terça-feira, 25 de novembro de 2008

Direito de resposta de Lionel Brizola contra Rede Globo

A Rede Globo de Televisão tornou-se num dos maiores conglomerados de telecomunicações no planeta. As origens desse poder midiático remontam ao período da ditadura militar brasileira que perdurou de 1964 até 1988 -- sempre considerando que a ditadura só chegou ao fim com a Constituição de 1988, ou seja, com um novo ordenamento jurídico.

Uma das vozes que mais se opôs ao poder da Globo foi o político Lionel Brizola. O trecho do Jornal Nacional que você vai assistir agora refere-se ao direito de resposta de Brizola contra a propaganda da Rede Globo que difamou a sua imagem em 1990. Isto significa que, depois de quatro anos lutando na justiça, Lionel Brizola assegurou seu direito de resposta em cadeia nacional, no horário nobre da televisão brasileira.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Flexibilidade no trabalho e as necessárias contra-partidas

As teses que defendem a necessidade de flexibilidade dos contratos de trabalho são cínicas. Seu cinismo não está centrado na insegurança a que subtem os trabalhadores, mas ao seu alcance limitado aos trabalhadores que alferem baixos e médios salários, sem atingir outros setores do mercado de trabalhos, nomeadamente, executivos, diretores e outros cargos de alto escalão.

Com efeito, as medidas de flexibilização dos contratos de trabalho visam promover uma maior facilidade na contratação e no despedimento de trabalhadores. Essa espécie de heresia aos direitos humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (arts. 22 e ss.) é, antes de mais, uma consequência do discurso emergencial no qual se baseiam as decisões políticos nesse período pós-político. Assim, os argumentos jurídico-econômicos apresentam-se como infalíveis e aéticos, de forma a garantir a maximização de recursos e melhores resultados econômicos, que garantam a sustentabilidade da Economia.

Entretanto, as medidas de flexibilização são direcionadas apenas às partes mais fraca da cadeia de produção. Isso se dá por uma razão simples: já que o sistema privilegia ou atribui bons méritos aos profissionais com "melhor formação" (via de regra, formação acadêmica), os trabalhadores que só dispõe de sua força-de-trabalho devem continuar em situação de insegurança jurídica constante, visto que os únicos insubstituíveis são aqueles com melhores aptidões laborais. Ora, esse tipo de "meritocracia" tende apenas a agravar situações de desigualdade social, porque privilegia as classes mais abastadas, isto é, garante a continuidade dos modelos de "mérito hereditário", quer dizer, um mérito vinculado à capacidade econômica de enviar a prole às melhores escolas.

Num sistema de produção que tem a competição como um de seus pilares, para que as regras do jogo sejam minimamente justas, é preciso garantir: 1) acesso gratuito, amplo e irrestrito aos mesmos níveis de Educação, com o consequente fim de instituições de ensino privadas; 2) gratuidade total do ensino, nela inclusa o acesso à livros e material de apoio; 3) nivelação salarial para todos os tipos de cargo, independente do tipo de trabalho, para que o "mérito" seja remunerado em consonância com a dedicação pelo trabalho, e não apenas à aptidão para o exercício do trabalho; 4) em nível da OMC, um tratado internacional que estabeleça a proibição de comércio com países que não garantam a mínima proteção social aos trabalhadores, que empreguem trabalho escravo ou semi-escravo, que tolerem o trabalho infantil e que não possuam sistemas de proteção ao desemprego e assistência social mínimos; 5) uma moratória sobre a dívida interna e externa dos países em desenvolvimento e sub-desenvolvidos, para que possam estruturar suas economias de forma a elevar seus padrões de bem-estar social, garantindo justiça social em nível global; 6) a implementação do imposto TOBIN (ou outra solução similar), que incida sobre as operações financeiras de curto e médio prazo, dando total isenção fiscal aos investimentos financeiros com prazos de recapitalização de 20 anos ou mais.

Essas são medidas para se acabar com privilégios. Se os trabalhadores têm que abrir mão de seus direitos, em função dos imperativos econômicos, os empresários devem perder seus privilégios, para que se estabeleça um modelo mais justo de normatização econômica. Se tem que haver flexibilidade de normas sociais, deve haver também a flexibilização de normas anti-sociais, nomeadamente daquelas que protegem as grandes fortunas e os grandes monopólios.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Soberania territorial relativa

A soberania territorial no Brasil é relativa. Digo isso porque constatei que existe uma variação da força do princípio jurídico em questão, quando a idéia é observada em situações diferentes. Para ilustrar essa hipótese, oferto dois exemplos.

O primeiro dado é a controvérsia sobre a Reserva da Raposa Serra do Sol, no Estado do Pará*. Ali, alguns grupos indígenas começaram a reivindicar autonomia territorial. Isso causou um reboliço sem precedentes, com o apelo à defesa da soberania do território nacional em região fronteiriça, além de todo o apelo midiático necessário para causar uma das maiores polêmicas de todos os tempos, com uma propaganda propositadamente negativa ao direito de auto-afirmação dos povos indígenas.

