domingo, 29 de julho de 2007

Receita para uma população dócil. PARTE 3: Auto-estima popular.

Numa relação de poder, uma das maneiras de controlar o Outro é manter-lhe a moral em baixa. Então, como manter baixa a auto-estima de uma população? Bem, uma receita deve incluir: um pouco de medo (insegurança), uma miséria que habilite e force a reprodução dos indivíduos (pobreza assistida) e um quadro social que não gere grandes espectativas para o futuro (catástrofe iminente). Qualquer bom ditador sabe que um povo não pode ter orgulho de si, porque torna-se consciencioso e participativo; esse é um perigo que todo governo tenta evitar.

Contudo, somente o medo e a "depressão" popular não bastam. Esse povo precisa sentir-se incapaz de repensar sua vida ou fazer projetos para o futuro. Para garantir a efetividade desse controle, é preciso apagar e reescrever a História, num processo contínuo de criação de um ambiente social pessimista que só favorece às forças reacionárias.


Por isso, desconstruir as bases de uma segurança social é o primeiro passo a dar, com o objetivo de tirar qualquer possibilidade de um futuro melhor à população. Nisso os neo-conservadores já andam bastante adiantados, vez que ao redor do mundo a palavra de ordem é "controle dos gastos sociais". Pode haver até alguma segurança, mas ela nunca poderá ser tanta que deixe espaço para que alguém (o pobre) possa sonhar com um futuro melhor ou uma velhice de tranqüilidade.

Outro passo importante é desmantelar as associações populares (sindicatos, associações de bairro e etc.), tirando-lhes a força de protesto e fazendo com que os indivíduos não tenham mais a quem recorrer. Isso fragiliza os processos de reivindicação social, porque desarticula a capacidade de resistência que reside na coletividade - daí porque o individualismo é uma das "chaves de sucesso" do sistema de produção capitalista.


Como é preciso ir caminhando, outra ação a proceder com maestria é a privatização dos bens e espaços públicos. Não basta desarticular as áreas de recreação, mas, sim, tornar o seu acesso dependente de taxas e tarifas que ajudem na segregação social pela via do poder econômico. Ainda, não podem haver serviços públicos; eles têm que ser rentáveis, lucrativos, para que sua continuidade seja assegurada - e essa garantia só pode ser ofertada pelos particulares, em troca de dinheiro (salários!).

Seguindo "em frente" (ou continuando a dar passos para trás), a informação que deve ser dada ao público diariamente não pode ser outra além da catástrofe. É preciso que a população acredite que não há segurança, que há inimigos por todos os lados, que a violência anda fora de controle... e assim por diante. O governo, então, apela por mais controle, mais repressão, mais vigilância e mais violência estatal, como as únicas ferramentas capazes de conter a violência que "a própria sociedade produz" - é preciso negar o conflito de classes! É preciso esconder a pobreza! É preciso dar um rosto à criminalidade (e colocar alguém da minoria como responsável pelo crime, a despeito de qualquer responsabilidade social na repartição das riquezas!).

É suposto alguém pensar que a população dá-se conta desse processo. Mas não dá. De tão imersos no dia-a-dia, as pessoas vão perdendo a capacidade de refletir sobre o meio informacional que as cerca, e dão legitimidade ao que vêem no ecrã dos televisores e nos jornais. Dando-se conta de que estão "bem informados", os pretensos cidadãos continuam a delegar poderes aos atores governamentais e esperam que eles (os tecnocratas de plantão) possam "dar jeito nessa loucura que anda mundo a fora".

Todos esses fenômenos juntos provocam este sentimento de inutilidade e impotência que nos cerca. Se "sempre houve crise", isso se dá porque nunca houve uma verdadeira mudança; um novo cidadão é preciso, mas está em falta. Uma nova consciência e um novo engajamento são precisos, para que se possa apontar um futuro melhor ou, pelo menos, diferente.
  • Alguns pensamentos, antes de encerrar
Nos últimos meses, temos vindo a refletir acerca da apropriação e uso do Poder social na sociedade contemporânea, tentando enxergar por trás da cortina de demagogia e da fumaça da mentira e dissimulação, para clarificar a noção de Estado de Direito e democracia. Como temos observado, existem algumas "fórmulas" ou práticas conducentes à manutenção do Poder, cujo emprego é efetuado em desapego à qualquer intenção de melhoria das condições de vida das populações.

