Não vamos conceituar Estado. É essa Instituição pública que coordena a vida política de uma sociedade qualquer. Mas saber suas atribuições é uma tarefa mais complexa do quê definir o quê é Estado, tudo porque há interesses políticos diversos nas variadas classificações científicas que tratam as finalidades e fins do Estado.
Definindo-se como um país capitalista, por meio da defesa da liberdade conferida aos indivíduos para exercerem suas atividades profissionais sem a interferência do Estado, ficou convencionado, através da Carta Política de 1988, que o Brasil (a Federação, o País, o Estado) tentaria realizar o bem estar social, por meio de diversos mecanismos práticos inscritos no Texto Maior e que se convertiam, na altura, em medidas de caráter obrigatório: deveres sob tutela do Estado, que iria atuar para a concretização dos direitos a eles inerentes. Em outras palavras, sendo um país com sistema de produção capitalista, o Brasil se propunha a melhora das condições de vida de toda a sociedade - e não apenas dos ricos, da elite capitalista que goza de status civitatis diferenciado no acesso aos bens da vida material.
Mas, como o Estado pode atuar para garantir a melhoria do nível de vida de todos os cidadãos (e não apenas dos ricos)? Existem várias soluções de caráter interventivo, que autorizam o Estado a participar de diversos tipos de atividades econômicas em exercício supletivo ou complementar à atividade dos particulares. Assim, para realizar o bem estar, o Brasil prevê sua participação nos mais diversos setores, desde a Educação até a Saúde, sem dúvida em claro apelo às políticas intervencionistas do Estado de bem estar social. Aqui, entretanto, não se vê utilitarismo algum, mas apenas uma atividade supletiva, de caráter solidário, que está prevista no preâmbulo constitucional. Mas, qual a ligação dessa estrutura de Estado com as empresas públicas? As empresas públicas foram criadas nos moldes do modelo econômico keynesiano, fazendo com que o Estado interviesse na Economia para prestar os serviços públicos que não interessavam (não eram lucrativos) ou exigiam custos demasiados para sua implementação aos burgueses (que naturalmente exploram a economia produtiva em busca de resultados favoráveis economicamente). Esse tipo de inserção do Estado nos assuntos da Ecomomia fica conhecido pelos monetaristas como "argumento das indústrias nascentes", que prega a intervenção estatal até um ponto de equilíbrio em que os privados podem desempenhar aquelas funções por conta própria. A privatização é um recurso jurídico que torna capaz esse repasse de funções do regime público para o regime privado, corrigindo uma distorção de natureza econômica que reestabelece a prestação de serviços àqueles que, por natureza, devem desempenhá-las.
Entretanto, veja-se que existem alguns setores de prestação de serviços e produção e alinação de produtos que não se constituem numa atividade econômica naturalmente particular, por envolverem interesses eminentemente públicos. Vamos à constatação da relevância pública ou privada que justifica essa classificação. Primeiramente, deve-se verificar a identidade entre a prestação de determinado serviço com um direito fundamental da pessoa humana; havendo uma ligação finalística entre um serviço e um direito essencial à pessoa humana, pode-se dizer que há interesse público relevante e indeclinável na prestação desse serviço, sem o qual um indivíduo pode ficar privado do acesso à bem jurídico que torna possível a defesa de sua dignidade. Secundariamente, mas não menos importante, deve-se observar se a descontinuidade do serviço pode apresentar grave distúrbio à paz e à ordem sociais, vez que sua continuidade é tarefa sublime que impede a consideração de meros interesses financeiros na sua exploração. Por fim, deve-se observar se existem mecanismos de mercado que tornam possível a concorrência sadia do setor, para que os possíveis consumidores não se tornem vítimas do apetite voraz inerente à noção de lucro. Devem existir vários outros argumentos, mas estes são os que nos socorrem no momento. Veja-se o exemplo da água. Bem essencial à sobrevivência humana, a descontinuidade de sua oferta pode acerretar (e acarreta) grave distúrbio à ordem social, vez que não há condições possíveis de sobrevivência sem esse bem tão precioso, que torna capaz a existência e continuação da vida orgânica - visto ser solvente universal aonde ocorrem as reações químicas de natureza orgânica. Óbvio constatar, portanto, que um ser humano privado do acesso à água virá, infalivelmente, a falecer. Água, portanto, é bem público essencial e jamais pode ser observado como mercadoria de troca susceptível de uma exploração imoderada e, sem dúvida nenhuma, que coloque o interesse privado sobre o público; o acesso à água é de interesse social, não se justificando a sua exploração por particulares sem uma atuação estatal que seja capaz de levar este bem até aonde os privados não tenham interesse em investir num empreendimento e até aonde ele é necessário para sustentação da própria vida.
