quarta-feira, 30 de abril de 2008

Ivan Lessa está "equivocado" sobre as eleições em Londres

Ivan Lessa mentiu em sua coluna. Ou mentiu ou esteve (completamente e deliberadamente) "equivocado". As eleições para prefeito em Londres foram, antes de tudo, muito barulhentas - e digo isso porque eu estive lá entre os dias 26 e 29 de Abril.

Se Ivan Lessa não tomou conhecimento dos protestos claros contra o racismo na composição da venerância daquele Município, isso é um problema pessoal (ou anti-social) dele. Mas dizer que as eleições passaram “em branco” é uma grave mentira e mais um ataque contra o espírito democrático. Não só haviam protestos, como haviam pessoas gritando nas ruas em defesa dos partidos que defendiam (na Liverpool Street, por exemplo?).

E houve mais. Embora o autor tenha declarado que esteve entretido com os canais de televisão (o que demonstra o grau de alienação desse indivíduo "livre"), carros de som faziam propaganda eleitoral (no centro de Londres e, por exemplo, em frente à Charing Cross Station) a favor deste ou daquele candidato. Eu mesmo estive preso no trânsito londrino por mais de 2 horas (e posso provar com meu passe de ônibus!), por conta dos inúmeros protestos e passeatas políticas que ocorriam na cidade. Porém, é claro, como o autor estava assistindo passivamente a "tele", não tomou consciência desses fatos.

Só um estúpido imagina que os assuntos políticos numa capital global passam ao largo da vida sócio-econômica. Embora as pessoas estejam inseridas num contexto de alta competição (pela sobrevivência), elas também participam ativamente nos rumos políticos que definem o comportamento geral do civismo de sua polis. O senhor Ivan Lessa, naturalmente, esqueceu que não estava no Brasil...
Peço as devidas "desculpas", mas ao contrário desse "neo-jornalista", além de não mentir, eu não poupo o uso das aspas. Quem quiser ler a "reportagem" desse "autor", clique aqui.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

O projeto imperialista brasileiro nos países da CPLP

O último grande reboliço entre os países lusófonos foi causado pela recente proposta (indevidamente qualificada de "acordo") de alteração da língua portuguesa (LEIA MAIS). Não obstante o fato da língua evoluir naturalmente, o que existe por detrás desse artifício (portanto, medida artificial) é, antes de tudo, uma clara demonstração de força da Federação brasileira em relação aos seus países-irmãos lusófonos, que faz parte de um projeto imperialista brasileiro.

Com efeito, no mesmo passo da inclusão do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, caminham as ações de transposições culturais e comerciais brasileiras no estabelecimento de um domínio político não só em África, mas, também, em Portugal. A quem diga que isso é um processo natural da globalização e que não há mal algum nos interesses brasileiros em garantir seu espaço nessa nova conjuntura. Porém, não é que não existam males; a questão é outra. Trata-se da intrusão não só de um elemento cultural alienígena na cultura de outros povos (as novelas, a música, enfim, as artes), trazido pelo intercâmbio natural entre culturas, mas de uma ação deliberada de invasão e transformação das nações receptoras, num processo de localismo globalizado que pouco interage com os comportamentos e práticas dos países receptores. E o mais grave nisso foi o "acordo" para a alteração da língua portuguesa; os bastidores que influenciaram essa adoção são meramente comerciais.

Como é evidente, hoje, existem contra-afirmações identitárias a despontar não só em solo africano, mas em terras lusitanas, que vêm impregnadas de sentimentos nacionalistas e, porque não dizer, xenófobos. Ou seja, na defesa de seus interesses (também comerciais mas, acima de tudo, identitários) esses povos manifestam-se contra uma maior integração entre os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), porque se vêem com menores oportunidades (econômicas) de intervir nesse processo de aproximação. É dessa forma que se pode qualificar as ações brasileiras como decorrentes de um projeto de afirmação imperialista, porque estão presentes todos os elementos conflituais característicos desse tipo de projeto: primeiro, a constatação de uma invasão cultural (com origens mercadológicas); segundo, a resistência que é oferecida pelos povos que se encontram na periferia desse projeto; terceiro, um sentimento de repulsa ao país "invasor"; quarto, a não reflexividade no tocante à abertura do país central em relação às culturas dos povos periféricos, e assim por diante.

Isso nos leva a concluir que esse projeto imperial brasileiro é tanto ou mais grave do que aquele praticado pelos EUA. Ainda, que se diga que esse projeto é, em nível nacional, também um localismo globalizado, que se expressa na preponderância cultural e comercial do eixo Rio de Janeiro/São Paulo, com prejuízo da afirmação cultural e do desenvolvimento econômico dos outros Estados-membros. Não podemos nos esquecer que o Brasil sempre foi um dos maiores ativistas contra os "enlatados culturais" norte-americanos. Agora, fazemos exatamente o mesmo?

Violência no Ceará e as medidas paliativas

A boa sabedoria popular adverte: é sempre melhor prevenir do quê remediar. Essa frase vem a propósito de alertar a população cearense aos males da atual gestão de segurança pública do Estado e à inapetência dos atuais administradores para verdadeiras mudanças na política de segurança pública desse Estado-membro.