De fato, o que se pôde constatar é que o exercício do Poder nas sociedades ditas democráticas não condiz com os fundamentos de sua delegação, o que põe em causa a estabilidade do "contrato social" (hipotético) que dirige a submissão do povo ao governo. Quanto à coletividade em si, enquanto agrupamento político, vê-se um descrédito profundo quer em relação aos atuais governantes quer aos futuros. O importante é investigar o por que desse sentimento de incapacidade e as razões para a inércia em que estamos todos inseridos.

Primeiramente, devemos destacar que, em tese, o exercício do Poder deveria se dar em nome e pelo povo; tal não acontece, uma vez que, desde a instituição do Estado, não verificamos qualquer mudança na lógica da dominação (de uma minoria sobre uma maioria); a reprodução do modelo de exploração vem se repetindo ao longo dos tempos, sem ser possível determinarmos um período histórico em que houve uma real e profunda emancipação social que não tenha sofrido algum revés diante dos estratagemas arquitetados no sentido de manter as populações ignorantes e sob controle, além de alienadas da propriedade das riquezas materiais (infraestrutura). Em segundo lugar, os apelos à "natureza humana" sempre foram elaborados com o intuito de promover uma quantificação da violência a ser empregada na defesa dos interesses minoritários, isto é, para proteger os interesses das classes que detém o real poder social (riquezas materiais), posto que o poder imaginário ou abstrato pertenceria ao "povo". Em terceiro lugar, é preciso que digamos que a categoria "povo" é uma outra abstração (jurídico-política e, portanto, simbólica) à disposição das elites para melhor "orientar" as ações governamentais, porque ela limita a real participação das pessoas que habitam um determinado território; isso se dá de várias formas, porque opera-se uma delimitação das pessoas aptas quer a participar dos processos decisórios quer a se constituir como sujeitos de direitos, através dos instrumentos normativos que compõe a superestrutura social (leis). Por fim, outros aparelhos e pequenos grupos sociais unem-se aos sucessivos governos para repartir uma pequena parcela de controle sobre os bens materiais, compondo a bem orquestrada sociedade; aqui, aparecem as instituições "sociais" e suas regras de funcionamento próprio, que se articulam com vista a aumentar o poder de vigilância sobre a massa e ajudar a impor a ordem social (religião, família, ensino e etc.).

Todo esse aparato põe por terra a tese de que o Poder social é exercido com a finalidade do bem comum. Na realidade, o objetivo do Poder social é a aquisição de mais poder, mais submissão e mais controle! Só mesmo o mais ingênuo dos estudiosos pode ser levado a crer numa falácia tão obscura como aquela que discursa em favor da concentração de poderes nas mãos do Estado para a realização dos projetos sociais. O que a observação dos fatos conclui é que o "povo" foi expropriado do Poder social em razão da competição societal que se operou (e opera) pela apropriação da riqueza e das vidas das populações; as contrapartidas que são ofertadas não chegam a se concretizar; há polícia, mas não há segurança; há riqueza, mas não há qualidade de vida nem repartição dessa riqueza; há promessas, mas o que o "povo" recebe são migalhas, restando apenas uma revolta contida num prato semi-vazio.

Nesse cenário não há indícios de uma verdadeira democracia; ela também foi expropriada do "povo", junto com a terra, a água e a liberdade de escolha. O que se processou nas sociedades ocidentais foi uma constante tensão entre interesses de ricos e pobres (soma das duas classes talvez tivesse por resultado a noção de "povo"). A estruturação do "governo da maioria" por meio da representação eletiva deitou por terra (ou sepultou) qualquer possibilidade de um "governo justo", porque criou o "governo dos melhores" (falta definir: "melhores em quê?").

É preciso criar dois apelos: um pela democracia participativa, outro por uma nova definição de "povo" (para daí definir o novo "cidadão" para o século XXI).

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Democracia na corda-bamba e o vento da globalização


Me vejo confrontado com duas realidades interessantes: uma política e outra econômica. Ambas fazem parte de uma mesma lógica, a qual estamos todos sujeitos e d'onde existem poucos pontos de escapatória. Na realidade, posso dizer que a situação que vou comentar agora me coloca com a corda no pescoço - o que requer alguma orientação. As duas têm seus próprios problemas, mas estão profundamente entrelaçadas.