O segundo dado é a "mais-que-perfeita" e bem-vinda alienação dos terrenos da costa brasileira a centenas de empresas e pessoas estrangeiras, quer para a construção de hotéis e resorts, quer à construção de casas de veraneio. Desse segundo aspecto nada se fala ou pouco se houve na mídia, já que há o enriquecimento das classes sociais que são proprietárias de terras, ainda que muitas vezes essas vendas sejam ilegais e acarretem na desocupação de populações praianas que habitam o litoral brasileiro sem um "justo título" de propriedade dessas terras.

Portanto, é mais que possível afirmar que o princípio da soberania territorial é relativo. A relatividade desse princípio depende dos interesses econômicos das classes sociais que controlam a propriedade da terra: o princípio da soberania é mais rígido quando os interesses forem democrático-distributivos, e mais flexível quando os interesses foram despóticos e concentradores de riqueza.

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* Errei: Fica no Estado de Roraima, conforme orienta o colega Léo, no comentário.

Orgulho do Brasil

Tem circulado na internet um email clamando por um orgulho pelo Brasil, pregando o amor por ser brasileiro. Nada contra. Sentir-se parte de algo, ou lutar por ter uma identidade é uma das características mais simplórias da humanidade. Porém, as coisas ganham outra dimensão quando esse tipo de apelo se reveste de um cariz nacionalista - aí as opiniões ficam um pouco mais melindrosas.

O teor do email não é nada ofensivo. Apenas mostra, de forma bem contundente, aquilo que todo brasileiro desconfia, mas não tem certeza; mostra o quanto o Brasil é um país rico e poderoso. O engraçado é que, colocando os recursos naturais em segundo lugar, o texto faz um apelo pelo progresso que o País atingiu no plano industrial, isto é, pinta um cenário até certo ponto bastante realista sobre a atual economia nacional.

Entretanto, o que o texto do email não deixa claro é que, mesmo sendo um país que tem tido bons resultados econômicos diante de seus desafios desenvolvimentistas, só a pouco é que essa industrialização começou a se espalhar pelo território nacional. Até bem pouco tempo, talvez anos 1980, era comum a migração interna de milhões de pessoas, fugidas da miséria e da pobreza do sertão nordestino, em busca de uma vida melhor (nas favelas) no Sul do País.

Outro fato que o texto ignora é que os avanços industriais sacrificam de forma absurda os recursos naturais, pela simples razão de que é impossível haver crescimento econômico sem a delapidação de recursos naturais -- o sistema de produção é invariavelmente concebido para transformar recursos naturais em recursos econômicos e, por isso, a destruição ambiental.

Ainda, o que aquele email não esclarece é que os movimentos sociais que hoje ocorrem no Brasil têm por objetivo democratizar diversas partes dessa nova e bem sucedida economia: democratizar o acesso à terra e às funções estatais (Legislativo, Judiciário e Executivo); viabilizar políticas sociais, fazendo com que elas "saiam do papel" e se tornem efetivas.

o texto não explica porquê a corrupção e a mafiocracia brasileiras impedem ou dificultam o exercício da cidadania. Não fica claro porque a corrupção indigna os milhões de brasileiros que labutam "7 dias por semana" e porque uma minoria controla não só o Poder social, mas todos os recursos produtivos. Nem diz porquê é tão importante alienar e afastar o povo do real exercício do Poder democrático.

Mais importante ainda, o(s) autor(es) do texto esqueceram-se de explicar que existem milhões de pessoas (a maioria delas jovens e crianças) sem a menor oportunidade de participar nesse sucesso econômico, seja por não possuírem os graus mínimos de educação formal para entrar no mercado de trabalho, seja porque a própria lógica do mercado de trabalho torna impraticável absorver todas essas pessoas na produção de bens, produtos e serviços. O que implica dizer que, para cada "cidadão de bens", devem existir necessariamente milhares de pessoas sem possibilidade de adquirir esses bens ou riquezas sociais.

É. haviam muitas brechas naquele texto, que me fizeram pensar sobre muitas coisas. Mas o que me deixa mais preocupado é ver renascer e ganhar força ao redor do País a idéia de que é preciso mais ordem, mais rigor, através de discursos do tipo "linha dura", que apostam num progresso cego e anti-social. Não podemos nos esquecer que a ditadura acabou a menos de uma geração atrás, e que se ela um dia existiu é porque havia conivência/conluio entre o comando e certos setores sociais (principalmente a classe média, que é quase-que-obrigatoriamente reacionária).

Eu penso que os motivos para se ter orgulho do Brasil são outros. Penso que todo brasileiro deve ter orgulho, primeiro, por finalmente ser possível protestar contra o exercício arbitrário do Poder e contra a corrupção da classe política. Festejar porque é possível clamar por justiça social, através de manifestações na rua -- mesmo que para isso seja necessário quebrar o "direito sagrado da propriedade" e importunar a ordem estabelecida. Agradecer, dia após dia, o direito de manifestar o pensamento -- por mais absurdo que seja --, porque a liberdade e expressão é um direito humano universal e inalienável.