De fato, a Sociedade cearense vem enfrentando a escalada da violência e da criminalidade; quando se somam esses dois fatores à pobreza e à falta de oportunidades econômicas, tem-se um cenário caótico que propicia o fortalecimento da extrema-direita e a adoção de políticas de segurança com viés fascista. Quando observamos a História, tendo olhos atentos, percebemos que a insegurança e a miséria sempre serviram de trampolim para a tomada de poder pela extrema-direita; qualquer dúvida sobre essa influência política nas Sociedades contemporâneas pode ser facilmente eliminada se forem observadas as últimas ou novas políticas de segurança pública que estão sendo adotadas mundialmente: legislações anti-terroristas, leis de vigilância eletrônica nos espaços públicos, projetos de inserção de micro-chips de identificação pessoal, desmantelo de princípios jurídicos elementares (devido processo legal, presunção de inocência ...) e de procedimentos investigativos (inquéritos policiais secretos, julgamentos fechados ao público, depoimentos mediados pela tortura ...) e toda sorte de práticas atentatórias ao Estado Democrático de Direito. Essas alterações provocam a desestruturação de Sociedades que têm por valores a cooperação, a solidariedade e a confiança entre os indivíduos.

Isso tudo para dizer que a violência e a criminalidade são consequências não só de políticas de segurança fajutas, mas são efeitos de políticas sociais e econômicas falidas. O advento de novas formas de exploração econônima (quer sejam demonimadas por termos como "nova divisão internacional do trabalho", ou neoliberalismo, ou neocapitalismo, ou globalização), que impuseram o fim da participação do Estado no financiamento de serviços de utilidade pública (Educação, Saúde, Transportes, Energia e etc.), causaram um estado caótico nas relações sociais. Então, é conveniente dizer que o que se passa no Ceará é o reflexo das transformações que se vêm operando à nível global; é a expressão local de um movimento exterior à realidade cearense, mas na qual ela está falta e inevitavelmente inserida.

Dito isso, é preciso reconhecer que a mídia (ou comunicação social) também contribui para o agravo da situação geral. Desiformadas (por ação deliberadamente planejada), as populações são entregues ao pânico e à falta de esperança, quer através do semeadura da desconfiança no pobre (o excluído), quer na banalização da violência, quer, ainda, na exploração do crime como factóide ou peça de entretenimento (como são os famigerados "programas policiais" que são transmitidos ao meio-dia). Ora! O papel da mídia é (ou deveria ser) informar e, colhendo sugestões diretamente dos cidadãos, ajudar na composição de estratégias eficazes contra todos esses problemas. Mas o que se vê é a transposição da violência às populações, sem um qualquer comprometimento na formulação de soluções viáveis, que demonstrem que a pobreza e a exclusão sócio-econômica, aliadas ao descomprometimento do Estado, são as principais causas deste caos instalado.

No campo da política (do processo representativo de governação), vê-se que a demagogia impera; o que não faltam são os discursos inflamados e verborrágicos que apostam o sucesso da eleição no fator "Sociedade em pânico". Aí surgem as figuras autoritárias que, por meio de promessas de campanha, prometem isso e aquilo, sem contudo abordar os reais problemas que estão por detrás da criminalidade e da violência, enfim, da realidade. Um claro exemplo disso foi a proposta da "ronda do quarteirão"; uma promessa política que se transformou em projeto mas que, por falta de um planejamento adequado e coerente, funciona como mercúrio-cromo numa ferida provocada por um tiro de canhão. A uma, porque as viaturas compradas para o policiamento ostensivo são claramente inadequadas ao transporte dos presos (a não ser que eles vão no porta-luvas, os presos precisam de uma viatura adicional para que possam ir separados dos policiais militares), isto é, o processo de licitação foi mal feito e, convém que se diga, alguma responsabilidade (ou improbidade administrativa) precisa ser avaliada. A duas, porque esse tipo de ronda não traz a presença física do policiamento ostensivo nas zonas aonde a segurança é mais precária; tão logo os policiais dobrem a esquina, os criminosos atacam suas vítimas, seguros do tempo que dispõem para suas ações criminosas. A três, porque o número de viaturas não corresponde à quantidade da população atendida; Fortaleza é uma cidade vertical, muito populosa, e as favelas abrigam mais de 1/3 da população (dados do IBGE). Finalmente, porque simplesmente não diminuiram a criminalidade, e contra fatos não há argumentos.