Eis o mistério da fé: convencer alguns setores da sociedade de que não é possível que eles imaginem a privatização de bens que tem natureza pública pelo fato de serem essenciais. Algumas pessoas, principalmente na classe média, tendem a imaginar um mundo melhor aonde praticamente não exista atuação estatal na economia, embalados por duas quimeras: 1) a possibilidade de, num sistema liberal, eles mesmos serem co-partícipes da exploração dessas atividades econômicas e 2) por achar que o Estado burocrático utilitarista (é assim que o classificam, erroneamente) tem funções mínimas que estão dissociadas da prestação dessa espécie de serviço. Em ambas as situações fica demonstrado o ledo engano a que esses setores se submetem, seja por interesse próprio ou por desconhecimento científico do tema. Cumpre dizer que a exploração de atividades desempenhadas pelo setor público demanda investimentos que fogem àqueles que podem ser realizados por pequenos ou médios grupos econômicos; são de tão larga monta que só podem ser desempenhados por grandes empresas de escala global, como a Coca-cola, por exemplo. Ainda, veja-se que esse Estado burocrático está superado por conta da nova realidade social, sendo necessário que cumpra eficazmente todas as obrigações constituídas no ordenamento jurídico, sob pena de responsabilização daquelas pessoas incumbidas de realizá-las. Um Estado não tem funções mínimas: ele se adequa constantemente para realizar o mais plenamente possível todas as condições necessárias para que os seres humanos que vivem sob sua tutela e controle possam desenvolver todas as suas potencialidades, diante de todas as dificuldades dessa existência humana. Não que exista um comprometimento do Estado com cada indivíduo, o que seria um absurdo do ponto de vista prático, mas que devem haver um mínimo de garantias para que essas personalidades possam atingir um nível digno de vida.
Nesse contexto, a privatização do patrimônio público é uma atividade que entra em choque direto com o interesse social que direciona a publicização de algumas áreas de prestação de serviços à população de algum país. Privatizar é uma atividade relevante aonde existem condições isonômicas de acesso aos bens materiais numa determinada sociedade; daí terem ocorrido em massa - mas não em todas as áreas (!) - no continente europeu. Existem reservas legais que impedem o interesse de privatização, inclusive nos países mais ricos - quiçá no Brasil. Recomeçar o processo de "minimalização" do Brasil é um retrocesso inaceitável, tendo em vista que esta nação ainda não realizou plenamente os direitos de segunda dimensão (ou geração) que foram caracterizadores de um capitalismo "solidário" em todo o mundo ocidental; a Constituição de 1988 se propôs a garantir esse modelo de Estado de bem estar (Welfare state), mas logo os primeiros governos liberais trataram de violar os preceitos constitucionais com as medidas de praxe que caracterizam essa ideologia: privatizações, desregulamentação de diretos sociais e assim em diante. O que causa medo a direita no País é a atual falta de controle sobre os bens públicos, que não mais podem atender aos interesses dos privados e, assim, "fazem falta" na hora de definir uma política pública de "defesa do mercado produtivo nacional" que, trocando em miúdos, é o desapego do Estado às questões sociais e um compromentimento dos chefes de gabinete com os interesses de uma pequena (quatitativamente e moralmente) elite financeira.
O processo de privatização, portanto, se destina à atividade que é secundária ao interesse social, não garantidora de direitos fundamentais e que até se aconselha seja dirigida pela iniciativa privada. A única dificuldade é saber como demonstrar que um determinado serviço é ou não uma atribuição do Estado ou tem ou não uma finalidade social. Mas deve-se ter em mente que o Estado não se destina, apenas, às atividades legislativa, executiva e jurisdicional. Ele deve intervir, substituindo os particulares todas as vezes que isso seja necessário à manutenção da ordem social - inclusive, diante do argumento das indústrias nascentes, deve desenvolver atividades econômicas que demandam investimentos que os privados não podem fazer. Senão, muito mais vale um absolutista no Poder, porque, em tese, nesse tipo de Estado não se pode fazer nenhuma escolha de atuação estatal que não seja pessoal, imperando a vontade de um.
