segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

O novo estado do Kosovo

O título acima tem uma intenção oculta, e esta revela uma crítica acerca do movimento separatista que estabeleceu uma nova formatação jurídico-política na região sul da Sérvia. Sendo certo afirmar que aquela região sempre foi a fronteira de conflitos entre a Europa e o Oriente Médio, o novo estado em que se encontram aquelas populações não deixa de ser precário em função da ingerência externa que fulmina a sua organização sócio-política interna.

Em outras palavras, o novo Estado do Kosovo já dá os primeiros passos com os pés atados; a organização não-governamental CMI (Crisis Management Initiative), controlada por Martti Ahtisaari, já determina quais são os objetivos concretos a estabelecer no Kosovo: isso significa que, esse novo Estado será o palco no qual as forças econômica européias aplicarão um modelo de governance. Ora, temos aí uma "palavrinha mágica". Governance é, em poucos termos, uma administração indireta efetuada ao arrepio da participação democrática; o seu goal é criar condições para a acumulação de capital que favoreça os interesses de investidores internacionais, sob a desculpa de inserir um determinado país no contexto da economia de mercado global. Quem pesquisa este campo nas relações internacionais e quer para investigar essa nova forma de colonização (altamente sofisticada, pós-industrial), deve analisar as duas recentes reportagens do The Economist: a primeira (clique aqui) tenta dar um retrato geral da governance que está a se estabelecer no Kosovo - define quem são os principais atores e a estratégia assumida (cirurgica, limpa); a segunda (clique aqui), fala do papel da atual presidência eslovena da União Européia, que deverá ser desempenhado com vista a preservar os lucros que poderão advir daquela "bem-planejada" emancipação (sic) - e mais uma vez, os recursos minerais presentes naquela região estão a mercê do apetite energético da União.

Ora, não existem coincidências quando os assuntos são diplomacia e política internacional - e a União Européia não dorme em serviço; a Slovénia fez parte da antiga Yoguslávia e era mediadora do conflito entre sérvios e kosovares e, agora, tendo a incumbência de executar a presidência da UE deve assumir uma conduta imparcial perante a Sérvia e o Kosovo. Como? Primeiramente, reconhecendo a criação do novo Estado e, depois, estendendo a mão aos sérvios através das parcerias comerciais e investimentos financeiros (uma espécie de compensação?). O que é certo é que os povos eslovacos têm reticências contra a convivência com as minorias muçulmanas; essa é uma luta antiga e a criação do novo Estado poderia significar paz para essas populações se, e somente se, houvesse outro tipo de abordagem nos processos de manutenção de linhas abissais - essas a que se refere Boaventura de Sousa Santos, que separam os povos artificialmente. Isso para dizer que essa pretensa emancipação não passa de uma contensão; ao invés de integrar, segrega; é mais uma linha de defesa fronteiriça, que tentar assegurar uma fronteira física à União Européia.

Por fim, alguém pode se lembrar que anda por aí escudo anti-mísseis, ainda a ser instalado algures no leste do continente europeu. Bem, o Kosovo é uma região pró-EUA, e a Sérvia é ponto de apoio essencial dos planos da União Européia para a estabilização política dos Balcãs, sob a promessa de aceitação da proposta de adesão ao mercado comum. No fim, o que parece-me é que todos (os que controlam os espaços de exercício do Poder) sairão com os bolsos recheados, enquanto os kosovares ainda terão de organizar uma cultura identitária... e excluída.

Tanto mar...

(Com a colaboração de Pedro Figueiredo)

Existem momentos memoráveis que nos vem ao tampo da garganta e nos traz lágrimas aos olhos. É evidente que o passado (essa idéia humana acerca do tempo) não tem o mesmo valor a todos; é puramente subjetivo. Porém, em determinados casos, a identidade que se firma entre pessoas de um grupo ou Sociedade fazem parte do imaginário popular.

Já lá vão os anos da Revolução dos Cravos em Portugal, contra o regime salazarista, e do Movimento das Diretas Já contra a Ditadura Militar brasileira. Entretanto, ainda há muito por fazer; os esquemas de poder e corrupção não mudam apenas através da troca do titular ou titulares dos cargos públicos, mas antes precisam ser alterados pela via da conscientização dos povos. E a mensagem mais verdadeira é também a mais simples; é aquela que toca nossos corações.


Por isso, rogo aos amigos portugueses para que continuemos a acalentar o sonho da emancipação de nossos povos; povos fraternos, tão iguais e, ao mesmo tempo, tão característicos. A despeito do Oceano que nos divide (uma linha tão real quanto imaginária), a língua que nos une é a mais poderosa arma contra qualquer tipo de opressão.

E para celebrar isto que penso e sinto, deixo aqui um fragmento de nossa amizade e fraternidade, na voz e violão de Chico Buarque.


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Flexigurança (flexicurity): o diálogo social no outro lado do espelho

As entidades patronais e a Comissão Européia elaboraram recentemente o Livro Verde sobre o Emprego na União Européia. Tal documento é uma carta de intensões contendo um estudo monetarista do mercado de trabalho europeu e um conjunto de "soluções" ao problema da competitividade européia.

Com efeito, desde o Tratado de Maastricht (1992) que a União vem sinalizando uma tendência profundamente neoliberal de, a longo prazo, implementar um mercado interno que seja suficientemente liberalizado para atender ao grau de competitividade no comércio internacional que faça frente às economias japonesa e norte-americana. Isso quer dizer que o pacto social estabelecido pelo plano Monet/Schuman "vai por água abaixo" e varre consigo o modelo social europeu. Dizendo de outra forma, não há mais interesse político em sustentar os resquícios do Estado Providência que ainda reverberam nos países da Europa continental, que vão paulatinamente aderindo ao modelo anglo-saxão de regulação das relações de trabalho.

