Mostrando postagens com marcador armas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador armas. Mostrar todas as postagens

sábado, 21 de outubro de 2023

A Tzar Bomba: dois olhares acerca de um problema físico-nuclear

No universo da física nuclear, a "Tzar Bomba" representa um feito notável da engenharia e design de armas. O artefato soviético foi o culminar de um intenso esforço de pesquisa e desenvolvimento no contexto da Guerra Fria, representando a bomba termonuclear mais poderosa já detonada. Com uma capacidade explosiva estimada em cerca de 50 megatons, a bomba, tecnicamente conhecida como RDS-220, foi aproximadamente 3.500 vezes mais poderosa do que a bomba que devastou Hiroshima.

O design da Tzar Bomba se baseava na reação de fusão nuclear, aproveitando o processo pelo qual núcleos leves se combinam para formar núcleos mais pesados, liberando enormes quantidades de energia no processo. Ao contrário das bombas atômicas de Oppenheimer, que dependiam primariamente da fissão nuclear - um processo de divisão de núcleos pesados - a Tzar Bomba incorporava ambos os processos: fissão seguida de fusão e, em seguida, fissão novamente, ampliando imensamente seu rendimento explosivo.

A detonação da Tzar Bomba não foi apenas um marco técnico, mas também uma demonstração de poder que ressoou em várias dimensões da geopolítica global. Em um mundo já assombrado pelo espectro de uma guerra nuclear, a capacidade da União Soviética de desenvolver e detonar uma arma de tal magnitude enviou uma mensagem inconfundível sobre sua capacidade técnica e vontade política.

Esta demonstração alterou de maneira irrevogável o equilíbrio de poder em termos de capacidades nucleares. As superpotências estavam agora em um terreno de paridade, se não em superioridade por parte dos soviéticos, no domínio das armas nucleares. Isso teve implicações profundas para a diplomacia, as estratégias de dissuasão e as negociações de controle de armas que se seguiram.

Do ponto de vista sócioambiental, a Tzar Bomba representou o potencial humano para causar destruição em uma escala nunca antes imaginada. A capacidade de uma única arma aniquilar cidades inteiras, alterar climas e causar danos ambientais de longo prazo tornou-se uma preocupação central para os ativistas da paz e do meio ambiente. A magnitude da explosão e seus efeitos secundários reforçaram a urgência de iniciativas globais de desarmamento e a busca por soluções diplomáticas para tensões geopolíticas.

Concluindo, a Tzar Bomba, além de ser uma obra-prima técnica da física nuclear, tornou-se um símbolo da capacidade humana de autodestruição e da necessidade premente de medidas globais para evitar um cataclismo nuclear.

Robert Oppenheimer: uma leitura pouco ambiciosa de sua vida pessoal

J. Robert Oppenheimer, uma figura central no desenvolvimento da bomba atômica dos Estados Unidos e, por extensão, na evolução da física do século XX, é uma personalidade multifacetada cuja vida pessoal e profissional é marcada por complexidades e contradições. Uma análise sociológica de sua vida, fundamentada em biografias autorizadas e fontes documentais primárias e secundárias, pode revelar insights sobre o contexto sociopolítico da sua época e as influências que moldaram sua trajetória.

Nascido em 1904 em uma família judia de classe alta em Nova York, Oppenheimer cresceu em um ambiente de privilégio econômico. Este contexto social não deve ser subestimado. A segurança financeira e a educação esmerada que recebeu permitiram-lhe explorar plenamente suas aptidões acadêmicas, levando-o a instituições prestigiosas como a Harvard University e mais tarde ao continente europeu, epicentro da física teórica na época. A sua formação e trajetória acadêmica não são apenas reflexos de seu brilhantismo intelectual, mas também produtos de seu status social.

Sua identidade judaica, combinada com um forte sentido de justiça social, também parece ter influenciado suas inclinações políticas. Durante a década de 1930, Oppenheimer mostrou simpatias pelo comunismo, um fato que mais tarde traria consequências significativas em sua carreira durante o macartismo. Este aspecto de sua vida é especialmente revelador quando se considera a natureza dicotômica de sua existência: um físico de renome trabalhando para o governo dos Estados Unidos, mas simultaneamente simpatizante de ideologias vistas como antagônicas ao Estado.

O papel de Oppenheimer como diretor científico do Projeto Manhattan colocou-o em uma posição única de poder e influência, mas também de imenso dilema moral. As implicações sociológicas de um cientista envolvido na criação de uma arma de destruição em massa são profundas. A famosa citação de Oppenheimer, "Tornei-me a morte, o destruidor de mundos", extraída do Bhagavad Gita após o teste Trinity, é emblemática dessa angústia.