Definindo-se como um país capitalista, por meio da defesa da liberdade conferida aos indivíduos para exercerem suas atividades profissionais sem a interferência do Estado, ficou convencionado, através da Carta Política de 1988, que o Brasil (a Federação, o País, o Estado) tentaria realizar o bem estar social, por meio de diversos mecanismos práticos inscritos no Texto Maior e que se convertiam, na altura, em medidas de caráter obrigatório: deveres sob tutela do Estado, que iria atuar para a concretização dos direitos a eles inerentes. Em outras palavras, sendo um país com sistema de produção capitalista, o Brasil se propunha a melhora das condições de vida de toda a sociedade - e não apenas dos ricos, da elite capitalista que goza de status civitatis diferenciado no acesso aos bens da vida material.
Mas, como o Estado pode atuar para garantir a melhoria do nível de vida de todos os cidadãos (e não apenas dos ricos)? Existem várias soluções de caráter interventivo, que autorizam o Estado a participar de diversos tipos de atividades econômicas em exercício supletivo ou complementar à atividade dos particulares. Assim, para realizar o bem estar, o Brasil prevê sua participação nos mais diversos setores, desde a Educação até a Saúde, sem dúvida em claro apelo às políticas intervencionistas do Estado de bem estar social. Aqui, entretanto, não se vê utilitarismo algum, mas apenas uma atividade supletiva, de caráter solidário, que está prevista no preâmbulo constitucional. Mas, qual a ligação dessa estrutura de Estado com as empresas públicas? As empresas públicas foram criadas nos moldes do modelo econômico keynesiano, fazendo com que o Estado interviesse na Economia para prestar os serviços públicos que não interessavam (não eram lucrativos) ou exigiam custos demasiados para sua implementação aos burgueses (que naturalmente exploram a economia produtiva em busca de resultados favoráveis economicamente). Esse tipo de inserção do Estado nos assuntos da Ecomomia fica conhecido pelos monetaristas como "argumento das indústrias nascentes", que prega a intervenção estatal até um ponto de equilíbrio em que os privados podem desempenhar aquelas funções por conta própria. A privatização é um recurso jurídico que torna capaz esse repasse de funções do regime público para o regime privado, corrigindo uma distorção de natureza econômica que reestabelece a prestação de serviços àqueles que, por natureza, devem desempenhá-las.
Entretanto, veja-se que existem alguns setores de prestação de serviços e produção e alinação de produtos que não se constituem numa atividade econômica naturalmente particular, por envolverem interesses eminentemente públicos. Vamos à constatação da relevância pública ou privada que justifica essa classificação. Primeiramente, deve-se verificar a identidade entre a prestação de determinado serviço com um direito fundamental da pessoa humana; havendo uma ligação finalística entre um serviço e um direito essencial à pessoa humana, pode-se dizer que há interesse público relevante e indeclinável na prestação desse serviço, sem o qual um indivíduo pode ficar privado do acesso à bem jurídico que torna possível a defesa de sua dignidade. Secundariamente, mas não menos importante, deve-se observar se a descontinuidade do serviço pode apresentar grave distúrbio à paz e à ordem sociais, vez que sua continuidade é tarefa sublime que impede a consideração de meros interesses financeiros na sua exploração. Por fim, deve-se observar se existem mecanismos de mercado que tornam possível a concorrência sadia do setor, para que os possíveis consumidores não se tornem vítimas do apetite voraz inerente à noção de lucro. Devem existir vários outros argumentos, mas estes são os que nos socorrem no momento. Veja-se o exemplo da água. Bem essencial à sobrevivência humana, a descontinuidade de sua oferta pode acerretar (e acarreta) grave distúrbio à ordem social, vez que não há condições possíveis de sobrevivência sem esse bem tão precioso, que torna capaz a existência e continuação da vida orgânica - visto ser solvente universal aonde ocorrem as reações químicas de natureza orgânica. Óbvio constatar, portanto, que um ser humano privado do acesso à água virá, infalivelmente, a falecer. Água, portanto, é bem público essencial e jamais pode ser observado como mercadoria de troca susceptível de uma exploração imoderada e, sem dúvida nenhuma, que coloque o interesse privado sobre o público; o acesso à água é de interesse social, não se justificando a sua exploração por particulares sem uma atuação estatal que seja capaz de levar este bem até aonde os privados não tenham interesse em investir num empreendimento e até aonde ele é necessário para sustentação da própria vida.