Portanto, é de se concluir que o Ceará não está precisando (apenas) de policiamento. É preciso diagnosticar que a injusta distribuição de riquezas, o calamitoso plano diretor e o inconsequente planejamento urbano são questões que influenciam a composição do crime. E isso não se resolve com a criação de forças especiais de combate ao crime: falta comprometimento social. Os governantes e parlamentares cearenses estariam dispostos a enfrentar esses problemas? Parece-me que não, porque nunca estiveram...

terça-feira, 22 de abril de 2008

"Libertem a Língua" - Por Boaventura de Sousa Santos

(Publicado na coluna Visão, em 17/04/2008)

"Sendo a ortografia uma pequena dimensão da vida da língua, seria legítimo esperar que não fosse necessário o acordo ortográfico ou que, sendo-o, pudesse ser celebrado sem dificuldade nem drama. No caso da língua portuguesa assim não é, e há que reflectir porquê. A razão fundamental reside no fantasma do colonialismo inverso que desde há séculos assombra as relações entre Portugal e o Brasil. Durante séculos, a única colónia com propósitos de ocupação efectiva no império português, o Brasil, foi sempre e simultaneamente um tesouro e uma ameaça grandes de mais para Portugal. Depois de um curto apogeu no séc. XVI, Portugal foi durante toda a modernidade ocidental capitalista um país semiperiférico, isto é, um país de desenvolvimento intermédio, desprovido dos recursos políticos, financeiros e militares que lhe permitissem controlar eficazmente o seu império e usá-lo para seu exclusivo benefício. Teve, pois, de o partilhar desde cedo com as outras potências imperiais europeias, e foi por conveniência destas que ele se manteve até tão tarde. A partir do séc. XVIII, Portugal foi simultaneamente o centro de um império e uma colónia informal da Inglaterra. À semiperifericidade de Portugal correspondeu a semicolonialidade do Brasil, tão bem analisada por António Cândido, a ideia contraditória de um país mal colonizado e superior ao colonizador, um país que resgatou a independência de Portugal e que, logo depois da sua própria independência, foi visto como uma ameaça aos interesses de Portugal em África. A relação colonizador-colonizado entre Brasil e Portugal foi sempre uma relação à beira do colapso ou à beira da inversão. Até hoje. É essa indefinição que torna tão necessário quanto difícil o acordo ortográfico. Do lado português, a posição ante o acordo assenta sempre na ideia de “rendição ao Brasil”, tanto para o aceitar como para o recusar. Em ambos os casos, o fantasma do colonialismo do inverso, em vez da ideia libertadora do inverso do colonialismo.

"Acontece que hoje a inconsequência do acordo tem consequências que não tinha, por exemplo, em 1911. Em 1911, o acordo teve lugar entre dois países em que a língua portuguesa era a língua natural. No caso português, o colonialismo proibia que as línguas nacionais faladas nas colónias fossem um problema linguístico, no caso do Brasil, o colonialismo interno impedia que as línguas indígenas existissem. Portugal considerava-se o dono da língua portuguesa, mas porque não o era de facto, o acordo só começou a ser implementado em 1931. Hoje são oito os países de língua oficial portuguesa, e em seis deles a língua portuguesa coexiste com outras línguas nacionais, algumas delas mais faladas que o português. Nestes países, o contexto da política da língua é muito mais complexo. Mexer no português só faz sentido se se mexer nas línguas nacionais, e mexer nestas, em países que há pouco saíram de uma guerra civil, pode ter consequências bem mais graves que as do drama bufo luso-brasileiro. Por estas razões, deviam ser estes países a decidir o desacordo, mas pelas mesmas razões é pouco provável que aceitassem tal magnanimidade.

"Neste contexto, a língua portuguesa deve ser deixada em paz, entregue à turbulência da diversidade que torna possível que nos entendamos todos em português. Revejo-me, pois, no comentário irónico e contraditório de Fernando Pessoa aos acordos ortográficos, escrito em 1931, ano em que se implementava o acordo de 1911: “Odeio ... não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escrita, como pessoa propria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ipsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

"Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da translitteração greco-romana veste-m’a do seu vero manto regio, pelo qual é senhora e rainha”.

"Apesar de transcrito na ortografia de Pessoa, foi difícil entender este passo?"

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Boaventura de Sousa Santos: Doutorado em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (1973). Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Distinguished Legal Scholar da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick. Director do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Director do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra. Director da Revista Crítica de Ciência Sociais.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

"História e Mundialização" - por Serge Gruzinski

Quais são as influências dos processos de mundialização e quais seus efeitos na cultura das nações e povos? Essas são duas perguntas das muitas que podem ser levantadas, a partir desta conferência que ora publicamos. Mais que atual, ela chama nossa atenção para o processo de globalização e traz observações imprescindíveis à compreensão dos movimentos de neocolonização e imperialismo contemporâneos.

Conferência do Prof. Serge Gruzinski, proferida no Auditório da Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no dia 11/06/2007.



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Serge Gruzinski: Ancien élève de l'École nationale des chartes, puis membre de l'École française de Rome (1973-1975) et de la Casa de Velázquez à Madrid. Directeur d'études à l'École des hautes études en sciences sociales depuis 1993, il s'intéresse aux colonisations de l'Amérique et de l'Asie, notamment aux expériences coloniales comme lieu de métissages et de naissance d'espaces hybrides et comme premières manifestations de la mondialisation.

domingo, 20 de abril de 2008

Lex mercatoria versus Democracia

O "Fim da História e o Último Homem" de Fukuyama celebra o capitalismo como a síntese do conflito social humano -- seria isso verdade? Os economistas neoliberais decretam o fim do Estado e o surgimento de um mercado livre, de um comércio livre, num mundo globalizado -- seria isso prudente ou verdadeiro, quer dizer, existe algum mercado ou comércio "livre"? Qualquer ativista social deve seguir essas e outras (várias) indagações, com vista a perceber o que se passa no mundo contemporâneo e, assim, saber em que direção deve atuar por um mundo melhor, mais justo e mais responsável.