Em recente conferência realizada em Lisboa (14/02/2008), a CGTP-In reuniu diversos representantes sindicais europeus e, não só, de vários países como, por exemplo, Vietnam, Cuba, Hungria, Rússia, Guiné, Brasil, Índia e França. O que pude perceber nas palavras dos conferencistas foi a óbvia conscientização das centrais sindicais no que respeita à orquestração que faça frente ao poder de organização das entidades patronais; daí a conclusão foi, também, evidente: os sindicatos precisam se globalizar e (re)politizar as relações laborais, tendo em vista a nova divisão internacional do trabalho. Num mundo de produção capitalista globalizada, aonde impera a sociedade da informação e do entretenimento, as centrais sindicais precisam estabelecer (logo!) um plano de formação do tipo BOTTOM-UP, ou seja, integrando o movimento sindical no palco dos outros movimentos sociais, fazendo, portanto, trabalho de base junto à população. Isso porque, como bem afirmou na altura o professor conimbricense António Casimiro Ferreira, o direito do trabalho é um bem integrante do patrimônio comum da humanidade; isso não reflete o velho apelo à construção histórica dos direitos dos trabalhadores, mas alerta para o fato de que esse conjunto de valores integram de forma profunda a cultura social dos povos europeus.

Os autores neoliberais argumentam que o sindicalismo afeta a eficiência econômica. Sim, está claro: afeta. Isso porque o paradigma econômico prima pelo incremento dos lucros do capital. Mas o que falta no discurso economicista é a manutenção de condições dignas de prestação do trabalho, segurança (dois tipos de segurança: ontológica e prática), e melhoria da qualidade de vida do trabalhador (com a melhoria constante do seu poder de compra). Ou seja, o discurso tanto da Comissão quanto da UNICE (agora BUSINESSEUROPE) esquece de rever o pacto firmado na constituição comunitária que inaugurou o modelo social europeu nos moldes do Acordo sobre a Política Social (do Tratado de Amsterdã). Isso porque, a procura da eficiência nos moldes da cultura anglo-saxã retira competências e funções estatais, transformando vários setores da vida em sociedade em mercadorias; se o primeiro setor a ser regulado é o trabalho, todos os produtos e serviços tornam-se mercadorias, e o trabalhador passa a ser um fator de produção (descartável, portanto).

Ainda, o Livro Branco foi elaborado sem a devida consulta aos parceiros sociais, o que evidencia o desrespeito ao estatuído no art. 136 e ss. do Tratado da União Européia (que regula o diálogo social). Ora, isso é um vício formal que põe por terra não só a legitimidade da medida praticada pela Comissão mas, ainda, configura uma extrapolação de competências de referida autoridade comunitária.

Ao fim e ao cabo, o maior problema que o modelo social europeu enfrenta é o discurso econorréico dos técnicos encarregados de implementar a flexicurity - à força bruta - no espaço comunitário. E, diga-se de passagem que, se este modelo protetivo europeu for por terra, estender-se-ão os braços do capitalismo selvagem por quase senão todas as regiões do globo, dificultando a instituição de direitos mínimos (antes considerados standards europeus) em outras regiões do mundo (como Ásia, África e América Latina).

Uma coisa é certa: as entidades sindicais não podem esperar até que a comoção social seja tanta que torne inviável o atual modelo de exploração. O que parece ser mais importante é uma ação social de conscientização de base, associada à já mencionada politização das relações sociais do trabalho: a cidadania laboral ou o reflexo da democracia nas relações de produção.

Erro de projeto: Parque de Feiras, no Ceará

O governo do Estado do Ceará, encabeçado por Cid Gomes, está em vias de cometer seu primeiro grande erro político. Trata-se da construção do pavilhão de feiras de eventos do Município de Fortaleza, Estado do Ceará que, embora seja construção mais que necessária, não está respeitando os estudos de impacto ambiental e social que clamam por uma escolha mais razoável da localização do complexo de prédios em questão.

Com efeito, o Governo solicitou um estudo técnico para a construção que, após ter custado US$ 1 milhão, orientou a administração pública a construir os prédios no Poço da Draga, região próxima ao centro cultural Dragão do Mar. Sim, somente o estudo custou um milhão de dólares. Entretanto, algumas considerações devem ser efetuadas sobre este assunto. Primeiro, quando existe uma soma vultosa de investimentos estatais, não existe erro de projeto; existem interesses econômicos que costumam favorecer determinados grupos de pressão (lobistas). Segundo, os investimentos estatais devem ser feitos de forma coerente (do ponto de vista econômico), mas precisam respeitar outras normas e interesses sociais e, neste caso, sócio-ambientais. Isso para dizer que deslocar o Parque de Feiras às adjacências do bairro Edson Queiroz demonstra o claro e inequívoco objetivo de aumentar o valor venal dos imóveis comerciais e residenciais que ali estão instalados.

Por tudo isso e mais alguma coisa, fica aí um recado: já havia chegado a hora de haver maior transparência e lisura nos projetos estruturais no Estado do Ceará. Este tipo de atitude só vem a reforçar a crítica de que os dirigentes estatais agem desvinculados das reais carências e impedimentos racionais associados; isso revela as atitudes "de agenda" que se incorporam às atividades de incentivo e desenvolvimento que se requerem dos agentes públicos.