoca o poder dos meios de comunicação de massa e a sua direta influência na Política.

Numa democracia, o local de uma mídia livre e independente é basilar e estrutura nuclear deste sistema de governo. Na República do Brasil, o direito de liberdade de expressão foi elevado à categoria de direito fundamental e, no tocante ao mesmo direito mas, em outra perspectiva, dos profissionais de comunicação, essa liberdade de expressão de idéias e opiniões ao público é indispensável à existência de uma democracia verdadeira, tendo em vista que o princípio da publicidade tornou-se tão indispensável ao Estado que chega mesmo a atingir os privados e suas relações jurídicas delineadas no Direito Privado. O direito da urbe e do corpo civil em ter acesso às opiniões de seus "investigadores informativos" está associado e interligado ao Estado pós-moderno, influenciando mesmo a direção da vontade geral, expressa por meio das eleições da democracia representativa. Daí o fortalecimento da mídia como um "quarto poder", influenciador da vontade democrática, vez que atinge toda a sociedade e a faz valorar as informações de acordo com as tradições e costumes desse agrupamento político. Ora, se de um lado se vê o fortalecimento da comunicação social, vê-se, pois, do outro, o enfraquecimento da autoridade pública, numa limitação que, em tese, deve ser saudável do ponto de vista político e que põe limite à possibilidade de reaparição do poder pessoal dos governantes e das pessoas que dirigem as funções estatais. Mas, o que ocorre na prática, é uma espécie de "terrorismo democrático", quando as informações publicadas pelos meios de comunicação são atentatórias à lisura e separação entre interesses públicos e privados, tendo a prática quase sempre demonstrado que interesses escusos de grupos econômicos ajudaram a escrever a história da participação dos meios de informação, imprimindo um passado de mentiras, escândalos, negociatas e chantagem na política brasileira. O problema é saber identificar quando uma atuação dessas grandes empresas de comunicação é ou não é prejudicial aos verdadeiros interesses da democracia. Deve-se perguntar e tentar constatar quando determinado tipo de notícia revela, na verdade, vontades e objetivos que muitas vezes ultrapassam as fronteiras nacionais, espelhando grandes negócios a dirigir tanto a escrita, quanto a publicação dessas "notícias". Por exemplo: foi bastante calmo o início do período eleitoral, enquanto se definia o padrão para a televisão digital a ser implantado no Brasil ... ainda é possível encontrar, em alguma revista ou jornal, o sorriso fácil e largo do então ministro Hélio Costa (ex-jornalista de uma das maiores, senão a maior empresa de comunicação brasileira) ao lado de autoridades do Itamaraty.

A ligação entra a mídia e o Poder do Estado é intensa. Assim como as novelas, é possível assistir passivamente os capítulos da política nacional, que é trazida diariamente aos lares de milhões de brasileiros. Se os meios de comunicação querem se comportar como um "quarto poder", que se submetam ao mesmo controle que submetem as instituilções estatais democráticas brasileiras: CPI da mídia? Já viria com certo atraso.

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