Com efeito, o estudo atento dos fatos políticos, econômicos e sociais dos últimos 150 anos demonstra que a diminuição do poder estatal é inversamente proporcional ao fortalecimento do poder do mercado (quanto menos Estado, mais mercado). Alguns autores alegam que as revoluções liberais e a implantação do capitalismo como sistema de produção trouxeram consigo as liberdades civis e políticas. Porém, isso é um fato que precisa ser analisado do ponto de vista prático, para que se deslinde uma falácia teórica: quando partimos para a análise da aplicação desses direitos de primeira geração, ela revela que o "jogo democrático" da democracia liberal não passa de um estratagema meramente jurídico-formal, fundamentado em abstrações ideológicas que esvaziaram o espectro de influência do poder social, substituindo-o pelo poder econômico. Assim, é possível e correto dizer que a lex mercatoria (lei do mercado) é um imperativo de regulação social que se impõe acima de todos os poderes sociais, posto que foi elevado à categoria de único caminho lógico -- constitui-se numa tautologia, indispensável ao funcionamento de qualquer Sociedade.

Também, convém dizer que o modelo de Estado liberal, nas suas mais variadas configurações, utilizou-se do poder social (soberania) para a coação e coerção da Sociedade (opressão da maioria), em benefício das classes dirigentes (governo pela minoria). Na utilização ilegítima desse poder, os liberais jogaram as instituições sociais umas contra as outras, e o uso da violência contra os civis foi prática comum em todos os lados. Mas convém também lembrar que esse tipo de violência pública não é característica apenas do liberalismo; em qualquer momento da História é possível detectar o mal-uso do aparato militar, ou do Judiciário contra as populações. Contudo, veja-se que as instituições não existem; o que existem são homens e mulheres imbuídos no cumprimento do dever; o que importa a nós é dizer qual é esse dever: o exercício da cidadania numa Sociedade civil organizada.

Diz-se aquilo, porque pensa-se que só existe um remédio, uma idéia capaz de vencer a mal aplicação dessas forças, ou um antídoto ao uso anti-social e ilegítimo do poder: a Democracia direta e participativa. Quanto mais Democracia, melhores são as instituições estatais e sociais e melhor é o Estado. Não é possível de se pensar o fim do Estado sem que tenham surgido soluções para a dominação imperial dos povos do Norte global, como seria uma estupidez admitir um completo esvaziamento do poder de pressão (uma das expressões da soberania) sobre as classes dirigentes por uma maior participação direta das populações nas decisões governamentais. Ora. É muito conveniente esvaziar as funções e influência coercitiva do Estado, conforme ganha força e se assenta no imaginário popular a idéia de uma verdadeira e crescente Democracia; o avanço das tecnologias de comunicação e o acesso à informação a ele associado proporcionaram o ambiente ideal para o florecimento dos ideais democráticos e contestatórios ao modelo de Estado liberal instituído.

Nenhum argumento pode sobreviver à falta de evidências. Então, podemos dar alguns exemplos dos reais desafios que se colocam perante as populações de países periféricos e semi-periféricos, que se constituem em justificações para uma manutenção e fortalecimento das instituições estatais: 1) a existência de forças paramilitares privadas (também demoninadas de "empresas de segurança privada), que levam a cabo as operações sujas do capital internacional, em intervenções e operações militares ilegais em países não alinhados à lógica da lex mercatoria (Iraque, Afeganistão, Colômbia, Nigéria, Dafur e etc.); 2) é preciso assegurar a existência de uma força interna que seja capaz de fazer valer a vontade geral e aplicar o consenso social e democrático (por exemplo, é assim que a revolução bolivariana e cubana ainda resistem, isto é, com o apoio das instituições policiais e militares democratizadas); 3) a ambição na acumulação de capital não justifica o esvaziamento das funções estatais, simplesmente porque as entidades privadas só vendem um determinado serviço enquanto ele for lucrativo, ou se sua implementação for economicamente viável (assim, distribuição de água e saneamento básico, segurança e polícia, educação e outras atividades são funções públicas).

Se observarmos cada um dos pontos sugeridos no parágrafo anterior, podemos avançar com os seguintes argumentos: 1) antes de intervir militarmente, seria mais eficaz a não comercialização e o combate ao tráfico de armas de fogo àquelas regiões (assim, a "ajuda humanitária" seria novamente interpretada como o envio de comida, medicamentos, serviços e etc., ao invés de significar "envio da guerra"); 2) as forças de segurança pública podem ser democratizadas, ou seja, o Estado pode aplicar justiça e garantir segurança à Democracia (quem sabe um dia elas podem garantir a distribuição equitativa de riquezas); além do mais, como é óbvio, o mundo (ainda) não é um lugar seguro, havendo uma desigualdade gritante entre classes sociais e, ao passo que aumenta essa clivagem entre elas, aumenta a violência; 3) o interesse privado não pode prevalecer diante do interesse público, posto que o discurso da "liberdade" não pode ser um monólogo (a liberdade sem igualdade e solidariedade é escravidão).