Para concluir, a vida pessoal de Robert Oppenheimer, entrelaçada com os eventos sociopolíticos de sua época, serve como um estudo fascinante sobre as interações entre individualidade, ciência e sociedade. Sua trajetória ilustra a complexidade inerente à existência humana, onde fatores pessoais, identidade cultural e circunstâncias históricas se convergem e se chocam de maneiras muitas vezes imprevisíveis.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A "Fortaleza apavorada" e o "apocalipse zumbi"


Existe uma grande aproximação narrativa entre o seriado televisivo "The Walking Dead" e o sentimento de insegurança que se instalou no espírito urbano de uma parte da população de Fortaleza (Ceará / Brasil). Sendo possível fazer uma metáfora entre o programa televisivo e a intitulada "Fortaleza Apavorada", talvez seja também possível demonstrar que há uma lógica inerente às novas formas de dissociação entre as diversas realidades urbanas, a partir da perspectiva da exclusão social. Assim, ficariam mais expostas as linhas divisórias -- abissais -- que dividem a cidade, de forma caricata em relação às outras capitais brasileiras. Dessa foma, estar apavorado é fugir dos nossos "zumbis sociais".


Primeiramente, vamos situar a narrativa do "apocalipse zumbi", presente na obra cinematográfica citada. Trata-se de um gênero que ganhou popularidade nos países anglo-saxões por meio da obra do europeu George A. Romero - "The Night of the Living Dead" (1968) -, no qual a humanidade é destruída por uma calamidade qualquer (vírus, bactéria, radiação etc), que transforma os seres humanos em zumbis comedores de carne humana. Sem entrar no enredo propriamente dito -- até mesmo porque há diversos filmes com a mesma narrativa, com pequenas variações --, o que importa observar é a forma como a população que consegue sobreviver à praga global entrincheira-se, de forma a evitar o contágio, visto que qualquer mordida de um contaminado e a morte transforma o sobrevivente num morto-vivo.

Nesse contexto, os "normais" são aqueles que conseguem evitar o contato e, evidentemente, a contaminação com os "anormais"; isso significa que, para continuar vivo, o grupo de humanos rivaliza necessariamente por acesso aos recursos econômicos (água, comida, remédios etc) nos espaços sociais onde há uma infestação de "comedores de gente". E como fazer para evitar ser transmudado num zumbi? Armas! Armas e muita violência, posto que essas pessoas, no seriado, vivem num estado de anormalidade, no qual todas as instituições estatais e sociais foram destruídas -- imperando a máxima de "cada um por si" e do "salve-se quem puder", diante da qual a eliminação dos fracos e contaminados é quase mandatória, para garantir a continuidade da vida e do acesso aos recursos que a garantem. 

Nenhuma outra narrativa parece tão apropriada quanto aquela, para se delinear a segunda narrativa deste texto, qual seja, da "Fortaleza apavorada". Esta, por sua vez, reside no sentimento de "abandono", que deriva da insegurança pública que transpôs os limites da periferia pobre e invadiu o centro financeiro da capital alencarina. A violência -- tanto a institucionalizada, quanto a não-institucionalizada --, que era uma realidade das comunidades carentes (favelas) que circundam o centro urbano propriamente dito, agora converte-se numa regra geral, diante da impossibilidade de se concertar os problemas inerentes à pobreza e correlata incapacidade de se controlar a criminalidade somente com o recurso à polícia.

Em outras palavras, isso significa que, enquanto a violência física (agressões, mortes, assassinatos, roubos, estupros etc) faziam parte do cotidiano apenas das pessoas submetidas à violência econômica (pobreza, marginalização etc), a camada beneficiada pelo gozo dos direitos e das facilidades do mercado levava sua vida de consumo com um certo receio: a de que esse consumo poderia ser eventualmente suprimido. Isso porque a cidadania, nos tempos que correm, resume-se à cidadania econômica de consumo; quanto mais consumo, mais cidadania, maior é a inserção social e, consequentemente, mais "normal". Significa, também, que toda e qualquer forma de comportamento que danifique ou se rebele contra a autoridade da lei do mercado -- que define essas linhas urbanas (abissais) -- precisa ser combatida com a violência física apropriada e institucionalizada, com a proporcionalidade do delito cometido (como se pudesse ser submetida à análise economêtrica, como uma grandeza de ordem econômica, e não social).

Diante disso, é necessário reconhecer duas posições nessa comparação: (a) a da maioria numérica desprovida dos recursos financeiros e do espaço urbano central, do qual só podem aspirar a utilização caso estejam a realizar serviços e a produzir bens que não irão consumir; (b) a da minoria numérica, sobrevivente às calamidades da pobreza. No primeiro espaço, há o domínio das drogas, da banalidade da violência, da violência doméstica e urbana como condições inerentes à vida. No segundo espaço, prevalece a competição pelo acesso aos bens e aos serviços e a submissão à lex mercatoria (uma lei acima do próprio Estado, supranacional) -- sendo esta última elevada à categoria de dogma (realidade inquestionável).

Diante disso, quais as soluções apresentadas pela "Fortaleza Apavorada"?

