domingo, 26 de outubro de 2014

Eleições 2014 no Brasil: meu balanço das redes sociais na Internet

Durante todo o pleito de 2014, me furtei de oferecer qualquer posicionamento, quanto ao meu voto, nas redes sociais da Internet (nomeadamente, Facebook, Google+ e Twitter). Basicamente, fiz isso por duas diretrizes e uma razão: (i) me resguardar do desgaste mental de ter que responder pela minha opinião e (ii) por exercer minha capacidade de reflexão sem o envolvimento emocional, e, no segundo caso, (iii) a noção de que a forma supra citada não encontra amparo dentre os milhões de brasileiros que estão fora da chamada "revolução sócio-tecnológica" da famigerada "Era da Informação". Isso propiciou o recrudecimento de algumas opiniões que nutro sobre a participação política da população brasileira - desta vez, orientadas ao mundo digital.


À distância, o que pude perceber foi a proliferação de dois fenômenos: (a) o discurso de ódio, que fez da política nacional uma disputa do tipo "amigo versus inimigo", que se travou principalmente entre as correntes mais conservadoras e tradicionais, de um lado, e as mais progressistas, de outro; e (b) a falta de embasamento nas opiniões políticas, ante a impossibilidade de diálogo entre os contendores, sempre dispostos a ignorar o discurso do oponente, na generalidade dos casos.

Quanto ao discurso de ódio, o exemplo mais infeliz ocorreu no debate à disputa presidencial, televisionado no dia 28 de setembro, pela rede de televisão "TV Record", protagonizado pelo então candidato Levy Fidélix (PRTB), que levou a OAB à requerer a cassação de sua candidatura por declarações homofóbicas. Em clara ofensa à finalidade do ordenamento jurídico brasileiro vigente, o então concorrente ao cargo de Presidente da República afirmou suas convicções morais da pior forma possível, declarando que a homossexualidade leva à pedofilia e afirmando que gays precisam de tratamento psicológico. Tal postura entra em choque com os objetivos pacificatórios e pluralistas afirmados na Constituição republicana que, mesmo protegendo que existam diversos sistemas éticos na Sociedade brasileira, consubstancia o repúdio à discriminação - conforme disposição ao inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, que reza que a República Federativa do Brasil tem por objetivo "IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

Ainda quanto ao discurso de ódio, ele também se concretizou mediante o posicionamento ideológico irascível, numa campanha anti-comunismo (?) que associou todo o discurso progressista às ideologias que povoaram a prática política da segunda metade do século XX; essa postura, além de confundir as propostas da social-democracia com as dos Estados totalitários e ditatoriais que vigoraram na ex-União Soviética, em alguns países europeus e latino-americanos, e no Leste Europeu, também promoveram uma clara confusão entre os mais de 236 tipos de socialismo (conforme as várias propostas, inclusive, a da Social-Democracia Cristã) com os fenômenos fascistas do nacional-socialismo alemão, salazarismo português e franquismo espanhol, e assim por diante. Ressoa - e no Brasil, ainda de forma mais evidente - a implantação das lutas ideológicas do período histórico da Guerra Fria, embora o atual contexto globalizante tenha transformado todas as formas de exercício governamental em uma autêntica gestão do sistema mundo de produção capitalista, já globalizado.

No que respeita à ausência de um debate político autêntico - no qual as partes contendoras desafiam-se numa atividade intelectual de posicionamento às questões macroeconômicas e sociais -, era praticamente inexistente a disposição mútua de debate político sem ofensas pessoais, dentre os usuários que pude acompanhar (1.874 "amigos" do Facebook), com raríssimas exceções. Inclusive, o desejo de "mudança" se expôs de maneira autoritária e sem a oferta de uma proposta concreta, com frases no imperativo, do tipo "Brasil: ame-o ou deixe-o", ante a exigência de uma retirada peremptória dos atuais integrantes do governo federal. Nesse âmbito, convém salientar que a palavra de ordem era "Fora PT", embora o governo de coalizão encampe, também, o PMDB - que sai ileso diante dessas agressões. Nesse mesmo compasso, foram as frases de efeito, materialmente planejadas pelo marketing eleitoral, do tipo "Aécio Never" e congêneres.

Ainda em respeito a essa segunda observação, não foi incomum dois tipos de associação bastante surpreendentes, quanto à opção dos eleitores: quem vota no político "Y" é rico, ou reacionário, ou membro da elite, enquanto quem vota no político "X" é favelado, ou pobre, ou desinformado, ou faz parte da corrupção instalada etc. Esse tipo de comportamento em nada contribuiu para uma mudança de opção política, mas no acirramento e entrinxeiramento das posturas agressivas, que atingiram extremos antes não imagináveis, como o de um usuário que defendeu que uma determinada candidata, que foi presa pela ditadura, deveria ter sido, também, estuprada... Cruzou-se uma linha muito perigosa, nessa e noutras postagens nas redes sociais. Ainda, os ataques aos supostos vícios de drogas de um outro candidato tenham levado a discussão ao campo da pessoalidade, muito embora a utilização de estupefacientes seja um caso de saúde que impede a boa fruição de qualquer tipo de trabalho e, neste caso, o exercício escorreito e diligente de um cargo público.

O fato é que ficou difícil a disseminação de qualquer opinião ou crítica, sem que houvesse o rotulamento e a estereotipização de quem quer que fosse. Raras foram as tentativas de racionalização do debate, que ficou ao encargo de poucos, numa tentativa de moralização do processo democrático e da equilibrada liberdade de expressão; liberdade essa que, como qualquer outra, no contexto de um estado civil, é limitada por outras liberdades e direitos, naquilo que podemos chamar de proporcionalidade entre direitos e deveres jurídico-políticos. Esse equilíbrio é necessário para a manutenção da paz social, ante a ideia de que o conceito "amigo versus inimigo" está superado numa democracia: numa sociedade plural e democrática, que abraça a possibilidade de opiniões contrárias, a política não comporta mais esse tipo de divisão, sendo correto dizer que os sistemas morais e políticos têm que conviver, mediante a ideia primária (e precária, na minha humilde opinião) de tolerância. Não é possível considerar ético um discurso que deseja (ou tem a finalidade de) eliminar qualquer outro tipo de discurso; isso seria igualar o conceito de moralismo ao de sistema ético, não obstante o fato de que a Ética resume-se à convivência entre diferentes seres (ou seres humanos que são essencialmente diferentes, mas que convivem), enquanto moralismo é uma homogeneização de um tipo de conduta moral (heterônoma e sancionatória).

Portanto, minha conclusão é que política se faz no mundo real, e (ainda) não na Internet. Enquanto um setor social tenha se utilizado do meio para o enraizamento (muitas vezes colérico) de suas convicções, dando azo ao antagonismo que se apresenta no vigente "segundo turno" das eleições, a política fez-se (e ainda faz-se) nas ruas, no mundo real - no mundo de pessoas, que passam fome, querem mudanças materiais e concretas -, e não no digital. Quem sabe, um dia, com a disseminação da Internet e de outras benesses tecnológicas dentre os menos favorecidos (como ocorreu com a televisão e, antes dela, com o rádio), um dia se faça uma campanha limpa na Internet.

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