Finalmente, soa um bocado estranho ter "orgulho do Brasil". Afinal, sentimento tão nobre não deveria ser desperdiçado sobre coisas, ainda mais quando essas coisas são meras abstrações. O Brasil não existe. O que existe é um povo, que habita um determinado território e luta por definir uma identidade qualquer, há mais de 500 anos.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

União sagrada para a vigarice sagrada - por Éric Toussaint*

(Este artigo encontra-se em http://resistir.info/)

"O salvamento dos bancos e dos seguros privados realizado em setembro-outubro de 2008 constitui uma escolha política forte que não tinha nada de inelutável e que compromete o futuro em vários níveis decisivos.

"Em primeiro lugar, o custo da operação fica inteiramente a cargo dos poderes públicos, o que implicará um aumento muito importante da dívida pública[1]. A crise capitalista atual, que durará ao menos vários anos, até mesmo uma dezena de anos[2], vai implicar uma redução das receitas do Estado enquanto aumentarão os seus encargos ligados ao reembolso da dívida. Em consequência, as pressões para reduzir as despesas sociais vão ser muito fortes.

"Os governos da América do Norte e da Europa substituíram um andaime balouçante de dívidas privadas por uma montagem esmagadora de dívidas públicas. Segundo o banco Barclays, os governos europeus da zona euro em 2009 vão emitir novos títulos de dívida pública num montante que deveria atingir 925 bilhões de euros [3] . É uma soma colossal, sem contar as novas emissões de títulos do Tesouro pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Japão, Canadá, etc. Entretanto, até recentemente, havia um consenso desses mesmos governos no sentido de reduzir a dívida pública. Os partidos da direita, do centro e da esquerda tradicional apoiaram todos a política de salvamento favorável aos grandes acionistas sob o pretexto falacioso de que não havia outras soluções para proteger a poupança da população e o funcionamento do sistema de crédito.

"Esta união sagrada significa a transferência da fatura à maioria da população, que será convidada a pagar as travessuras dos capitalistas sob diferentes formas: redução dos serviços que o Estado fornece à população, perdas de emprego, baixa do poder de compra, aumento das contribuições dos pacientes para os cuidados de saúde, dos pais para a educação dos filhos, redução dos investimentos públicos... e um aumento dos impostos indiretos.

"Como são financiadas atualmente as operações de salvamento que estão em curso na América do Norte e na Europa? O Estado contribui com dinheiro fresco para bancos e seguradoras à beira da falência, seja sob a forma de recapitalização seja sob a forma de compra dos ativos tóxicos das empresas referidas. O que fazem os bancos e as seguradoras com esse dinheiro fresco? Essencialmente, eles compram ativos seguros para substituir ativos tóxicos no seu balanço. Quais são os ativos mais seguros neste momento? Os títulos da dívida pública emitidos pelos Estados dos países mais industrializados (títulos do Tesouro dos EUA, da Alemanha, da França, da Bélgica...).

"A fivela está afivelada: o Estado dá dinheiro às instituições financeiras privadas (Fortis, Dexia, ING, bancos franceses, britânicos, norte-americanos...). Para fazer isso, os Estados emitem títulos do Tesouro público que são subscritos por esses mesmos bancos e seguradoras, que são mantidos no setor privado (pois o Estado não pediu que o capital que ele concede lhe dê o direito de tomar as decisões, nem mesmo de participar nas votações) e que fazem novos lucros emprestando o dinheiro fresco que acabam de receber dos Estados[4],a esses mesmos Estados, exigindo naturalmente um juro máximo...

"Essa enorme vigarice em curso beneficia-se da lei do silêncio. A omerta está em vigor entre os principais protagonistas: governos, banqueiros ladrões, seguradoras rufiãs. Os grandes media evitam cuidadosamente analisar até o fim o mecanismo de financiamento das operações de salvamento. Eles demoram-se nos pormenores: a árvore que esconde a floresta. Exemplo: a grande questão que se coloca na Bélgica a propósito do financiamento da recapitalização do Fortis, que fica sob o controle do BNP Paribas, é a seguinte: quanto valerá a acção do Fortis em 2012 quando o Estado que se tornou comprador poderá revendê-la? Naturalmente, ninguém pode responder seriamente a essa questão, mas isso não impede a imprensa de a ela consagrar páginas inteiras. Isto permite desviar a atenção. A filosofia e o mecanismo da operação de salvamento não são analisadas. Será preciso esperar que, graças à operação conjugada dos media alternativos, das organizações de cidadãos, das delegações sindicais e dos partidos políticos da esquerda radical[5], essa grande vigarice venha a ser compreendida por uma parte crescente da população e denunciada. Isso não será fácil, uma vez que o alarido é considerável.

"À medida em que a crise se agravar nascerá um profundo mal-estar que se transformará em desafio político em relação aos governos que realizaram esse tipo de operação. Se o jogo político prosseguir sem grande perturbação, os governos de direita hoje no poder serão substituídos por governos de centro-esquerda que prosseguirão uma política social-liberal. Da mesma forma, os atuais governos sociais-liberais serão substituídos por governos de direita. Cada um por sua vez, eles criticarão a gestão dos seus antecessores afirmando que esvaziaram os cofres do Estado[6] e que não há margem de manobra para concessões às reivindicações sociais.