A primeira delas vem da confiança (ainda que simbólica) nas instituições sociais consubstanciadas no aparato estatal. Nesse ponto, a reivindicação é por melhoria do aparelhamento, remuneração e do efetivo das forças policiais (recrutadas, também, dentre os cidadãos com menor poder aquisitivo) -- efetivo humano que, por razão das contingências sócio-econômicas, vê-se obrigado a entrar numa mini-guerra civil com os "anormais" que se inserem no crime. Essa ótica vê no Estado um instrumento coativo legitimado apenas a manter o status quo, visto existir uma ordem normativa superior (lex mercatoria) que é a única infalível e perfeitamente apta a regular a vida social; pertence à leitura weberiana de Estado, que predomina até hoje nos bancos das faculdades de Direito.

A segunda solução é o clamor pelo direito de resposta imediato à violência oriunda da "anormalidade": a violência privada e não institucionalizada, assente na ideia de autonomia e autotutela. Essa perspectiva, ao contrário da primeira, é uma espécie de distopia; distopia não no sentido de "apego à realidade", mas de negação da utopia, pela defesa da sociedade do horror -- um aspecto da sociedade do espetáculo de que nos falava a categoria de Baudrillard. Os adeptos dessa via imaginam um cenário no qual são protagonistas da defesa de seus próprios interesses, por meio de seus próprios recursos -- armas, segurança privada, organizações para-militares e congêneres --, e fazem uso desse discurso porque possuem os meios materiais (armas, carros blindados e dinheiro, enfim), capazes de substituir as instituições sociais e os mecanismos jurídicos democraticamente eleitos para tal desiderato. Trata-se de uma representação narcisística do "eu", que substitui o grande "Outro" (sociedade), por não ver nele a possibilidade de realização de seus interesses.

A terceira e última via, e que menos reverbera nos canais tradicionais de comunicação social, é a que exige a concretude de políticas públicas que ultrapassem a linha desenvolvimentista (ou neodesenvolvimentista) e que realizem o objetivo constitucional (política e utopicamente) positivado, de redução das desigualdades sociais, por meio da não-discriminação e da efetivação dos direitos sociais mínimos (educação, saúde e condições de trabalho digno). Isso porque a "normalidade" não dispõe nem dos recursos, nem da vontade política para realizá-la, haja vista a necessária reorganização de toda a malha de relações sócio-institucionais, que implicaria numa reconfiguração política da República -- única medida capaz de corrigir as discrepâncias entre o ser e o dever ser.

E quais as similaridades entre as duas narrativas, quais sejam, a dos mortos-vivos e a dos fortalezenses apavorados?

A primeira similaridade ocorre na noção de uma necessária separação entre as duas realidades, que só pode ser garantida por meio de uma linha urbana (abissal), que continue a cumprir o seu papel de separar a "normalidade" (do consumo e da opulência) da "anormalidade" (da violências física e da sócio-econômica); separação essa que garanta uma não contaminação entre os providos de recursos materiais e os desprovidos desses mesmos recursos. Isso porque é necessário que se deixe de fazer e que se deixe passar, quer dizer, que se adote uma nova atitude política que ultrapasse a da continuidade da produção e do consumo; é preciso gerar uma "descontinuidade" nessas relações sociais dominantes. Reconhecer isso significa dar reconhecimento ao confronto entre duas urbanidades: (i) uma comum à periferia, da fome e da ausência de dignidade, e (ii) outra à "centralidade", onde se concentra o dinheiro, da plenitude dos bens e das facilidades do mercado de consumo e da opulência.

A segunda similaridade é aquela hegemonicamente traduzida através do recurso à violência institucionalizada e não institucionalizada; ela recorre ao uso da força, das armas, do aparato coativo e coercitivo, como único instrumento capaz de manter afastada a contaminação que ameaça o cotidiano do consumo e da ostentação que somente o mercado (e suas leis internas) é capaz de proporcionar. Nesse sentido, a normalidade é a sujeição a essas normas e a capacidade de usufruto desse "campo do real", na medida em que haja uma adequação entre o que se faz e o que se pode consumir, ou entre os meios e recursos, de um lado, e a medida proporcional e desigual na obtenção dos bens, serviços e acesso aos espaços urbanos, de outro lado.

A terceira similaridade vem pela destruição discurso da terceira via, que seria a reestruturação da sociedade, por meio de regras humanitárias e solidárias que simplesmente não são mais aplicáveis, ante o horror generalizado pela tomada dos espaços sociais pelos "anormais". Essa é a mais cruel de todas as similaridades, pois reconhece que houve (ou que há) um discurso jurídico-político de inserção social, mas que lhe nega qualquer eficácia. A cidadania isonômica é uma promessa que não pode ser cumprida, uma das duas razões: (1) para que ele se cumpra, é necessário suspender as benesses do mercado, sacrificando o consumo e reestruturando a divisão social da riqueza; (2) não vale a pena defendê-lo, pois as pessoas que se beneficiariam dele -- os "anormais" -- não estariam aptos a gozar da "normalidade", por já estarem inaptos ao convívio com os normais (não há cura para a infestação apocalíptica dos zumbi). Diante dessas duas razões (hipotéticas), de uma forma ou de outra, a periferia teria que ser "centralizada", e isso seria o fim do espetáculo proporcionado entre os objetos do consumo e as desigualdades (diferença na concentração do poder social) que eles proporcionam. A única promessa viável é a cidadania econômica, centrada no consumo daqueles que "já possuem".

