Portugal assiste pasmo à notícia veiculada no jornal lusitano Público (Domingo, 03/03/2008), que dá a conhecer a justiça popular aplicada por membros de organizações criminosas no Brasil. A ausência do Estado e o descrédito da população fazem com que milhares de pessoas, nas grandes cidadas brasileiras, recorram a castigos e puniões contra fatos que são apresentados, julgados e executados perante organizações criminosas - como é o caso do Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo.
Ora, então, vejamos. Não parece absurdo nenhum tal fenômeno. Nos bancos da Faculdade de Direito, o estudante é levado a crer que a Justiça pertence ao Estado - que deve ser de Direito, submetido ao princípio da legalidade e etc. Porém, embora isso possa ser correto, não coaduna com a verdade; a Justiça não se confunde com a função judiciária estatal, mas é antes um sentimento coletivo que é medido em função da resolução de conflitos e da convivência social. Somente no século XIX é que Justiça virou sinônimo de função judicária. A Justiça é praticada dia a dia pela população, e há um equilíbrio quando esses atos cotidianos são exercidos com civismo e atendendo aos costumes sociais, e um desequilíbrio quando começa a imperar o mal estar entre os cidadãos e a revolta.
O que se pode dizer especificamente sobre o caso brasileiro é que, as condições de vida em que estão inseridas milhões de pessoas são muito mais cruéis e mesquinhas do que se normalmente imagina. Ao passo que uma grande parcela ou senão a maioria da população dos países do Norte global dispõem de serviços mínimos e alguma estabilidade/segurança econômica, o mesmo não se pode dizer de, pelo menos, 40% dos brasileiros. Imagine a seguinte situação: acordar de manhã, tomar um pequeno-almoço e dirigir-se ao trabalho ou à escola, num transporte público, com segurança e o mínimo de conforto. Bem-estar social. Isso é uma realidade que não atinge o total da população brasileira. O Estado "Brasil" não garante uma cidadania digna à população; não há distribuição quer de renda, quer de justiça, quer de saúde que chegue a mudar o atual estado das coisas. O Estado já cortou alguns serviços públicos, transferiu outros à iniciativa privada e é ineficiente nos que ainda executa; mas, ao contrário da lógica dominante, de entrega total das funções do Estado aos privados, a melhor política governamental será aquela que fortalecer as instituições democráticas, os serviços públicos e colocar os devidos freios e contra-pesos (rédeas) tanto nos ocupantes de cargos/funções públicas, quanto nos agentes púlicos, para que cessem a corrupção e o controle das facções políticas que sugam os cofres públicos nacionais.
Portanto, o que acontece hoje com a justiça popular é reflexo da miséria dos grandes centros urbanos. É nesse clima de desilusão e desespero que a população deixa de creditar confiança no Estado, seja para o que for. Assim, ganham força as organizações criminosas e outras entidades societais, que se organizam para suprir aquilo que as autoridades públicas não podem/conseguem/querem executar.
...e um novo Leviatã, que, muito embora seja mal-organizado, é legítimo, se ergue em face de um antigo, acostumado a olvidar. Também há um perspectivismo moral neste caso: razão porque tanto nos agradam (?) as palavras do Capitão Nascimento e as recentes ofensivas do Estado no Rio de Janeiro. [...]
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