"Não há nada de inelutável em político. Um outro cenário é inteiramente possível. Primeiro, é preciso afirmar que se pode perfeitamente salvar a poupança dos cidadãos e o sistema de crédito de uma outra maneira. Pode-se assegurar a proteção da poupança da população graças à colocação sob estatuto público das empresas de crédito e de seguros à beira da falência. Por outras palavras, trata-se de as estatizar ou de as nacionalizar. Isso significa que o Estado que se torna proprietário garante a responsabilidade da sua gestão. A fim de evitar que o custo desta operação recaia sobre a esmagadora maioria da população que não tem nenhuma responsabilidade na crise, os poderes públicos devem fazer pagar aqueles que estão na origem desta. Basta recuperar o custo do salvamento das empresas afetadas tomando um montante igual do patrimônio dos grandes acionistas e dos administradores. Evidentemente, isso implica levar em conta o conjunto desses patrimônios e não apenas a parte saída das sociedades financeiras em falência.

"O Estado deve igualmente iniciar processos legais contra os acionistas e os administradores responsáveis pelo desastre financeiro, a fim de obter ao mesmo tempo reparações financeiras (que vão para além do custo imediato do salvamento) e condenações a penas de prisão se a culpabilidade for demonstrada. É preciso também tomar um imposto de crise sobre o grande capital a fim de financiar um fundo de solidariedade para as vítimas da crise (nomeadamente os desempregados) e para criar emprego em setores úteis para a sociedade.

"Numerosas medidas complementares são necessárias: abertura da contabilidade das empresas com direito de vista às organizações sindicais, levantamento do segredo bancário, proibição dos paraísos fiscais a começar pela proibição às empresas de ter qualquer transação ou ativo que seja com ou num paraíso fiscal, imposto progressivo sobre as transações em divisas e sobre os produtos derivados, instauração do controle sobre os movimentos de capitais e sobre os câmbios, travagem de toda nova medida de desregulamentação/liberalização dos mercados e dos serviços públicos, retorno a serviços públicos de qualidade... O agravamento da crise remeterá à ordem do dia a questão da transferência de setores industriais e de serviços privados para o setor público, assim como a questão da execução de planos vastos para a criação de empregos.

"Tudo isso permitiria sair desta crise grave pelo alto, a saber, levando em conta o interesses das populações. Trata-se de reunir as energias para criar uma relação de forças favorável à colocação em prática das soluções radicais que têm como prioridade a justiça social."

- Notas:

"|1| Do lado dos governos e da Comissão Européia, no entanto encarregada de velar pelo respeito às normas de Maastricht, evita-se cuidadosamente o assunto. Quando os jornalistas se tornam realmente insistente, o que é muito raro, é-lhes respondido que não se tinha escolha. É preciso também precisar que vários governos realizam, tal como os bancos falidos, operações fora do balanço ou fora do orçamento a fim de dissimular o montante exato das suas obrigações em termos de dívidas publicas.

"|2| Pode-se comparar com a crise em que se debateu o Japão a partir do princípio dos anos 1990 e de que ele saiu só quando esta crise o atingiu com plena intensidade.

"|3| Segundo o Barclays, esta soma seria repartida como se segue: 238 bilhões para a Alemanha, 220 bilhões para a Itália, 175 bilhões para a França, 80 bilhões para a Espanha, 69,5 bilhões para os Países Baixos, 53 bilhões para a Grécia, 32 bilhões para a Áustria, 24 bilhões para a Bélgica, 15 bilhões para a Irlanda e 12 bilhões para Portugal.

"|4| Naturalmente, o dinheiro fresco oferecido pelo Estado não será utilizado unicamente para a compra de títulos do Tesouro, servirá igualmente para novas reestruturações bancárias assim como para o lucro direto dos bancos.

"|5| Esperemos que se possa contar igualmente com parlamentares que façam sua tarefa e com jornalistas que nos grandes media desejem realmente analisar de modo crítico a maneira como o salvamento bancário é até agora realizado.

"|6| Eles poderiam denunciar isto ou tentar agir desde já no interior das instituições parlamentares. Se não o fazem, então é evidente que sabem perfeitamente que a dívida pública vai aumentar fortemente, é que eles concordam com a orientação escolhida. De fato, eles escolheram a união sagrada que romperão com o aproximar das eleições."

(O original encontra-se em http://www.cadtm.org/spip.php?article3845)

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* Éric Toussaint é presidente do Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo da Belgique (CADTM); é formado em história e doutor em ciências politicas pela Universidade de Liège (ULg) e de Paris VIII; é membro do conselho científico de Attac France, da rede científica de Attac Belgique e do conselho internacional do Forum Social Mundial; também é membro do comitê internacional da Quarta Internacional e da sua seção belga (LCR-SAP).

O discurso da crise

A "nova" crise econômica global é um problema retórico. Apesar da propaganda que é feita em torno do atual downturn, a recessão econômica anunciada atinge apenas a parcela mais frágil das Sociedades, qual seja, os trabalhadores. Essa é uma análise prática da situação, tendo em vista o bail-out do sistema financeiro e os subsídios conferidos às multinacionais européias e norte-americanas.