Antes de se concluir, deve-se reconhecer que o desastre escatológico (apocalíptico) sempre indicou aos humanos que a normalidade diante do horror só se realiza com apelo ao carpe diem -- prática social necessária à continuidade dos modelos de organização social. O "deixai fazer, deixai passar" também é um modelo ideológico subjacente à continuidade, pois se propõe a demonstrar a necessidade de uma conduta permissiva que conduza a um fim (no sentido escatológico) -- representa o "destino final": a síntese que põe termo ao sofrimento e à existência humana, diante de uma lei superior, inquestionável e fatal, sendo, por si, uma estratégia fatal. 

Portanto, o "anormal" é resistir à essa resolução, resistir à morte, à corrupção da carne e do sangue. Insistir em ser -- é essa a estratégia do morto-vivo --  é um comportamento que revoluciona, que se opõe à evolução natural, às "fatalidades" e à morte. Ser um morto-vivo (undead)  reorganiza, traz de volta à vida o que é podre, o que está em decomposição, alterando as dinâmicas do espaço-tempo humano: a insegurança reside no fato de que os "anormais" clamam os espaços (e os bens) materiais dos "não infectados", mesmo que para isso tenham que matá-los. Enquanto isso, os "normais" tem que eliminar os mortos-vivos, ou continuar aquartelados e enclausurados nos condomínios e nas fortalezas... e a urbe segue seu rumo.


sábado, 26 de agosto de 2006

À paz perpétua no Oriente Médio

Depois de me questionar e elaborar um texto acerca da existência da moral neste fim de semana, não encontrei muita disposição para falar do problema vivido pelas populações libanesas, palestinas e judaicas, diante dos atuais conflitos no Oriente Médio. Mas, já num último esforço antes de encerrar minhas atividades de final de semana prolongado, como o leitor atento já pode perceber, solidarizo-me às vítimas indefesas do conflito, assumindo a posição de que os principais implicados e prejudicados são as camadas populacionais humildes que, ou são as vítimas diretas da violência, ou são os meios físicos (militares) armados à disposição dos governantes e ideólogos para a movimentação da máquina de guerra/guerrilha.

Em 1948, Blair já havia feito esta constatação, quando escreveu que "[a] guerra é travada pelos grupos dominantes contra seus próprios súditos, e o seu objetivo não é conquistar territórios nem impedir que outros o façam, porém manter intacta a estrutura da sociedade." (Eric Arthur Blair, sob o pseudônimo de George Orwell, em Nighteen eighty-four). Seria certa tal afirmativa? Seria a guerra a forma pela qual a economia das nações encontra uma das formas de contornar suas dificuldades momentâneas? Afinal, a quem interessa a guerra? Ora, é bem sabido que existe uma distância enorme entre o proprietário que fabrica o míssel/arma e aquele que a dispara ou morre em função do disparo. Ainda, reforço meus comentários com a ajuda involuntária de Sartre: "Quando os ricos fazem a guerra, são sempre os pobres que morrem" (Jean-Paul Sartre). Levar o conflito aos braços de uma divergência teológica foi um golpe baixo, porque polarizou e deixou o mundo pré-globalizado diante de um dilema: valores morais absolutos ou relativos? Predominância, por via da força militar, da cultura judaico-cristã, ou tolerância pelas sociedades seculares, fundadas em preceitos aproximados e semelhantes, mas de nenhuma maneira iguais? Esses questionamentos não podem ser feitos a qualquer despreparado intelectualmente com vocação para cowboy texano, porque a resposta poderá ser um desastre.Além de lastimar que, mesmo após a composição internacional do conflito na ONU, critico o fato de que tanto sofrimento seja repetidamente causado em função da manutenção do território e de uma estrutura de poder teocrático. Na realidade, é estranho observar como é tradicional que as nações daquela região preservem o poder pela via religiosa, rivalizando com os povos vizinhos em função de diferenças dogmáticas que, necessariamente, mantêm ligações com a própria cultura milenar daquela gente. Afinal, não são ambos monoteístas, deterministas, fatalistas e dualistas? O caminho para a construção do sagrado, por via dos sacerdotes, é que é diferenciado, estruturando, logicamente, em diferenças na sociedade que daí se origina - num processo dinâmico e sucessivo: causa/efeito/causa-transformada/efeito.

Neste mês de agosto (2006), parece clara a intenção de Israel em fazer recuar as forças do Hezbollah para longe das fronteiras com o país. Na realidade, com a possibilidade cada vez maior de uma nova "missão pela paz" dos EUA no Oriente Médio - desta vez, atacando o Irã, nova ameaça à paz mundial (sic) -, a ação israelense é muito útil, pois estabelece uma zona de segurança na região, ocupada por capacetes azuis da ONU, evitando a formação de dois fronts contra as "forças democráticas da paz" (que estarão muito ocupadas salvando o mundo... da escassez de petróleo).

quinta-feira, 29 de junho de 2006

Violência policial e respeito: duas coisas incompatíveis


Estava voltando para casa, agora a pouco, quando me deparei com uma cena comum na vida de milhões de pessoas humildes deste Brasil. Numa rua escura, próximo a uma favela, uma patrulha da polícia militar parada no acostamento, luzes apagadas, e um policial fardado ebofeteando um indivíduo e dizendo: -- "Respeite a polícia!"