De um lado, vejo a construção de espaços democráticos - pelo menos, espaços de discurso democrático. Lá, as pessoas são chamadas a debater sobre o presente e compor alternativas ao futuro. Todas as idéias são bem-vindas e todos estão dispostos a ouvir. Porém, existe um acordo invisível ou um background que estipula quais são as regras desse debate e quais são os pontos que não podem ser ultrapassados. Esse é o debate da comunicação social e, algumas vezes do meio acadêmico - com as raríssimas e brilhantes exceções dos intelectuais engajados e comprometidos com reais mudanças em prol da maioria (a maioria é o grande agrupamento de minorias). Tanto a comunicação social quanto a academia (faculdades universitárias) oferecem conjuntos de argumentos que impedem a promoção de ações afirmativas e constitutivas de um meio ambiente (natural-social) melhor: disciplina, controle, doutrinação/catequese, todas apontando para os valores individualistas da sociedade ocidental dos últimos dois séculos.

Do outro lado, estão os argumentos economicistas que tentam, a todo custo, fazer prevalecer a exploração, o domínio e a continuidade de um sistema de produção já falido e que coloca em risco todos os recursos naturais e os acordos (agreements) sobre os direitos humanos (inalienáveis, ou seja, fora do mercado). Numa sociedade na qual tudo tem um preço, só tem valor o que tem preço; desconstroem-se os valores humanos e quantificam-se as relações entre as pessoas, num projeto de coisificação que começa mesmo na instituição da personalidade a uma coisa (a empresa enquanto pessoa jurídica...). Nesse aspecto, deve-se dizer que a Economia e o Direito têm prestado um grande desserviço à humanidade, porque admitiram com passividade a concretização de uma coisa chamada "externalização": se a empresa não tem interesse num determinado assunto, se uma obra ou um acontecimento não está diretamente ligado aos seus interesses - lucros -, mesmo que esse fato ou ato tenha sido conseqüência da atividade empresarial dessa pessoa (jurídica), outra entidade - o Estado, a sociedade, os grupos civis e etc - é que devem cuidar da situação anômala ou desconfortável ou promover as medidas necessárias ao bem da coletividade. E o Direito teve um papel fundamental nessa atitude de desleixo da Economia contra o Social, pois estabeleceu "divisões, abismos e legitimidades" que impediram que o Capital cumprisse a sua função social.

Quais são os pontos de contato entre essas duas perspectivas? Vários: a exploração do trabalho humano, a condição das minorias (mulheres, populações indígenas, grupos étnicos e etc.), a destruição do meio ambiente (natural-social), a dominação dos povos famintos e miseráveis (militar, econômica, financeira, educacional e etc.), a agonia da comunidade acadêmica (pela ausência de intelectuais comprometidos com o bem comum) e assim por diante. É uma longa cadeia de eventos, em que é difícil determinar aonde começa uma causa e aonde se tem uma conseqüência.

Não há espaços para neutralidade. A imparcialidade foi uma das teorias melhor articuladas nos últimos 150 anos, para impedir que as pessoas (naturais, jurídicas e políticas) declarem quais são os seus verdadeiros interesses em determinados assuntos - fundamentando decisões "racionais". Bem, essa "atitude racional" é muito questionável. Ao menos que uma pessoa seja totalmente alienada, não lhe é possível tomar uma decisão sem um envolvimento pessoal (se bem que os psicopatas conseguem tal ardil!). Então, poderíamos concluir que uma pessoa jurídica ou é alienada ou é psicopata (porque externaliza suas responsabilidades)?

O cerne deste texto constitui um chamado à reflexão sobre os verdadeiros problemas (aqueles para os quais toda a filosofia é dispensável e se faz necessária uma boa dose de prática). Precisamos discutir com paixão e responsabilidade os problemas que estamos a enfrentar neste processo de globalização (jurídica, cultural, econômica, etc) - tarefa difícil quando temos medo de arriscar nossos empregos/trabalhos e prejudicar nosso sustento e o de nossa família. Mas uma das razões para que o façamos é que, se não lutarmos agora por respostas eficientes e ações eficazes, logo não haverá muito a defender (parafraseando o poema de Eduardo Alves da Costa). É tudo uma questão de objetivos, na qual têm prevalecido o momentâneo e o imediato mais do que o contínuo e duradouro; as pessoas têm que lutar pela sobrevivência e acabam relegando a luta social para um segundo plano, por secundária que é ante o desafio do dia-a-dia.

