O presente texto é elaborado em função de dois outros: um da autoria do sociólogo Boaventura de Sousa Santos e outro do jurista Eduardo Magnani. Quero agradecer ao professor Boaventura por ter autorizado a publicação de seu texto neste blog e, também, a iniciativa de meu colega Magnani em ter trazido seu ponto de vista para debate.
Primeiramente, gostava de deixar claro o seguinte posicionamento: qualquer tentativa discursiva que tenha por objetivo (direto ou indireto) invalidar o direito dos povos indígenas ao uso da terra será ilegítima. Os textos da Constituição de 1988 e da legislação especial são claros: os índios são usufrutários das reservas indígenas e, estas últimas, são propriedades da União. O problema é que o Estado é (seletivamente) ausente e as instituições que cria (como a FUNAI) são pontualmente ineficientes.
Em segundo lugar, diga-se que o que circula nos canais de inormação brasileiros (ideologia materializada, sob a forma de prática social) é um apelo a qualquer coisa a que chamam de "soberania nacional". Entretanto, essa mensagem carrega um discurso oculto e, ao meu ver, a verdadeira razão para tanta celeuma: o apelo à defesa da grande propriedade privada rural (o latifúndio). Aliás, faz parte da "tradição brasileira" a expulsão dos povos indígenas das terras produtivas - como foi o caso da mobilização de milhões de pessoas do litoral ao sertão, na primeira vaga de colonização. Depois, vieram os terra-tenentes, capitães-mor e coronéis, cada qual com a sua "soberania", ocupar e desalojar quem nada devia. Essa é a "tradição" ou "cultura jurídico-política" da terra no Brasil.
Depois de refletir, cheguei a seguinte questão: "Ora! Como bem afirma o próprio Magnani, se existem outras injustiças sociais e desfavorecidos no Brasil... então, os índios que se danem, também? E, acima de tudo, já que a imagem do 'grande fazendeiro' integra a 'cultura brasileira' (sociojurídica), por que ameaçar essa 'tradição' (por meio de reforma agrária, reservas naturais, reservas indígenas, etc.)?"
Depois de pensar naquela questão, conclui que, realmente, o Brasil não é um país a ser levado a sério. Não se trata de pensar que ele não é um Estado ameaçador ou perigoso - pelo contrário. Na medida em que se converte numa espécie de "líder com discurso vitimizado", o Brasil vai adiante em suas práticas opressoras, como os outros atores no cenário mundial. E quem paga por tudo isso é o ordenamento jurídico, no sentido figurado e o povo, no sentido literal - porque a corda sempre arrebenta no ponto mais fraco.
Antes de terminar, gostaria de fazer as seguintes observações: não faz sentido imaginar que exista uma "luta aberta" entre fazendeiros e índios mas, sim, um massacre contra os silvícolas; a despeito de Hollywood, não tenho nenhuma visão romântica quanto à dificuldade de enfrentar mercenários bem armados (fuzis, metralhadoras, pistolas), que recebem largas quantias dos fazendeiros para executar o "serviço".
Outro disparate seria considerar os índios como fora da civilização ou como uma classe diferente de "brasileiros" - e neste ponto, toda generalização é perigosa. É chegada a hora de entender que o ordenamento jurídico (por mais imperfeito e ineficaz que seja) conferiu algumas garantias especiais a esses grupos, para que eles pudessem se integrar ao resto da Sociedade, na medida do possível e de seus interesses; esse foi um dos aspectos da Constituição multicultural e pluralista de 1988. Agora, aos que vivem isolados, na floresta, como caçadores-coletores, é mais que justo (é uma obrigação) conferir-lhes o direito ao usufruto da terra, com toda a dignidade que for possível.
Outro disparate seria considerar os índios como fora da civilização ou como uma classe diferente de "brasileiros" - e neste ponto, toda generalização é perigosa. É chegada a hora de entender que o ordenamento jurídico (por mais imperfeito e ineficaz que seja) conferiu algumas garantias especiais a esses grupos, para que eles pudessem se integrar ao resto da Sociedade, na medida do possível e de seus interesses; esse foi um dos aspectos da Constituição multicultural e pluralista de 1988. Agora, aos que vivem isolados, na floresta, como caçadores-coletores, é mais que justo (é uma obrigação) conferir-lhes o direito ao usufruto da terra, com toda a dignidade que for possível.
Por fim, sobre a "balela" da soberania nacional: não é só a "caserna" que vive nesta fantasia. A "invenção do Brasil" e da tal indentidade nacional não são construções recentes e não somos os únicos a viver esta fantasia. Nação, Estado, soberania, enfim, a maioria dos conceitos que nos são empurrados goela a baixo são fatores de desagregação social, pela diferença e exclusão. No fundo, o que existe por detrás desse discurso é a história de sempre: violência, xenofobia, racismo, opressão, acumulação de riquezas, exploração e alienação da maioria, em benefício da minoria. Reforma agrária, já é tarde. O que urge é a preservação da natureza e do meio ambiente (natural e social), para a preservação da humanidade...
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