No primeiro momento, a única coisa que fiz foi sair dali, porque, como pensei, aquilo não dizia respeito a mim, e foi o que fiz. Continuei meu caminho. Mas, no meio da minha covardia a caminho de casa, fui tomado por um sentimento de indignação que culmina neste relato. Como não dizia respeito a mim? Afinal, não sou um cidadão, cristão, e aquele não era outro ser humano? Bem, confesso não fazer a menor idéia dos motivos que levaram àquela atitude do policial fardado - também outro filho de Deus. Digo, inclusive, "motivos", porque "razão" sei que ele não tinha. Dizendo por outras palavras, a atitude que se espera da polícia é o encaminhamento dos bandidos e criminosos à delegacia de polícia, aonde se apuram os delitos e se inicia o inquérito policial. Daí porque, embora possam ter havido motivos, suponho eu, no meu bom senso, não haveria razão para a "agressão oficial". Primeiro porque, se houve um desacato à autoridade, fica configurado o tipo previsto na Lei Penal. Segundo porque, sendo o indivíduo suspeito de algo, ou estando em flagrante delito, deve ser encaminhado à autoridade competente, para que apure a verdade dos fatos. Finalmente porque nada justifica a agressão. Aquilo é tortura, prevista em lei especial como crime hediondo!

Ainda, a boa, sadia e equilibrada educação - Educação que cria a boa Moral, que encaminha o ser no mundo por meio da verdadeira Razão - ensinou-me que respeito não se consegue por meio da violência; a coação ilegal gera o medo e este, por sua vez, conduz à ira e à revolta - caminhos bem afastados do respeito.

Como se pode admitir que os "filhos do Estado", pessoas encarregadas da segurança de toda a população - rica ou pobre - se comportem desta forma, agredindo em busca de respeito? O quê o policial procurava, deduzo agora, não era respeito; ele procurava intimidar, ameaçar e coagir o sujeito, aos tapas. Reflexo, sem dúvida, de toda uma cultura do medo, da tortura, da humilhação dos mais fracos, que faz parte da História do País - principalmente cearense -, acostumada a relatar as aventuras dos "coronéis", as ações dos clãs políticos que se valiam da força para conseguir o poder, os vinte e um anos de ditadura fardada... e assim por diante.

Eu fico envergonhado de presenciar uma cena tão grotesca. Imagino o que deve ter sentido o rapaz que estava lá apanhando, seja lá o quê ele tenha feito.

segunda-feira, 5 de junho de 2006

Petrodólares e a energia nuclear

A grande celeuma das últimas semanas giraram em torno da capacidade nuclear do Irã e a resistência oferecida pelas nações desenvolvidas e ricas contra essa intenção iraniana.

Antes de discutir a potencial ameaça bélica do enriquecimento de combustível nuclear, deve-se pensar em termos econômicos. 1) Qual a disponibilidade (oferta) dos combustíveis nucleares no mercado - ou seja, a previsão da escassez do produto, nas próximas décadas, dadas as jazidas atuais? 2) Qual a destinação dos petrodólares arrecadados pelos iranianos com a venda de petróleo no mercado internacional - entesouramento, re-investimento deste capital nas economias das nações compradoras de petróleo, ou destinação social? 3) É admissível permitir que um país do muçulmano tenha acesso à tecnologia nuclear?


Essas são três questões de várias outras que poderiam ser postas em discussão, tendo em vista que não se trata de mera questão de segurança ou de mera estratégia desenvolvimentista - neste caso, de democratização das matrizes energéticas e acesso das nações sub-desenvolvidas. É, sobretudo, um problema político que deve ser discutido nos moldes que se discute a doutrina da não-intervenção e da soberania. Pode-se argumentar, a priori, que as atuais relações internacionais e a universalização dos direitos do homem se impõem como pedras basilares de uma "nova ordem" socioeconômica globalizante - neste caso, amparando o direito legítimo dos iranianos em deter a tecnologia de produção de energia elétrica proveniente do combustível nuclear. A fortiori, discutir o legítimo interesse da comunidade internacional em proteger e assegurar a paz - defendendo os direitos inalienáveis de vida e saúde aos cidadãos do "mundo ocidental". 