Faz parte do imaginário acadêmico pensar no Estado (forças armadas, Judiciário, Legislativo, Executivo e etc.) como um monstro qualquer a ser eliminado; mas o fim do Estado burguês e a instituição de uma nova Sociedade -- sem o controle do "Leviatã-burguês", na qual haveria justiça social e liberdade -- é um projecto social. Essas mudanças não podem ser executadas de qualquer forma ou sem estratégias que reforcem o poder social; pensa-se que o aparato institucional do Estado só possa servir aos interesses de uma tal classe dominante e que eles devam ser eliminados da face da terra. Mas convém observar essas idéias com maior atenção, pois o atual estado das coisas sugere uma abordagem um tanto mais cuidadosa desses "ideais".

Portanto, algumas lições de cidadania são capazes de alertar para os perigos de uma Sociedade sem Estado: enquanto o sistema de produção for o capitalismo, a ausência do Estado se converte numa "anarquia capitalista de mercado"! Os riscos de um sistema anárco-capitalista são evidentes: a exploração absoluta é sinônimo de Poder absoluto, e todo poder absoluto corrompe absolutamente.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Debate: As perspectivas do novo império

(Este artigo foi reeditado, por conter imprecisões teóricas, em 14/04/2008.)

Primeiramente, devo considerar um dos pontos mais importantes na análise do artigo recentemente publicado neste blog, da autoria de Eduardo Magnani, intitulado "As perspectivas do novo império": se é verdade que os impérios chegam a um fim, é também verdade que suas principais características são a opressão e a hegemonia (na centralidade das decisões que emanam à periferia do império). Nesse aspecto, tanto faz que ele seja estadunidense, ou chinês, ou europeu; sempre será, acima de tudo, ilegítimo, autoritário, opressor e, portanto, anti-democrático.

Em segundo lugar, já que abordamos a questão das gerações, temos que nos lembrar daquilo que deixou nossos pais e mães desorientados: a ditadura militar brasileira do período 1964-1988, considerando que ela só acabou com a Constituição Cidadã. Isso porque, se falarmos em opressão e falta de direitos democráticos (liberdade de expressão e locomoção e etc), temos que nos lembrar que essa ditadura foi arquitetada, implementada e assegurada pelos órgãos de controle político e informação dos Estados Unidos da América - nomeadamente a Central Inteligency Agency (CIA). Com efeito, a recente política de abertura norte-americana, que assegurou o acesso aos documentos anteriormente qualificados como "top secret", revelou a interferência estadunidense nos golpes e ditaduras militares no Chile, Argentina, Brasil, Paraguai, Cuba (pré-Castro), Nicarágua, Guatemala, enfim, em todos os países latino-americanos durante a segunda metade do século XX.

Isso para dizer, em terceiro lugar, que o capitalismo não precisa de democracia para se desenvolver, nem é a democracia uma característica do capitalismo. De fato, o que se observa no atento exame da Historia é que o projeto de dominação capitalista logrou resultados mais rápidos na acumulação primária de capital durante o estabelecimento de regimes fascistas e totalitários, evidentemente ditatoriais e despóticos: como foi o caso da Alemanha nazista, da Italia fascista e do Japão imperial; a supressão de direitos civis e políticos, a discriminação e exclusão social em função de raça/etnia e outros atentados à dignidade humana foram ignorados pelas elites políticas dos países pertencentes ao núcleo duro do sistema capitalista (EUA, Inglaterra, França e etc.). Passando pela absurda e espúria formalidade do Direito estatal e pela não-intervenção externa nos assuntos internos, os atentados às populações imigrantes (ou de judeus, eslavos, ciganos) e a exploração selvagem da vida de pessoas humanas só foram considerados execráveis (nos campos de concentração alemães, por exemplo, o trabalho notoriamente era escravo!) quando o Eixo nazi-fascista demonstrou que seu projeto era o domínio dos continentes europeu e asiatico; na Europa, o objetivo do Eixo não era combater a União Soviética ou o avanço do comunismo, como ficou demonstrado na assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop, entre Alemanha e URSS: o interesse da Alemanha era um império "ariano", cuja a capital seria Berlin. Outra nota: é mais que conhecido o fato de que Henry Ford (industrial norte-americano das industrias Ford) e membros da aristocracia e coroa britânica serem solidários aos ideais nazis, pelo menos até 1940... (sic).