Na composição desse cenário, o G20 representa uma reorganização da geopolítica mundial que não significa necessariamente uma democratização do sistema de produção econômica, mas o fortalecimento das atuais estruturas de controle social. Isso porque embora um maior número de países tomem parte nas negociações internacionais sobre as movimentações comerciais e financeiras e isso signifique uma melhoria das condições de produção e comércio, o comando e as diretrizes gerais ainda continuam a ser impostas pelos países do Norte, contra os interesses das populações do Sul. Isso quer dizer que o papel dos irmãos pobres do Sul continua a ser o de produzir para satisfazer as demandas dos irmãos ricos do Norte -- inclusive, com a mantuenção do sistema de classes sociais no interior dos países periféricos e semi-periféricos.

É pertinente ainda afirmar que a globalização cultural remodelou o conceito de classes sociais e diluiu a questão identitária nessa recomposição. Isso significa que a aculturação do novo modelo de organização social é estabelecida através de novas hierarquias no sistema de pertença cultural, deslocando o eixo identitário através do tipo de mensagem/mídia (internet, imprensa, rádio, televisão) e, sendo esta sociedade global uma "sociedade de informação em rede", a antiga exclusão econômica (a nível laboral) agora surge como exclusão tecnológica (a nível informático). Assim, enquanto não forem estabelecidas novas formas de resistência e contra-cultura, não será possível oferecer ações sociais suficientemente fortes, visto que o processo de colonização das novas mídias segue a lógica TOP-DOWN.

A conjugação dos dois fatores acima delineados (econômico e tecnológico) é crucial para perceber porque a atual crise é um falso problema, isto é, uma estratégia discursiva. Primeiro, porque a externalização dos prejuízos financeiros provocados pela expeculação capitalista revela uma socialização do ônus, ou seja, as empresas e agentes econômicos empurram a responsabilidade pelo pagamento das dívidas ao Estado, e este repassa os dividendos ao público, em forma de impostos e aumento da dívida pública. Segundo, porque a recuperação financeira não impede que as empresas e agentes financeiros continuem a garantir lucros e fortalecer posições de monopólio e cartel, como se evidencia nos despedimentos coletivos em nível global e no aumento dos preços ao consumidor. Terceiro e não menos importante é pensar que essas estratégias discursivas são bem sucedidas porque tem a sua disposição as mídias dominantes, sendo certo afirmar que, se a mídia é a mensagem, a mensagem (o conteúdo a ser apreciado e publicamente valorado) será sempre aquilo determinado pelos grandes canais de comunicação global -- sejam eles os grandes portais e/ou os grandes grupos de comunicação multinacionais).

Portanto, o que se pode observar é que a "nova" crise não passa de uma repetição, ou um ciclo dentro de um novo contexto, num mesmo sistema ideológico. A socialização dos prejuízos financeiros causados por bancos e outras instituições, associada à estagflação já anunciada (inflação + queda na produção + desemprego) é um duro golpe contra a democracia, ainda quando se pensa na impunidade e anistia que é dada aos mais ricos, em detrimento do castigo dos mais vulneráveis.

sábado, 15 de novembro de 2008

Change: yes, we could...

Não me lembro de ter acompanhado um mote tão bem elaborado na política dos últimos 10 anos como o de Barack Obama: "Change: yes we can!". Inspirador, popular e ... demagógico? Qual é a real mudança que virá deste governo?

Na área da defesa, praticamente nenhuma, vez que as intervenções militares ao redor do planeta continuarão -- pelo menos é o que está previsto para o Iraque e Afeganistão. Inclusive porque Barack Obama irá manter em seus atuais cargos: Colin Powell, Robert Gates -- Secretário de Defesa e Chefe do Estado-maior, respectivamente.

Mas as continuidades não param por aí. No discurso após a reunião com o G20, Bush discursa -- com seu sotaque texano e a inteligência de uma ameba --, afirmando que o objetivo final daquela reunião seria garantir o livre mercado. Hum... Obama, de Chicago, apoia. E a regulamentação global do mercado financeiro? Fica para depois, talvez.

Contudo, não estranhe, prezado e surpreso leitor. Isso tudo é muito normal. Faz parte de uma estratégia simples, na qual os eleitos representam um determinado papel, que é escrito nos bastidores por hábeis analistas e intelectuais, tudo para o benefício geral da(s) nação(ões).

Change, well... Yes, you should, but you won't.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

"Diga não às drogas" - trecho de palestra com Thomas Szasz

Thomas Szasz vem causando uma enorme controvérsia nos meios psiquiátricos norte-americanos. Esse psicanalista de 88 anos é um dos responsáveis pelas mais abrasivas e bem orientadas críticas contra o tratamento de crianças "diagnosticadas" com TDA (Transtorno com Déficit de Atenção com Hiperatividade). Com área de interesse bastante ampla, seus trabalhos envolvem psiquiatria forense, psicologia, Direito e Filosofia -- mas seu foco dos últimos anos incide sobre a luta contra a administração de drogas em crianças.

De acordo com os acadêmicos e investigadores do ramo da psiquiatria, o TDA ou DDA -- Distúrbio de Défict de Atenção, como também é chamada essa "doença" -- atinge de uma média de 4% das crianças em idade escolar, e dizem os cientistas médicos que essa disfunção cerebral é responsável pelo comportamento de inquietude, falta de concentração e impulsividade em crianças. Nos Estados Unidos da América é comum a administração de cloridrato de metilfenidato (comercializado com o nome de "Ritalina"); isso significa que existem, hoje, milhões de crianças a tomar o tal medicamento, por serem "inquietas, desatentas e impulsivas".