Também, pode-se rivalizar as perspectivas do estudioso sobre o fundamentalismo de ambas as culturas - democracia versus fundamentalismo religioso. Enfim, sobram critérios capazes de iniciar a discussão sobre o suposto direito que aquele país e de outros, por exemplo o Brasil, que também tem projetos de independência tecnológica na área, resguardando segredos industriais e desejam desenvolver, sem a intervenção externa, sua própria tecnologia e auto-suficiência na exploração desta fonte de energia. Ainda, contrabalançar os potenciais riscos deste tipo de produção energética e a preservação e proteção do meio ambiente; o retorno econômico a longo prazo e a possibilidade de escassez da matriz energética, com a conseqüente competição entre as nações pelo recurso mineral em destaque; o que fazer com os resíduos tóxicos...Essas questões devem ser resolvidas com a prudência exigida pelas regras jurídicas. Porque, quando a política anda de mãos dadas - ou atadas - pelo fundamentalismo religioso e belicista, ou quando ela se impõe injustificadamente pelo critério da dominação econômica das nações pobres pelas mais ricas, o que se pode esperar num cenário desse é a polarização meramente retaliativa e violenta do dinheiro-sujo.
Esse capital-indesejável é dinheiro público desviado de suas finalidades essenciais e utilizado para financiar as ofensivas e contra-ofensivas militares; dinheiro esse que não pode ser inserido normalmente na economia pelas vias normais da distribuição de riqueza das políticas do welfare state, devido aos interesses ideológicos produzidos pela teoria neoliberal, que se destinam, basicamente, a privar os povos dos países sub-desenvolvidos e em desenvolvimento desses recursos que podem se transformar em subsídios a serem aplicados na melhoria de vida das populações carentes, por meio do desenvolvimento de políticas estatais que garantam os direitos de segunda dimensão (ou segunda geração). Isso porque a lógica parece ser a seguinte: a par do que vem fazendo a Venezuela, os países sub-desenvolvidos e em desenvolvimento não têm participação efetiva nesses conflitos pelas fontes minerais de produção de energia (as guerras do petróleo, que costumam acontecer no Oriente Médio, as guerras pelo carvão, que costumavam ocorrer na Europa, as guerras de construção de gasodutos, como aquela que ocorreu recentemente no Afeganistão, e assim por diante). Eles são, na verdade e muitas vezes, as vítimas dessas intervenções.

Então, deve-se tentar responder as questões anteriormente formuladas, sem querer esgotar o debate - até mesmo porque é a isto, um debate, que se destina o presente artigo. 1) Os combustíveis, ou fontes primárias da produção de energia elétrica proveniente de sua queima, não são suficientes para garantir o desenvolvimento econômico de todas as nações. 2) Se o dinheiro arrecadado com a venda do petróleo iraniano não puder se reverter em benefícios mínimos aos cidadãos daquela nação, melhor seria o fim da exploração dessa fonte energética, visivelmente uma das maiores fontes de poluição no planeta, senão a maior. 3) É óbvio que os iranianos já deitaram mão na tecnologia nuclear e têm todos os conhecimentos técnicos necessários para a utilização desses recursos, primeiramente porque têm capital suficiente para isso, segundamente, porque são capazes de financiar pesquisadores e adquirir tecnologia dos países do antigo bloco comunista e, finalmente, porque vão reivindicar os mesmos direitos "democráticos" que são reclamados pelas outras nações mundiais para a sua liberação enquanto seres humanos.

Estamos assistindo a uma nova fase de integração mundial, em que as nações precisam realizar compromissos mútuos para a continuidade da paz. O respeito à soberania e o comprometimento com a comunidade internacional traduz-se numa unidade comportamental, sem a qual os Estados (países) não terão condições de viver harmonicamente e, ainda, desenvolver suas economias e realizar o livre mercado.Estas afirmações são feitas, inclusive, à vista dos últimos acontecimentos envolvendo o gasoduto Bolívia-Brasil.Como se vê - se fala-se em visão, fala-se em sentidos -, pode-se sentir que estes são problemas políticos, ou não-jurídicos. Então, pergunta-se: o quê fazer?

quinta-feira, 3 de novembro de 2005

O comércio de armas e a comunicação social: um paralelo entre Brasil e EUA (ensaio).

No início de fevereiro do corrente ano, facilitamos um trabalho junto aos estudantes do Curso de Direito da Faculdade Christus, que tinha como pano de fundo o filme “Bowling for Columbine”, de Michael More. O filme tratava do problema das armas de fogo em posse de civis nos Estados Unidos da América (EUA) e os problemas da falta de controle na venda de munições. Essas eram as preocupações principais do filme, embora temas subsidiários como a xenofobia e racismo também fizessem parte do enredo.

Como é sabida, a venda de armas e munições nos EUA é livre, havendo apenas certa regulamentação do assunto, tendo em vista que é um direito constitucional dos cidadãos norte-americanos a posse de armas de fogo para a defesa do território e da propriedade privada. O lobby em torno do tema é estrondoso, sendo a NRA (National Rifle Association of America) a principal contribuinte no apoio financeiro aos candidatos dos partidos Republicano e Democrata. Essa Associação, para além das especulações de sua ligação extremada aos membros da Ku Klux Klan, é majoritariamente formada por pessoas caucasianas – pelo que sofreu oposição nos anos de 1970 dos Black Panters (Panteras Negras), grupo armado de afro-descendentes, que faziam luta de protesto armado pelos direitos civis dos afro-norte-americanos. De fato, o NRA patrocina a defesa do direito dos cidadãos norte-americanos de possuírem armas de fogo, fazendo propaganda e campanha em todo o território nacional em defesa desse “direito sagrado”, coletando fundos, organizando palestras e congressos ao redor daquele país, ainda financiando filmes em Hollywood e patrocinando estrelas do porte do governador republicano da Califórnia, o ator Arnold Schwarzenegger – que por coincidência, é o protagonista em pérolas como “Exterminador do futuro” e “Comando para matar”.