Ainda, sustentando o argumento do parágrafo anterior, é de se notar que, durante a ditadura militar brasileira, o País viveu o chamado "milagre econômico" dos anos 1970s. Com uma postura econômica de proteção de mercado e orientada à exportação e aos impréstimos do mercado financeiro internacional, o Brasil conseguiu um crescimento de dois dígitos durante os anos 70; foi uma fórmula de crescimento que alimentou os industriais brasileiros, mas aumentou o fosso entre ricos e pobres; enquanto o Sudeste e Sul do País viviam um crescimento dos níveis de emprego, as regiões Norte e Nordeste estiveram submetidas às piores condições de sobrevivência - em função do descaso das autoridades com a seca vivida nas regiões áridas e, em maior medida, em função da política da CERCA, que tirava o lavrador de sua terra e o empurrava aos grandes centros urbanos, num momento em que o exército de reserva garantia a baixa dos salários nos grandes centros industriais do Sudeste. Foi nesse período que "floresceram" as favelas e toda sorte de desgraça que ainda aflige as grandes capitais brasileiras. Essa é mais uma demonstração da diferença entre duas categorias da economia política: crescimento e desenvolvimento. Ainda, é outro estímulo à investigação sobre a prescindibilidade da democracia no sistema de produção capitalista.

Em quarto lugar, vários professores de Teoria Política, dentre os quais David McLellan (University of Kent) e D. L. Rabi (Universit of Liverpool), levantam a questão da imprecisão terminológica que qualifica a federação Russa ou a ex-URSS como um Estado socialista. Os motivos para essa imprecisão seriam exatamente a falta de participação política e a falta de liberdade de expressão. Na verdade, é por essa via de pensamento que a maioria dos pensadores socialistas classificam a ex-URSS como um Estado que pratica do Capitalismo de Estado: o modelo político ali aplicado pressupunha um Estado forte, centralista e burocrata, capaz de sobreviver à competição ferrenha que era oposta pelos países capitalistas e trazida pela Guerra Fria e, o econômico privilegiava a minoria burocrática que controlava o partido em detrimento das reais necessidades da população. O fundamento desse posicionamento é o seguinte: não havendo participação popular, a União Soviética não poderia jamais ser considerada socialista, porque o "social" estaria de fora - seria como separar o "demo" de "cracia", formando um novo "ser", com novas característas; para que houvesse um Estado socialista, as decisões teriam que passar pelo crivo e serem discutidas por toda a Sociedade e, assim, estaria composto o Estado do proletariado, dos trabalhadores.

Por fim, penso que existem motivos que nos levam a pensar que a China se eleva no cenário mundial como uma potência econômica. Já faz algum tempo que vimos alertando para o desgaste das atuais politicas econômicas neoliberais, para os riscos da bolha especulativa do sistema financeiro internacional e para a dependência da política monetarista neoliberal em relação aos petro-dólares. A completa liberdade dada ao sistema financeiro e as políticas estatais monetaristas de não-intervenção e, ainda, os "consensos" neoliberais, levaram a um completo descontrole do mercado internacional; a "mão invisível" tornou-se desgovernada - uma "mão-boba", como se diz no Brasil, que mexe aonde não deve... E esta análise vem sendo veiculada exatamente no momento em que o sistema mundo de produção capitalista está diante de uma nova crise sistemica: o Fundo Monetário Internacional (FMI) já declarou que esta pode ser uma crise pior do que a da Grande Depressão dos anos de 1930 (LEIA MAIS). Ainda, analistas econômicos já encaram com grande preocupação a dependência do mercado financeiro internacional aos investimentos de países da Ásia e do Oriente Médio, nomeadamente, China e Emirados Árabes Unidos (LEIA MAIS).

Então, a questão é saber: em quanto tempo a China e/ou outros Estados serão as novas potências mundiais? Em tempo: estaremos submetidos ao mesmo modelo insustentável de exploração econômica (dos recursos naturais e humanos)? Haverá alguma (verdadeira) participação democrática?

quarta-feira, 9 de abril de 2008

As perspectivas do novo império

(Por Eduardo Magnani)

Analisando as tendências mundiais e acontecimentos recentes, considero importante um debate mais embasado em torno da China, isto porque talvez estejamos diante do país que em um futuro de médio a longo prazo ocupará o lugar dos Estados Unidos na ordem mundial e acabará por ser o “novo império”.

Obviamente, as chances são enormes de que eu não viva o suficiente para ver os chineses tomarem o lugar dos estadunidenses no palco internacional, inclusive as possibilidades são grandes de que nem mesmo meu filho possa presenciar este acontecimento. Esta afirmação anterior se dá pelo fato de que os Estados Unidos ainda possuem uma posição consolidada no âmbito mundial e tudo indica que sua decadência e desaceleração se darão de forma lenta e gradativa, o que logicamente levará muitos anos até a perda da hegemonia.


Sempre chegará o dia no qual os impérios ruirão, isso aconteceu no passado e não há motivos para acreditar que não ocorrerá no futuro. Vejo dois pontos muito claros para o declínio estadunidense, um deles é a forma pela qual é conduzida a política externa do Estados Unidos, a qual se empenha mais em exportar e forçar o american way of life aos outros povos, buscando assim o estrangulamento das culturas locais. O outro diz respeito à perda do sentimento de nação dos próprios estadunidenses, isto ocorre devido à incidência de dois fatores básicos: o primeiro diz respeito ao fato de que a juventude dos Estados Unidos está dilacerada pelos estímulos consumistas e mergulhada no consumo de drogas, o que acaba por aniquilar os laços familiares e leva à perda da educação de base. O segundo ponto é a política estadunidense em relação aos imigrantes, os quais são considerados cidadãos de “segunda categoria” e estão submetidos a pressões dos mais diversos tipos. Em resumo, não há mais nos Estados Unidos, como já ocorreu no passado deste país, um clima de integração e aceitação dos estrangeiros, assim estes não se sentem como cidadãos do país no qual habitam e assim não criam laços patrióticos.