O atual contexto transnacional coloca as sociedades cada vez mais em contato umas com as outras. Os espaços de exclusão e de exploração reproduzem-se por todos os lados e o quê era uma bandeira de luta dos povos do Sul (países periféricos e semi-periféricos) agora está na agenda dos movimentos sociais do Norte (países centrais do sistema de produção capitalista global). A discussão sobre esses temas políticos e econômicos é trazida à força toda pelos canais alternativos, aonde os debates correm livres - contando com o apoio de pessoas determinadas a fazer a diferença: Boaventura de Sousa Santos, Michael Parenti, Avram Noam Chomsky e tantos outros. Quanto mais se criar a consciência de que todas as sociedades têm que agir em cooperação (contra a lógica da competição), melhor se propagará a solidariedade como uma das bandeiras ao século XXI. Quanto mais se falar em solidariedade, menos espaços de exclusão e diferença podem ser criados pelas elites político-econômicas que controlam a vida de centenas e milhares e milhões e bilhões de pessoas. Quanto mais se falar em inclusão e igualdade, menos injustiças podem ser cometidas em nome da acumulação desmesurada de capital e de propriedade privada dos meios de produção.

A Internet joga nesta a favor dessa perspectiva, porque coloca à disposição de todos os povos uma infinidades de fora (pl. forum) de discussões nos quais qualquer pessoa pode participar. Ela merece um estudo a parte porque é uma ferramenta à disposição do capital, funciona pelo e a favor do dinheiro e, mesmo assim, é um meio de comunicação daquilo que o meio corporativo das grandes fortunas não se dispõe a ouvir. Se a Internet é tão ameaçadora, por quê não silenciá-la? Porque pouco importa o que é dito, enquanto as empresas puderem lucrar com a comunicação digital, não vão querer saber quantas "teorias do absurdo" e "da conspiração" são compostas por hora ou minuto - um dos exemplos de ausência de preocupação moral dessas companhias é exatamente os lucros absurdos que são feitos com pornografia na Internet diariamente. Uma pessoa jurídica não tem moral! Não se magoa, nem sofre. Sua única preocupação é o lucro, e ponto.

Não basta construir a democracia sem saber o que ela realmente é! Não se pode combater a globalização sem construir uma teoria da globalização. Articular esses dois momentos é também saber que os pontos de vista políticos e econômicos não são suficientes sem uma interação com perspectivas diversas e divergentes (religião, cultura, conhecimento e ação prática). Talvez, assim, seja-me possível tirar a corda do pescoço. Mas mesmo assim, alguma ajuda é requerida.

A globalização do sistema de produção capitalista, ao contrário do que a corrente neoliberal faz crer, não traz a democracia a todos os lados do planeta. O que ela tem gerado é uma competição econômica selvagem e predatória, cujos efeitos se fazem sentir à escala global. A articulação desse fenômeno com a liberdade que as pessoas jurídicas vêm obtendo nos últimos 150 anos não encontra mais limites no território de nenhum Estado-nação, o que requer uma postura agressiva da sociedade civil em relação a esse poder ilimitado que encontra-se nas mãos de poucos indivíduos. De fato, não se pode mais falar de uma parceria pura entre Governo e Capital nos moldes do Estado-burguês, porque esse último perdeu qualquer poder de barganha com a empresa transnacional; os povos estão à mais completa mercê da macro-física do poder (pós-Foucault) que se estabelece entre os interesses de lucros trimestrais exorbitantes e a fome das populações dos países do terceiro, quarto e quinto mundos. Se o Estado moderno já agonizou e deu o último suspiro, deveríamos estar a projetar um modelo alternativo de ordem social que faça frente à governance neoliberal e sua accountability, vez que essa força vem ganhando espaços nos meios acadêmicos europeus e norte-americanos - é preciso agir antes que ela contamine as Universidades latino-americanas.

Para isso, a democracia precisa ser reinventada. Conforme sopra o vento da globalização, devem haver anteparos sociais que defendam os interesses das minorias globais. Uma nova forma de participação precisa emergir, antes que se entre numa nova fase de autofagia societal e que se coloque em jogo a segurança de toda a humanidade. Isso porque, no vento, quem sopra exala um odor amargo e nas narinas do estudante impregna-se um cheiro de totalitrasimo que paira no ar...

domingo, 15 de julho de 2007

A pena azul do tucano do Cocó

Era uma vez, num reino distante, um Monarca muito imponente e ambicioso. Ele era conhecido por sua avassaladora paixão: todas as vezes que se apaixonava por algo, fazia de tudo para submetê-lo ao seu controle, a todo custo.