Confesso que nunca tinha dado a devida atenção a um assunto tão sério. O que me causa um profundo desconforto é que a padronização social está começando cada vez mais cedo e colocando em risco a saúde e o bem estar de crianças, não só nos EUA, mas no Brasil e ao redor do mundo. Causa-me grande espanto, nesse contexto, observar que a sala de aula, que deveria ser um espaço de convivência e construção de personalidade, está se convertendo dia-a-dia numa extensão da indústria, do escritório, do consultório psiquiátrico, enfim, tornou-se o lugar de excelência ao controle e domínio sobre a liberdade dos infantes.

O sistema de "aprendizado em massa" que colocamos à disposição dos infantes está sendo subvertido num sistema de controle disciplinar desnecessariamente perigoso ao desenvolvimento de cidadãos sadios e equilibrados. O que quero dizer com isso é que, privadas de espaços amplos e verdes, as crianças precisam descarregar suas energias de alguma forma, e a escola seria o melhor lugar para isso, obviamente pela rara oportunidade diária de reunião entre centenas de indivíduos em formação.

Nos dias que correm, é correto afirmar que a maioria das crianças vivem "aprisionadas" dentro de casa, ou nos condomínios fechados, estando cada vez mais privadas de espaços públicos pela violência e, se isso não bastasse, privadas da presença e do acompanhamento familiar. A vida agitada, as longas jornadas de trabalho dos adultos -- e o inevitável cansaço --, os problemas financeiros (...), todos esses fatores da vida familiar têm influência no comportamento de uma criança -- e a escola é o palco aonde esses pequenos atores interagem com outros adultos (professores e funcionários que exercem o controle sócio- disciplinar) e outras crianças e exteriorizam suas emoções e, algumas vezes, piores demônios.

Não posso deixar de dizer que esse é um cenário bizarro. Antigamente, talvez ainda no tempo de meus pais, os alunos mal comportados eram castigados com a palmatória ou a régua do(a) professor(a). Hoje, drogam-se os alunos. Isso é um absurdo! É natural que isso cause indignação até nas pessoas mais insensíveis.

No final das contas, quem sai lucrando com isso é a poderosa indústria farmacêutica, com suas mil e uma pílulas. Ironicamente, sou levado a crer que no futuro próximo seremos todos obrigados a tomar algum tipo de droga, todas as vezes que formos diagnosticados como "tristes", ou "felizes demais", ou qualquer outro comportamento considerado "inadequado".

Antes de queremos ter crianças competentes, deveríamos querê-las contentes. Assim, junto ao vídeo com o trecho da palestra de Szasz, reproduzo o seguinte pensamento: criança feliz é criança danada, livre, brincalhona, energética e "bagunceira".


(Ao meu amigo Zé Luis)

sábado, 8 de novembro de 2008

A branquitude ressentida e Barack Obama - por Lourenço Cardoso*

A branquitude ressentida e Barack Obama, ouse a raça não é importante depende de quem diz.


Barack Obama foi o primeiro negro eleito presidente dos Estados Unidos. Em sua campanha, procurou desvincular sua imagem da idéia de raça. No jogo das identidades, apelou para sua identidade nacional, distanciando-se da identidade racial.

O senador argumentou que era mestiço: filho de mãe branca americana e pai negro africano. A idéia implícita que o então senador procurou passar durante o desenrolar da disputa eleitoral foi que a raça não era importante. Enquanto candidato, ambicionou tanto os votos dos brancos, quanto dos negros, assim como todos os políticos, procurou angariar votos sem distinção.

Entretanto, pergunta-se: será que a raça não é realmente importante? Se a raça não fosse relevante, por que o senador Barack Obama teve que enfatizar esse recado de maneira direta e inequívoca e, também muitas vezes, de forma implícita? Talvez mais adequado seria o senador sustentar que a idéia de raça não deveria ser considerada relevante, ou seja, no sentido de ser um fator de vantagem e desvantagem. A maioria dos negros norte-americanos votou em Barack Obama; negros que são pessoas distintas, inclusive pertencentes ao Partido Republicano, que também teve a maioria de seus votos provenientes de eleitores latinos, isto é, voto étnico. Portanto o resultado apontado na apuração indicou os dados racial e étnico como elementos significativos que influenciaram a escolha do novo chefe do executivo norte-americano.

Em sua campanha, quando o Barack Obama "falou" ou se "calou" estrategicamente sobre sua pertença racial, sua intenção seria justamente de não perder votos porque é negro. Todavia, aceitou de bom grado os votos recebidos por causa de sua pertença racial. O candidato eleito Barack Obama foi considerado negro aos olhos da opinião pública mundial, especialmente por causa das imagens e notícias veiculadas pela mídia, apesar de ter se esquivado dessa identidade racial, durante o decorrer de sua campanha.