Posto isto, devo retornar ao assunto levantado no início do texto: a China. Vejo com certa cautela e preocupação a ascensão deste país asiático no cenário mundial, isto porque, a meu ver, a China é um espécie de “caixa fechada”, da qual ainda não podemos ter a real noção do conteúdo que está guardado em seu interior.

Não quero aqui defender os Estados Unidos e seu establishment, mas me parece que não teremos muito o que comemorar quando chegar o dia em que o lugar dos estadunidenses no palco internacional for ocupado pelos chineses, isto porque o status atual da China é uma mistura do que há de pior no capitalismo e no socialismo, formando assim um regime perverso.

Do lado podre do capitalismo, a China forjou seu modelo econômico e assim vem colhendo seus grandes números de crescimento. É importante salientar que o modelo chinês se serve das práticas capitalistas mais nefastas de produção, as quais nos remetem a séculos passados e que tem por base o trabalho escravo, a exploração infantil nas indústrias, a inexistência de garantias trabalhistas, a violação constante dos direitos humanos, entre outras aberrações. Com base nesses expedientes, os chineses vêm consolidando a força de sua economia no mercado mundial e trazendo junto com ela as conseqüências de desastres ambientais e degradação da natureza.

Da parte nociva do socialismo, a China cunhou seu modelo político, praticando assim seu regime ditatorial, no qual não existem o pluripartidarismo, a liberdade de expressão, as garantias de manifestações públicas contrárias ao status quo, a oposição política em nível representativo, entre outras diversas violações de direitos e garantias fundamentais. É com tal modelo que a China conduz sua sociedade, jogando assim uma grande mordaça sobre seus cidadãos.

Não acho que no futuro sentiremos saudades do “império estadunidense” e deve ficar claro que com este texto não tenho a intenção de pregar a manutenção deste, pois os mais diversos abusos foram praticados pelos Estados Unidos da América e não tenho dúvida de que um dia a História julgará este país por suas atrocidades. Por outro lado, é com profunda inquietação que vejo a ascensão da China, pois quando esta vier a se tornar a “grande nação” da ordem mundial, possivelmente estaremos diante de um “império” mais perverso e brutal do que o anterior.

Ficam as idéias para o debate.

terça-feira, 8 de abril de 2008

"Nem tudo o que reluz é verde" - Por Boaventura de Sousa Santos

(Publicado na Visão em 25 de Outubro de 2007)

"A questão ambiental entrou finalmente no discurso público e na agenda política, o que não deixa de causar alguma surpresa aos activistas dos movimentos ecológicos, sobretudo àqueles que militam há mais tempo e se habituaram a ser apodados de utópicos e inimigos do desenvolvimento. A surpresa é tanto maior se se tiver em conta que o fenómeno não parece estar relacionado com uma intensificação extraordinária da militância ecológica. Quais, pois, as razões?

"Ao longo das últimas quatro décadas, os movimentos ecológicos foram ganhando credibilidade à medida que a investigação científica foi demonstrando que muitos dos argumentos por eles invocados se traduziam em factos indesmentíveis – a perda da biodiversidade, as chuvas ácidas, o aquecimento global, as mudanças climáticas, a escassez de água, etc. – que, a prazo, poriam em causa a sustentabilidade da vida na terra. Com isto, ampliaram-se os estratos sociais sensíveis à questão ambiental e a classe política mais esclarecida ou mais oportunista (ainda que por vezes disfarçada de sociedade civil, como é o caso de Al Gore) não perdeu a oportunidade para encontrar nessa questão um novo campo de actuação e de legitimação.

"Assim se explica o importante relatório sobre a "conta climática" de um economista nada radical, Nicholas Stern, encomendado por um político em declínio, Tony Blair. Neste processo foram "esquecidos" muitos dos argumentos dos ambientalistas, nomeadamente aqueles que punham em causa o modelo de desenvolvimento capitalista dominante. Este "esquecimento" foi fundamental para a segunda razão do actual boom ambiental: a emergência do ecologismo empresarial, das indústrias da ecologia (não necessariamente ecológicas) e, acima de tudo, dos agrocombustíveis cujos promotores preferem designar, et pour cause, como biocombustíveis.

"As reservas que os movimentos sociais (ambientalistas e outros) levantam a este último fenómeno merecem reflexão tanto mais que, tal como aconteceu antes, é bem provável que só daqui a muitos anos (tarde demais?) sejam aceites pela classe política e opinião pública. A primeira pode formular-se como uma pergunta: é de esperar que as indústrias da ecologia resolvam o problema ambiental quando é certo que a sustentabilidade económica delas depende da permanente ameaça à sustentabilidade da vida na terra?