A comunicação social teve um papel marcante na história recente da humanidade: foi capaz de atingir milhões de pessoas a um só tempo, com o advento da televisão; por ser a ciência social do jornalismo, teve a capacidade de entender a psicologia de comportamento das massas – momento no qual o indivíduo deixa de se comportar individualmente e passa a manifestar o comportamento coletivo; influenciou milhões de seres humanos com as mais variadas ideologias, desde o fascismo e o nazismo até a democracia liberal instalada recentemente na América Latina e a defesa da vida humana nos países africanos como a Etiópia. Criam-se deuses, criam-se monstros, criam-se e defendem-se valores sociais, metas, objetivos, goals administrativos e econômicos, e a mídia faz o seu papel no mundo do Capitalismo pós-moderno.

E é aí que entra-se na discussão: “qual é o relevante papel da mídia na criação de uma ideologia da posse de armas pelos civis? Qual é o interesse que existe no desarmamento da população?”. Para refletir nosso pensamento nessas perguntas, utilizaremos dois modelos: os meios de comunicação social brasileiro e norte-americano, na busca de um paralelo ou de pontos de convergência entre os dois.

Notório e polêmico foi o referendum sobre o fim da comercialização das armas de fogo no Brasil. Como sugere o tema, aparentemente, a finalidade da votação popular era deliberar sobre o fim da venda de armas de fogo em território nacional, mediante a participação popular na escolha por um regime “guns free” neste País. A despeito de qualquer discussão jurídica em torno da lisura dos procedimentos adotados, que deveriam estar em consonância com o espírito constitucional, que foi objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade sobre o tema, outras questões de cunho filosófico e sociológico deve ser abordada. A mídia brasileira, os meios de comunicação social apelaram para o discurso emotivo do fim da violência, mostrando dezenas ou talvez centenas de casos do uso de armas particulares nos mais variados tipos de crimes contra a vida, enfatizando que a população precisava ser desarmada. Os argumentos eram vários, pró-desarmamento, mas convém analisar se são bem fundadas essas pretensões. Senão, vejamos.

O cidadão comum, aquele trabalhador de 7h às 19h, que cumpre com seus deveres fiscais, civis e políticos, já é um cidadão desarmado, em vários sentidos, uma vez que não pode contar com o aparto repressor do Estado para a defesa de sua família e patrimônio, não pode exercitar-se nas vias públicas nem tampouco ir comprar o pão à duas quadras sem o temor do assalto ou seqüestro relâmpago. E, detalhe: esse bom homem não sai de casa armado. Quem está armado é a bandidagem, e muito bem armada! Protegida por um sistema de normas jurídicas e um sistema penitenciário falidos, protegida pela incompetência e pela impunidade, além de protegida pela má remuneração das corporações militares estaduais, responsáveis pela polícia ostensiva no País. Ademais, um projeto dessa magnitude, do fim do comércio legal de armas no País, deve levar em consideração uma série de fatores: regionais, locais, circunstanciais. E a mídia, massificadora por origem e destinação de sua atividade, desprezou todos os tipos de considerações em torno das especificidades de cada região: a violência urbana do Rio de Janeiro é diferente da praticada em Fortaleza ou Natal, na origem ou causas e nas conseqüências. Ainda, deve-se comentar, em tempo, que existem outras soluções – já em prática -, na contenção da vioência: a chamada lei seca ou o toque de recolher que, em cidades como Diadema, têm produzido reduções gritantes no nível de violência. A população brasileira já está desarmada; os traficantes e bandidos obtêm suas armas do comércio ilegal, do tráfico internacional de armas de fogo, com dinheiro obtido do tráfico nacional e internacional de entorpecentes.