A branquitude -- ou a identidade racial branca (1) --, sempre se vangloriou de sua condição de poder imanentemente superior. Neste momento, com a vitória de Barack Obama, a branquitude começa a tomar também para si o argumento de que a raça não é importante. Porém, trata-se de uma branquitude ressentida, que passa a sustentar esse discurso porque não suporta ver, ou pior, por ser obrigada a obedecer a um negro que se encontra num nível hierárquico superior -- aquele ocupado historicamente por brancos.

Por isso, a partir de agora, ouvir-se-á muitas vezes da "boca" da branquitude um novo discurso, de que "o negro não seria negro, assim como branco não seria branco", porque "a raça não existe". Contudo, no íntimo, a branquitude ressentida simplesmente não admite estar num patamar inferior ao negro. Até o presente momento na história norte-americana, nenhum presidente necessitou deparar-se com a idéia de raça presente e persistente, a todo instante em sua campanha, de forma direta ou indireta. Logo, o argumento de que a raça não é importante possui intenções diferentes, que dependerá muito da pessoa, ou grupo que o professa.

Nesta perspectiva da abolição do conceito de raça, destaca-se o intelectual Paul Gilroy (2). Esse autor propõe o abandono da utilização política e analítica da idéia raça, porque esse seria o melhor caminho para o fim do racismo, levando-se em consideração que a raça não deixa de ser uma idéia que o opressor inventou.

No caso da branquitude ressentida, a idéia de que a raça não existe seria defendida por causa da sensação de incômodo do branco, que entra em crise quando se depara com um negro num cargo de maior poder e prestígio -- a posição que o branco sempre ocupou. A convincente vitória eleitoral de Barack Obama expõe essa branquitude ressentida. Nos Estados Unidos, ela poderá ser encontrada expressa nos discursos dos brancos eleitores, ou simpatizantes do Partido Republicano que apoiaram candidato republicano e senador branco John MacCain.

O presidente "negro" (ou talvez "mestiço") Sr. Barack Obama também expõe a branquitude revoltada, expressa na branquitude acrítica (3). Essa branquitude revoltada é representada pelos brancos que aprovam o racismo publicamente, como por exemplo, os membros dos grupos neonazistas e da Ku, Klux, Klan -- gurpos que já ameaçam assassinar Barack Obama. Simplesmente porque ele seria negro. Ou, talvez, por ser mestiço que possui uma parte negra, fato para eles inaceitável. Ou, porque sendo eles "brancos puros" seriam, por isso, os únicos cidadãos autenticamente estadunidenses.

* Notas

(1) Acerca da branquitude, ver: CARDOSO, Lourenço (2008). O branco "invisível": um estudo sobre a emergência da branquitude nas pesquisas sobre as relações raciais no Brasil (1957-2007). Dissertação de mestrado, Faculdade de Economia e Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Ainda: CARONE, Iray e BENTO, Maria Aparecida da Silva (org.) (2002). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes.

(2) Acerca do fim da idéia de raça proposto por Paul Gilroy, veja: GILROY, Paul (1998). Race ends here. Abingdon, Oxford: Ethnic and racial studies, vol. XXI, nº 5, 838-847.

(3) Acerca da branquitude acritíca, pode-se colher um estudo mais aprofundado em: CARDOSO (2008), pp. 178-180.

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Lourenço Cardoso nasceu na capital de São Paulo, Brasil. Formado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra (UC). É escritor e ativista do movimento negro. Suas principais áreas de interesse são relações raciais e literatura. Escreveu alguns trabalhos dentre os quais: O branco "invisível": um estudo sobre a emergência da branquitude nas pesquisas sobre as relações raciais no Brasil (1957-2007) [dissertação de mestrado]; o livro de poesia "O peso do Mundo", São Paulo, Edição do Autor, 2002, e as peças teatrais: "Preto", "Assassinaram o canalha" e "Perdoe o filha da puta" (no prelo). Também participou das antologias poéticas: "Revista Oficina de Poesia" Viseu: Palimage Editora, 2006; "Revista Oficina de Poesia: 10 Anos" Viseu: Palimage Editora, 2006; QUILOMBHOJE (org.) Cadernos Negros Volume 29. São Paulo: Autores, 2006.

Cinema, política e globalização - entrevista com Slavoj Zizek

Uma rápida mas imperdível entrevista com Slavoj Zizek.

Zizek é um psicanalista ioguslávio (esloveno) e professor de Sociologia na European Graduate School. Este pensador vem ganhando cada vez mais notoriedade na mídia global, vez que sua linha de pesquisa aborda temas que envolvem psicanálise, teoria política (marxismo), economia e artes, de maneira transversal e interconectada .

Vale a pena assistir (dublado em português).

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

A vida privada dos representantes públicos

É cediça a confusão entre a vida pública e a vida privada dos representantes públicos. Homens e mulheres de governo estão sempre sujeitos à execração popular até mesmo por causa da mais banal das atitudes. Isso se dá pela idéia pérfida de que esses homens e mulheres são os "melhores exemplos" da Sociedade e devem, por essa razão, cultivar os melhores hábitos e zelar pelos bons costumes.

Ledo engano, esse hábito de mistura entre o caráter particular (privado) com o exercício das atribuições políticas de um indivíduo não encontra convergência, a não ser em casos excepcionais. No geral, tais espectativas são nada mais do que 1) uma válvula de escape às pressões cotidianas da população e 2) ferramenta à disposição de políticos oportunistas.

