A nova hermenêutica constitucional tem se empenhado em detectar os direitos sociais como direitos fundamentais da pessoa humana. Interpretar o ordenamento jurídico é a função principal dos juristas, vencendo limitações de ordem técnica em busca de uma compreensão sistêmica do ordenamento jurídico frente aos fenômenos sociais.
Os direitos, essas atribuições conferidas à sociedade via ordem jurídica, são ferramentas capazes de assegurar o cumprimento de deveres e a demanda de direitos, seja nas relações entre os indivíduos, seja nas relações entre o Estado e os indivíduos. Regulando condutas, o Direito é sistema de normas jurídicas que se colocam de forma imperativa em relação às vontades individuais, forçando as pessoas a se submeterem às regras de conduta social, tornando a vida social organizada e obrigando o reestabelecimento da paz e da harmonia todas as vezes que elas sejam turbadas por um conflito de interesses. Entender como se dá essa dinâmica é a atividade profissional dos juristas, é construção educacional dos estudantes de Direito e um dever objetivo do Estado - que aplica essas normas jurídicas.
A lógica subjacente à esta esturura está contida nos princípios jurídicos. Uma das duas espécies de normas, o princípio serve como medida de interpretação das regras jurídicas, tendo em vista os valores sociais que os embasam e que servem de fundamento à correta aplicação das regras juridicas, dentro de um contexto sistêmico do Direito. Assim, a diferença entre um técnico do Direito e um jurista é a limitada abrangência intelectiva do primeiro em relação ao segundo, quando examinam o ordenamento jurídico..
Mas, porque se está a falar em princípios jurídicos num texto sobre direitos sociais? Por uma única e simples razão: os direitos sociais foram positivados valorativamente, no sentido de serem entendidos como direitos fundamentais da pessoa humana. Veja-se o exemplo dado pela Constituição brasileira de 1988: ela erigiu a proteção dos direitos dos trabalhadores à categoria de norma constitucional, como se observa nos arts. 6° e 7° daquele Texto Magno. Mas o Constituinte Originário não agiu "criativamente": os direitos sociais da ordem jurídica brasileira foram estatuídos tendo por modelo a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Com efeito, o art. 21 daquele documento internacional coloca os direitos sociais como direitos humanos indispensáveis e inalienáveis, estabelecendo no Ocidente uma tradição que prospera entre as nações ricas até a presente data. A proteção social é um dever a todos os Estados que se comprometeram com aquele documento - que tem valor jurídico reduzido por não conter cláusula com força vinculante (sanção) que obrigue os Estados em sua adoção; a Declaração é qualificada como instrumento de soft law, ou lei branda, exatamente por ter os efeitos de uma carta de recomendação. Mas a Declaração tem o condão de conduzir o intérprete do Direito à compreensão de que os valores ali defendidos são um mínimo, um núcleo fundamental de onde emanam orientações hermenêuticas que se adequem aos ideias das sociedades pós-modernas.
Se o Brasil é, em primeiro lugar, um país-membro, signatário da Declaração, ele assume uma obrigação de ordem moral (coercitiva) na adoção das medidas necessárias a garantir aqueles interesses. Em segundo lugar, torna-se incompreensível qualquer interpretação constitucional que reduza aqueles direitos à condição de direitos mutáveis ou disponíveis, tendo em vista que o cunho valorativo que está associados a eles se reveste de um embasamento jusfilosófico que revela a preocupação na defesa de uma atividade estatal finalísitica que preserve aquela gama de direitos dos interesses avassaladores e aviltantes do capitalismo selvagem. Ainda, os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no âmbito da Organização Internacional do Trabalho, por meio das Convenções assinadas, revelam que a República elegeu e ainda defende o trabalho como ação mantenedora da dignadade da pessoa humana; diz-se atividade estatal finalísitica porque o Estado deve agir de forma solidária, estabelecendo garantias mínimas para que possa ocorrer um desenvolvimento sustentado, congregando o crescimento econômico com a melhoria do nível de vida social. O trabalho deve ser uma ferramenta de crescimento individual - daí dizer-se que o trabalho dignifica - e deve trazer benefícios à sociedade - pois, sem isso, seria inóqua qualquer atividade humana, visto que desprovida de finalidade e objetivos. Por exemplo: o desenvolvimento tecnológico, por si só, é uma busca científica de resultados empíricos sem uma destinação? É patético e racional, para dizer pouco, que o ser humano cria melhorias e transforma a natureza para sentir-se confortável e seguro e esta é a finalidade última do trabalho: fornecer os subsídios necessários à sobrevivência. Contudo, essa sobrevivência não é plena ou traz felicidade se não for capaz de ser exercida com dignidade. Ora, mas o que vem a ser dignidade? De cunho satisfativo, é o sentimento de que os esforços empregados nas mais diversas áreas de atuação humana são recompensados, dando a cada um aquilo que é seu por merecimento e esforço próprio. Daí a importância de políticas públicas que promovam o acesso dos trabalhadores aos bens necessários à manutenção de sua paz, por meio de um salário justo e de políticas públicas que garantam um emprego - relação de trabalho protegida por lei. Esses são os pontos-chave da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Portanto, verifica-se que há hermenêutica demais e bom senso de menos! Não é preciso ir muito longe para entender os valores que estão sendo protegidos nas normas inscritas na Constituição: elas são um consenso acerca do mínimo necessário à boa convivência, erigidas como normas de conduta basilares que impõem limites à mais valia. O Direito precisa, finalmente, vencer as amarras que o prendem à Economia e se afirmar como uma Ciência Humana, não-exata, que superou a fase em que se encontrava sob o domínio absoluto dos interesses da pouco numerosa classe dominante, convertendo-se numa Ciência Humana Social.
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