"A eficiência ambiental dos agrocombustíveis é uma questão em aberto que, aliás, se agravará com a "segunda geração de agrocombustíveis" que, entre outras coisas, inclui a introdução de plantas (árvores) geneticamente modificadas. Por outro lado, a produção dos agrocombustíveis (cana do açúcar, soja e palma asiática) usa fertilizantes, polui os cursos de água e é já hoje uma das causas da desflorestação, da subida do preço da terra e da emergência de uma nova economia de plantação, neo-colonial e global.

"A segunda reserva está relacionada com a anterior e diz respeito ao impacto da expansão dos agrocombustíveis na produção de alimentos. No início de Setembro, o bushel de trigo (cerca de 36 litros) atingiu o preço record de 8 dólares na bolsa de mercadorias de Chicago. Más colheitas (derivadas das mudanças climáticas), o aumento da procura pela China e a Índia e a produção de agrocombustíveis foram as razões do aumento e a expectativa é de que a subida continue.

"O aumento do preço dos alimentos vai afectar desproporcionalmente populações empobrecidas dos países do Sul, pois gastam mais de 80% dos seus parcos rendimentos na alimentação. Ao decidir atribuir 7,3 biliões de dólares em subsídios para a produção de agrocombustíveis, os EUA produziram de imediato um aumento (que chegou a 400%) do preço do alimento básico dos Mexicanos, a tortilla. Reside aqui a terceira reserva: os agrocombustíveis podem vir a contribuir para a desigualdade entre países ricos e países pobres. Enquanto na UE a opção pelos agrocombustíveis corresponde, em parte, a preocupações ambientais, nos EUA a preocupação é com a diminuição da dependência do petróleo. Em qualquer dos casos, estamos perante mais uma forma de proteccionismo sob a forma de subsídios à agroindustria, e, como a produção doméstica não é de nenhum modo suficiente, é, de novo, nos países do Sul que se vão buscar as fontes de energia. Se nada for feito, repetir-se-á a maldição do petróleo: a pobreza das populações em países ricos em recursos energéticos.

"O que há a fazer? Critérios exigentes de sustentabilidade global; democratização do acesso à terra e regularização da propriedade camponesa; subordinação do agrocombustível à segurança e à soberania alimentares; novas lógicas de consumo (se a eficiência do transporte ferroviário é 11 vezes superior à dos transportes rodoviários, porque não investir apenas no primeiro?); alternativas ao mito do desenvolvimento e numa nova solidariedade do Norte para com o Sul. Neste domínio, o governo equatoriano acaba de fazer a proposta mais inovadora: renunciar à exploração do petróleo numa vasta reserva ecológica se a comunidade internacional indemnizar o país em 50% da perda de rendimentos derivados dessa renúncia."

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Boaventura de Sousa Santos: Doutorado em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (1973). Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Distinguished Legal Scholar da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick. Director do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Director do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra. Director da Revista Crítica de Ciência Sociais.

terça-feira, 1 de abril de 2008

A Doutrina de Choque: o advento do Capitalismo de Desastre

Milton Friedman, laureado com o prêmio Nobel de Economia (1976), defendeu a idéia de que os governos devem implementar medidas econômicas duras (consideradas necessárias ao livre mercado) todas as vezes que as populações fossem submetidas a choques de qualquer natureza (desastres naturais, guerras, golpes de Estado e etc.), de forma a aproveitar o estado momentâneo de desorientação a favor das medidas de liberalização da Economia (que são majoritariamente impopulares). A isso ele deu o nome de Tratamento Econômico de Choque (TEC): foi a receita principal de dezenas de governos ao redor do mundo, servindo para implantar a ideologia neoliberal da Nova Ordem Mundial.

Essa Nova Ordem Mundial, vivamente expressa no sistema mundo de produção capitalista neoliberal, colheu resultados "positivos" na desconstrução do Estado Providência (ou Estado de Bem-Estar Social), impedindo que houvessem gastos públicos e proteção social aonde quer que fosse, ao passo que as medidas monetaristas tomadas incrementaram o funcionamento de um capitalismo omnipresente em todos os cantos do mundo. O caminho para isso: a TEC e as receitas do FMI, Banco Mundial e OCDE. Um dos exemplos mais evidentes é o caso de Sumatra; logo após o tsunami que atingiu as ilhas do Oceano Índico, milhares de pescadores perderam o acesso às terras do litoral - aonde estiveram alojados por toda sua história -, vez que as mesmas foram ocupadas pela indústria hoteleira internacional; ainda, a pesca artesanal praticada por essas populações costeiras foi sumariamente substituída pela pesca industrial e predatória, ameaçando a sobrevivência extrativista (e auto-suficiente) das populações atingidas pelo desastre.

Esse e outros exemplos do "capitalismo de desastre" podem ser colhidos no vídeo a seguir. Ele é baseado no livro de Naomi Klein, intitulado The Shock Doctrine: The rise of Disaster Capitalism. É um curta-metragem que vale a pena ver e elucida uma série de questões sobre a globalização do capitalismo - que nos é empurrado "goela abaixo" e parece ser uma força invencível (mas será?).

Desta vez, os subtítulos estão em português. :-)