Existem casos em que o fenômeno sob escrutínio torna-se ridículo, levando às situações mais esdrúxulas: desde o profundo debate sobre qual seria a correta utilização dos charutos na Sala Oval da Casa Branca, até à nova e seríssima discussão sobre a raça do novo cão das filhas do recém-eleito presidente dos EUA.

Porém, antes que o incauto leitor comece a se debater sobre dúvidas terríveis -- em lembrar do "caso dos charutos", ou em saber se os Obama deveriam optar por um labrador, ou por um chiuaua --, deve pensar o que esse fenômeno significa. Significa que, diante da popularidade de certas figuras públicas (ou pessoas que representam um papel no grande palco social), existe um apelo emocional por uma participação concreta e real na vida cívica.

Ao que tudo indica, nessa mistura (confusão) ou interrelação dinâmica público-privado, o eleitor quer e tenta a todo custo manter uma ligação viceral com o candidato, o que revela um processo de sublimação: ele troca a participação na gestão da coisa pública pela participação na gestão dos atos do gestor -- afinal, ele é um mandatário.

Essa dinâmica mereceria um estudo mais sério e aprofundado, por revelar a existência de diversos atores sociais e porque cada um desses atores é detentor de um conjunto próprio de interesses. A conjugação desse amálgama de forças e interações cria o conhecido "jogo político", e é sobre aquele processo de sublimação que também atuam os diversos grupos de pressão.

A história registra muito bem o uso da imagem privada de candidatos contra as suas candidaturas: nas eleições presidenciais brasileiras de 1989 (Collor vs. Lula) e de 2006 (Serra vs. Lula); nas eleições presidenciais norte-americanas de 2000 (Bush vs. McCain) e de 2008 (McCain vs. Obama). Contudo, nem sempre quem se mete na vida alheia (ou mente) sai vitorioso... Talvez porque o povo às vezes se compadece do candidato atacado, ou talvez porque se não perdoar aquele pecador, pode não ter o seu pecado perdoado.

Assim, acalentada pela hipocrisia cultural de cada povo, o representante político segue seu caminho, ao ritmo da promiscuidade aditada a sua vida. E no rumo da bisbilhotice, fica o recado para os próximos candidatos: "quem não pode com o pote, não segure na roudilha".

terça-feira, 4 de novembro de 2008

O meio ambiente da corrupção no Ceará

Os livros de História já ilustram o perfil predatório da ocupação do solo no Brasil. De Pedro Álvares Cabral ao Governo Lula, do litoral à floresta, do sertão da catinga ao pantanal, colonizadores e colonos substituem-se na atividade que tornou "viável" a ocupação do território brasileiro: a depredação dos recursos naturais. 

Nesse contexto, a história do Município de Fortaleza (CE) não é diferente. De todos os lados, surgem relatos sobre a devastação de reservas ambientais: a destruição das dunas da Praia do Futuro; a desmatação do manguezal do Rio Cocó; urbanização e poluição da Beira Mar, etc. O que se passa na Capital também ilustra o que ocorre no resto do Estado: urbanização da Lagoa do Banana; depredação de Jijoca e Jericoacoara; a destruição das reservas florestais da Serra da Ibiapaba, Ubajara, Maranguape, etc. Esta semana, a "Operação Marambaia" da Polícia Federal levou à captura de meia dezena de funcionários públicos que estariam envolvidos em esquemas imobiliários irregulares e ilegais (leia mais aqui).

A depredação ambiental enriqueceu e continua a garantir o enriquecimento ilícito de diversas pessoas que trabalham no setor imobiliário cearense. Não são poucas as histórias de pessoas que aumentaram seu patrimônio de maneira exponencial às custas da natureza, e também não é de hoje que a Sociedade cobra ações concretas e eficientes na proteção ambiental. Ao que tudo indica, a única forma viável de crescimento econômico é a utilização indiscriminada e insustentável do meio ambiente. Diretamente proporcional à destruição do meio ambiente está a ação corrupta/criminosa de represetantes e agentes públicos - daqueles que teriam a incumbência de gerir a coisa pública e, especificamente, o patrimônio ambiental.

Entretanto, pouco ou nada se falou acerca dos corruptores, isto é, dos empresários e particulares que financiaram esses esquemas e, consequentemente, obtiveram os alvarás e autorizações para construir seus empreendimentos nas zonas ecológicas protegidas. Dessa forma, ainda há trabalho por fazer. É evidente que as autoridades públicas devam ser responsabilizadas (civil, criminal e administrativamente). Mas também é preciso que a Polícia Federal amplie suas investigações, para que todas as corretoras e imobiliárias que estiveram envolvidas nesses esquemas criminosos sejam devidamente processadas e julgadas. 

Finalmente, no julgamento da culpabilidade desses atores anti-sociais, as penas aplicadas devem ser conter elevadas multas, além de outras sanções, não só para desencorajar a reicidência, mas para impedir que essas pessoas voltem a exercer a atividade econômica em questão. A pergunta é: a cultura jurídica cearense estará à altura desse desafio?