De tanto ouvir as histórias de belezas e de liberdade nas florestas, cantadas por seu menestrel - um poeta e "cientista das palavras", que falava em língua de kari'oca -, o Rei criou uma imensa curiosidade sobre a liberdade dos pássaros. Então, mandou construir um enorme palácio nas margens de um mangue, para que pudesse ouvir o canto dos bem-te-vi mais de perto, quando viesse passar férias numa das mais lindas praias do seu reinado... Foi lá que ele encontrou, pela primeira vez, o tucano azul do Cocó.

Obcecado pela beleza daquela ave, apaixonou-se pelos tucanos azuis. E não descansou enquanto não conseguiu capturar a todos; nessa tarefa, destruiu toda a floresta, eliminando com ela todos os animais que ali haviam...

O meio ambiente compreende a natureza (biodiversidade) e o meio social (sociedade); é nele que o solo e a água custam tão caro ou são inacessíveis; e constitui crime a sua ocupação sem a devida permissão do proprietário... e aonde a natureza vai desaparecendo aos poucos. Assim como naquele pequeno conto, e assim como no passado, a natureza ainda é tratada como um bem de consumo. Desde a exploração, até ao uso e ocupação do solo, o meio ambiente é mercadoria, tem valor de troca, favorece o entesouramento (e a especulação imobiliária).

No Município de Fortaleza, a civitas cresceu junto ao mar. A urbanidade dividiu o espaço com a natureza, mas não teve remorsos de a invadir, assim que preciso. O comércio precisava circular, o homem do campo veio à polis e a população cresceu. Sem parecer poético, convém dizer que o crescimento urbano foi organizado, até o período em que "o muro" da cidade não ia muito longe da Praça do Ferreira.

E esse urbanismo foi estruturado em compasso com a delimitação de uma área destinada aos pobres, sob a forma perversa da favela - mesmo que se pense nela num momento embrionário, romântico... E a cidade cresceu em direção à praia - criando a zona de concentração de riqueza, de entesouramento imobiliário e, portanto, de alto valor comercial. Sugiro uma visita ao Google Maps, para uma vista aérea que poucos podem desfrutar (de helicóptero) -> Examine, a forma do botão "Hybrid". Observe a distribuição da cidade no solo e tente identificar as áreas de favela...

A totalidade dessa área ocupada era terreno de praia - areia fina e cristalina -, e o litoral era cercado por dunas de areia, como a que existe em Jericoacoara. Eu cresci ali - vi dunas perto da casa de meus pais, quando era criança. Era ali que as crianças da classe média brincavam com as crianças da favela. Foi ali que aprendi a descer a duna de carritilha; nunca saí ferido ou fui importunado, nunca fui roubado por nenhuma daquelas crianças que vendiam as pranchas de carritilha (o snowboard provavelmente nasceu daquilo... eis o desprezo da modernidade contra o tradicional). O espaço era compartilhado, dividido entre as classes, por mais que persistisse a vergonha da miséria e o ócio da pujança e do perfume. E quando adolescente, não prestei atenção que a duna da Rua Almeida Prado (Papicu) virou prédio.

Isso porque, hoje, o espaço natural não é mais "meio ambiente" e o meio ambiente segrega os meios sociais. A Ciência, quando lhe apetece, tem a mania de ver as coisas esquisofrenicamente: por isso, artificialmente cria a separação entre natureza e sociedade. E há quem se utilize do espaço natural para a construção de seus palácios comerciais, como o rei daquela história. A pena que a história do tucano azulado tem também é a pena que sinto da história da minha cidade.
  • lex mercatoria e o Meio ambiente social
Desde de finais da década de 1990, Fortaleza tem se tornado um dos destinos turísticos mais procurados na baixa estação turística européia. Os pacotes de viagem são acessíveis a grande parte da classe média européia e ficaram ainda mais baratos com a construção do Aeroporto Internacional Pinto Martins - pois os vôos são diretos ou tem menos escalas e custos. A cidade oferece várias opções de diversão e um litoral paisagístico rico e rústico. Não se pode negar que a economia na Capital do Estado do Ceará (Brasil) cresceu nas últimas décadas.

Em contrapartida, não é em qualquer sítio que costuma ficar o "nobre turista europeu"; é preciso muita proteção (repressão policial), o que implica gastos públicos em segurança (ex.: Delegacia do Turista).