Eis o mistério da fé: convencer alguns setores da sociedade de que não é possível que eles imaginem a privatização de bens que tem natureza pública pelo fato de serem essenciais. Algumas pessoas, principalmente na classe média, tendem a imaginar um mundo melhor aonde praticamente não exista atuação estatal na economia, embalados por duas quimeras: 1) a possibilidade de, num sistema liberal, eles mesmos serem co-partícipes da exploração dessas atividades econômicas e 2) por achar que o Estado burocrático utilitarista (é assim que o classificam, erroneamente) tem funções mínimas que estão dissociadas da prestação dessa espécie de serviço. Em ambas as situações fica demonstrado o ledo engano a que esses setores se submetem, seja por interesse próprio ou por desconhecimento científico do tema. Cumpre dizer que a exploração de atividades desempenhadas pelo setor público demanda investimentos que fogem àqueles que podem ser realizados por pequenos ou médios grupos econômicos; são de tão larga monta que só podem ser desempenhados por grandes empresas de escala global, como a Coca-cola, por exemplo. Ainda, veja-se que esse Estado burocrático está superado por conta da nova realidade social, sendo necessário que cumpra eficazmente todas as obrigações constituídas no ordenamento jurídico, sob pena de responsabilização daquelas pessoas incumbidas de realizá-las. Um Estado não tem funções mínimas: ele se adequa constantemente para realizar o mais plenamente possível todas as condições necessárias para que os seres humanos que vivem sob sua tutela e controle possam desenvolver todas as suas potencialidades, diante de todas as dificuldades dessa existência humana. Não que exista um comprometimento do Estado com cada indivíduo, o que seria um absurdo do ponto de vista prático, mas que devem haver um mínimo de garantias para que essas personalidades possam atingir um nível digno de vida.
Nesse contexto, a privatização do patrimônio público é uma atividade que entra em choque direto com o interesse social que direciona a publicização de algumas áreas de prestação de serviços à população de algum país. Privatizar é uma atividade relevante aonde existem condições isonômicas de acesso aos bens materiais numa determinada sociedade; daí terem ocorrido em massa - mas não em todas as áreas (!) - no continente europeu. Existem reservas legais que impedem o interesse de privatização, inclusive nos países mais ricos - quiçá no Brasil. Recomeçar o processo de "minimalização" do Brasil é um retrocesso inaceitável, tendo em vista que esta nação ainda não realizou plenamente os direitos de segunda dimensão (ou geração) que foram caracterizadores de um capitalismo "solidário" em todo o mundo ocidental; a Constituição de 1988 se propôs a garantir esse modelo de Estado de bem estar (Welfare state), mas logo os primeiros governos liberais trataram de violar os preceitos constitucionais com as medidas de praxe que caracterizam essa ideologia: privatizações, desregulamentação de diretos sociais e assim em diante. O que causa medo a direita no País é a atual falta de controle sobre os bens públicos, que não mais podem atender aos interesses dos privados e, assim, "fazem falta" na hora de definir uma política pública de "defesa do mercado produtivo nacional" que, trocando em miúdos, é o desapego do Estado às questões sociais e um compromentimento dos chefes de gabinete com os interesses de uma pequena (quatitativamente e moralmente) elite financeira.
O processo de privatização, portanto, se destina à atividade que é secundária ao interesse social, não garantidora de direitos fundamentais e que até se aconselha seja dirigida pela iniciativa privada. A única dificuldade é saber como demonstrar que um determinado serviço é ou não uma atribuição do Estado ou tem ou não uma finalidade social. Mas deve-se ter em mente que o Estado não se destina, apenas, às atividades legislativa, executiva e jurisdicional. Ele deve intervir, substituindo os particulares todas as vezes que isso seja necessário à manutenção da ordem social - inclusive, diante do argumento das indústrias nascentes, deve desenvolver atividades econômicas que demandam investimentos que os privados não podem fazer. Senão, muito mais vale um absolutista no Poder, porque, em tese, nesse tipo de Estado não se pode fazer nenhuma escolha de atuação estatal que não seja pessoal, imperando a vontade de um.
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