Pública e controversa é, também, a quase total falta de controle do comércio de armas e munição nos EUA, impulsionada por uma cultura pró-armas, em que a mídia, os meios de comunicação de massa são os principais responsáveis pelo constante estado de medo no qual vive a população. Com efeito, programas de grande audiência como “Cops” – que no vernáculo das redes de televisão a cabo brasileiras denomina-se “Perseguições fantásticas” ou algo do tipo -, estimulam o medo das minorias étnicas norte-americanas, semeando o medo dos caucasianos pelos negros, dos negros pelos latinos, dos latinos pelos asiáticos, de todos pelos muçulmanos e assim por diante, numa espécie de espiral do medo. A situação criada pelos “inesperados” atentados terroristas de 11 de setembro de 2000 só vieram a agravar a relação doentia da mídia com o poder yankee. Na realidade, o que se pode perceber é que a grande culpada pela violência é a conseqüência (criminalidade) e não a causa (segregacionismo, racismo, problemas econômico-sociais, modelos educacionais ineficientes), a exemplo do quê ocorre na mídia tupiniquim – só que em menor escala. Desde a primeira hora da manhã até os noticiários da madrugada, os canais de televisão mostram apenas uma situação recorrente: violência, crime, crime, violência; cardápio indispensável na formação das audiências daquele país, porque violência e sexo vendem – eis a fórmula garantida para uma grande reportagem ou um grade filme – é só estudar os sucessos de bilheteria e comparar com as premiações da mídia e a remuneração dos atores hollywoodianos. Ainda, a cultura norte-americana está fundamentada na idéia de supremacia militar, do “lar dos bravos, terra dos livres”, conquistada através do sangue (dos nativos que habitavam originalmente o continente), nação que jamais teve seu território invadido.

É curioso observar os dois exemplos, que não necessariamente são extremos entre si. De um lado, um país em desenvolvimento, que não zela pelo seu patrimônio histórico, que convive diariamente com a corrupção, o desrespeito à lei e o descaso das autoridades, que mantém a discriminação e a segregação em níveis de comparação econômica. De outro lado, um país desenvolvido, que procura manter sua tradição e impor sua cultura ao redor do planeta, que tem certo apego à lei e à ordem, e mantém a discriminação e segregação em torno de conceitos predominantemente étnicos. De ambos os lados, as similaridades são várias: a riqueza abundante e a má distribuição de renda, a manutenção das camadas ou classes sociais através da competição capitalista selvagem, a falta de uma identidade nacional etc. E, enquanto num desses países, a mídia gastou imensos recursos com o desarmamento, noutro os meios de comunicação de massa não poupam esforços para a manutenção da comercialização legal e cada vez mais permissiva da posse de armas de fogo. Aonde reside a lógica nesses movimentos antagônicos? Seria pelo fato de o Brasil ser um país pacífico? O Brasil é um país pacífico? Ora, nós também temos uma tradição histórica belicosa, como foram os conflitos da cisplatina e na Região Norte, para não falar dos massacres do começo do séc. XX – como o que aconteceu em Canudos. Seria pelo estado de guerra civil em que se encontram as grandes capitais? Bem, essa pergunta requer uma maior reflexão, pois tem que levar em consideração fatores como ineficiência das políticas de segurança, grande concentração de pessoas nos centros urbanos (uma característica dos países sub e em desenvolvimento) e a crescente desobediência civil – gerada pela insatisfação do povo/população em relação ao Governo. Entretanto, apostar no terror é ferramenta do meio mediático brasileiro, tanto que o sucesso das emissoras de televisão local prova esse comentário: Barra Pesada, Rota 22, o famigerado Mão Branca, todos eles foram ou são programas com autos índices de audiência que utilizam a imagem (digna) do homem para aumentar o fosso que separa as classes sociais no Brasil, por meio da discriminação social – mesmo que de forma inconsciente.

A quem beneficiaria o desarmamento? Aqui reside a liberdade de cátedra: do ponto de vista político, àqueles que lucram com o medo e com a violência, que ajudam a elite a manter no poder e lá se perpetuar nos esquemas oligárquicos nacionais e, do ponto vista econômico, àqueles que desenvolvem a lucrativa atividade de proporcionar, principalmente à classe média, os serviços de segurança privada. Ora, quem já tentou adquirir uma arma de fogo sabe muito bem dos trâmites e da rede burocrata que existe por trás dessa compra, para não comentar dos gastos financeiros envolvidos, que tornam esse tipo de comercialização uma atividade não muito vantajosa, devido à dinâmica da oferta-procura e à constatação de que a demanda por armas é muito reduzida, o que acaba por enfraquecer o mercado, enquanto o destinatário do serviço é o cidadão comum e não a empresa de segurança. Ressalta-se, ainda, que, quanto ao mercado de armas tupiniquim e ao yankee, existem diferenças gritantes, para não dizer que são completamente diferentes: lá, além de um maior poder de compra, associado aos baixos custos do armamento, existe uma enorme diversidade de marcas e modelos, além de uma forte concorrência mercadológica que pressiona o preço dos produtos.

Contudo, o que lá impera, aqui não se deseja. Não parece muito razoável o desejo de um mercado brasileiro desregulamentado ou regulamentado no modelo norte-americano, aonde é possível adquirir uma pistola ou rifle em todo o tipo de estabelecimento comercial, dependendo do Estado-membro e de sua legislação. É bem natural que o Estado exerça sua atividade de controle da propriedade de armas, enquanto detentor do monopólio do binômio sanção-coação, mas proibir a comercialização de armas de fogo sem garantir a proteção do cidadão pacato e ordeiro é uma irresponsabilidade histórica. Isso seria possível através de uma política nacional e políticas estaduais de segurança, aliadas à Educação e melhoria da qualidade de vida das populações, uma vez que são bem conhecidas as origens do poder das facções criminosas entre as famílias de bem: pobreza e insatisfação.