É também a violência que diminui a cidadania e que acaba por segregar as comunidades e distanciar as classes sociais. Curiosa proteção dada à nova modalidade de cidadão: o cidadão turista (ou cidadão global). Ardilosas políticas de desigualdade e exclusão: desigualdade entre os cidadãos, exclusão dos miseráveis. Ainda, é conhecido o problema do turismo sexual, que coloca nas linhas de produção garotas com menos de 15 anos de idade: a criança pobre transformada em produto e vendida como carne de açougue.
  • lex mercatoria e o Meio ambiente natural
(Vou comentar apenas um caso: Shopping Center Iguatemi)

A área ambiental do Parque do Cocó é recurso natural escasso e mantido sob a garantia das leis municipais, estaduais e federais de proteção ambiental; ali, a natureza (mangue) vem resistindo contra a cidade e os empreendimentos urbanísticos que ameaçam o espaço natural que ainda resta no Município de Fortaleza.

Foi ali que se instalou o maior shopping center do Estado; os "defensores" do empreendimento argumentam que 40% do espaço natural foi preservado. Mas o que deveriam dizer é: 60% do espaço natural foi destruído. A lógica dos argumentos é crucial para entender o desafio de preservação ambiental. Num Estado brasileiro pobre, qualquer desculpa é válida para que uma pequena parcela da população (a elite burguesa) possa fazer o seu pé-de-meia; quer à custa da população pobre (explorada) quer à custa da natureza (devastada). Passam os anos e a história é a mesma; não precisa ser muito inteligente para perceber que ao redor dos "Reis da Capital" orbita, também, a casta de "ex nobilis": conjugadas as forças do dinheiro e das idéias, criam-se as teorias mais absurdas e os pontos de vista mais imbecis para defender os interesses da pequena elite industrial cearense.

Causa-nos espanto pensar que a natureza esteja submetida à lex mercatoria. Quer dizer, embora, durante anos, tenham-se feito ouvir tantos alertas sobre os riscos envolvidos no uso e ocupação das áreas de preservação ambiental, meia dúzia de empresários de orientação liberal ainda vêem o meio ambiente como produto submetido aos interesses do mercado.

Mais uma vez: estamos diante de um sistema de recursos não-renováveis! O equilíbrio ambiental é muito frágil e uma vez transpostos alguns limites, não há caminho de retorno. Você, cidadão, pense nisso.

domingo, 8 de julho de 2007

Endereço do Tratado da União Européia, na internet.

Uma "cartinha descontraída" da Internet - para levantar o "astral"... com alguma informação útil (ironias do destino...).

O endereço abaixo é tão intuitivo quanto é legível:
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/oj/2006/ce321/ce32120061229pt00010331.pdf

É o endereço eletrônico do Tratado da União Européia. Para se chegar ao texto do tratado, não é preciso navegar bastante. Mas, lá chegando, surge um pequeno problema do dia-a-dia de todo internauta.

Embora o documento seja fundamental ao exercício da cidadania européia, a versão original do arquivo tem 22 Mbytes - no Portão da União Européia (português).


Uma cópia do mesmo documento, numa versão compatível com o Acrobat Reader 5.0 (para computadores antigos), ocupa 171 Kbytes.

Não existe diferença entre a qualidade dos dois documentos (tenho uma versão aqui que confirma isso). Proceder à alteração pode parecer uma estupidez, mas não é.

Ao diminuir o tempo necessário ao download do ficheiro e ao compatibilizá-lo com versões anteriores do programa que abre o documento, seria contemplada uma imensa parcela da população européia - que não dispõe de computadores de última geração nem acesso à Internet de banda larga, ou seja, os pobres

Mas, mesmo os ricos (ou até os advogados "sem paciência", quem sabe?) ficariam mais satisfeitos se sua conexão não ficasse tão lenta... (eles até parariam de reclamar à prestadora de acesso à net!).

Reduzir o tamanho do ficheiro é assegurar o ainda obscuro "direito à informação" e o conhecido "direito de não perder a paciência"...

terça-feira, 3 de julho de 2007

Moral distorcida: uma guerra contra o terrorismo?

Muito sugestiva a análise que contrapõe guerra e terrorismo como duas idéias diferentes. Do ponto de vista discursivo, a diferença entre os dois termos surge de uma distorção da moral, da mesma forma como fazemos na distinção entre violência e agressão.

Esta semana, sugiro o vídeo de Noam Chomsky sobre a "guerra" norte-americana contra o "terrorismo" muçulmano, no contexto da invasão do Iraque. São argumentos fortes e dirigidos por um comentário inicial: seja cético e pense se as informações que você recebe são verdadeiras.

O idioma é inglês e não há legendas. Requer internet de alta velocidade ou uma boa dose de paciência. Boa "leitura".