INTRODUÇÃO
Defender o brocado "ubi
societas ubi jus, ibi jus ubi societas" no contexto do Fascismo ou do
nazismo é uma tarefa complexa e delicada, porque ambos os regimes violaram
princípios fundamentais de justiça, direitos humanos e ética. Nestes casos, as
leis ("lex") eram usadas para legitimar atrocidades, tornando difícil
argumentar que onde há sociedade, há "jus" (direito) no sentido de
uma justiça universal ou princípios éticos.
O que esses regimes demonstram é
que a presença de um sistema legal formal ("lex") não necessariamente
implica a existência de "jus" no sentido de justiça ou moralidade.
Aqui, "lex" e "jus" divergem dramaticamente. O direito,
neste contexto, foi manipulado para servir a fins injustos, mostrando que a lei
escrita pode ser uma ferramenta de opressão e injustiça, em vez de um mecanismo
para a realização de princípios justos.
Essa desconexão entre
"lex" e "jus" em regimes como o Fascismo e o nazismo
ilustra a importância de manter uma crítica ativa e um escrutínio ético sobre
as leis e os sistemas legais. Serve também como um lembrete severo de que a
presença de leis e de um sistema legal não é, por si só, suficiente para
garantir uma sociedade justa ou ética.
Portanto, enquanto o brocado pode
geralmente sugerir que o direito e a sociedade são coexistentes e mutuamente
influentes, ele não garante que essa coexistência seja sempre justa ou ética.
Isso nos mostra a importância de estar sempre atentos à relação entre
"lex" e "jus", e à necessidade de esforços constantes para
alinhar os dois em direção à justiça e à equidade.
DESENVOLVIMENTO
H. L. A. Hart, um dos juristas mais
influentes do século XX, abordou a relação entre "lei" e
"direito" em sua obra seminal "O Conceito de Direito"
("The Concept of Law"). Hart argumenta a favor de um
"positivismo jurídico", que separa o que a lei é do que a lei deveria
ser. Ele introduz a ideia de que um sistema legal é composto por "regras
primárias" e "regras secundárias". As regras primárias são
aquelas que governam o comportamento diretamente (como proibições e mandatos),
enquanto as regras secundárias são aquelas que governam como as regras
primárias são criadas, modificadas ou aplicadas.
Um dos pontos-chave de Hart é o
conceito de "regra de reconhecimento", uma regra secundária que
estabelece os critérios pelos quais outras regras são reconhecidas como parte
do sistema legal. Isso se assemelha à ideia de "lex" em que é uma
estrutura formal e reconhecida.
Ao mesmo tempo, Hart reconhece
que o sistema legal não é um sistema fechado e que muitas vezes há "casos
difíceis" onde as regras existentes não fornecem respostas claras. Nestes
casos, ele permite algum grau de interpretação judicial, que pode levar em
consideração princípios de justiça e moralidade. Isso faz uma ponte com a noção
de "jus", o direito como um conjunto mais amplo de princípios éticos
e sociais.
Entretanto, Hart mantém uma certa
distância entre "lei" e "moral", argumentando que, embora a
moral possa influenciar a lei, elas são domínios distintos. Ele critica tanto o
"jusnaturalismo", que vê a lei como intrinsecamente ligada à moral,
quanto o "positivismo jurídico estrito", que tenta separar
completamente a lei da moral.
Dessa forma, Hart oferece uma
abordagem mais matizada para entender a relação entre "lex" (a lei
como um conjunto de regras reconhecidas) e "jus" (o direito como um
conceito mais amplo que pode incluir noções de justiça e moralidade),
mantendo-os como domínios inter-relacionados, mas distintos.
Por sua vez, Ronald Dworkin, um jurista e
filósofo americano, oferece uma abordagem substancialmente diferente da de
H.L.A. Hart sobre a natureza do direito. Dworkin é conhecido por sua crítica ao
positivismo jurídico, argumentando que a lei não é apenas um conjunto de
regras, mas também incorpora princípios morais e éticos.
Um dos conceitos centrais de
Dworkin é a ideia de que os juízes não apenas aplicam a lei, mas também a
"interpretam" à luz de princípios morais e éticos. Em sua obra mais
conhecida, "Levando os Direitos a Sério" ("Taking Rights
Seriously"), ele introduz a ideia de que os direitos individuais são um
componente central do direito e devem ser levados em consideração mesmo quando
entram em conflito com a vontade da maioria.
Dworkin também introduz o
conceito de "integridade do direito". Ele argumenta que o direito
deve ser visto como um conjunto coerente de princípios que buscam fazer justiça
em casos individuais. Para ele, a lei ("lex") e a justiça ou os
princípios morais ("jus") estão intrinsecamente ligados, e um não
pode ser entendido adequadamente sem o outro.
Ele critica o que vê como uma
abordagem "regrista" de Hart e outros positivistas, que, em sua
visão, reduzem o direito a um conjunto de regras sem considerar os princípios
subjacentes. Para Dworkin, esses princípios são parte inseparável do sistema
legal e devem ser usados para resolver "casos difíceis" onde as
regras existentes são ambíguas ou incompletas.
Assim, enquanto Hart oferece
uma estrutura mais formalista e separada para entender "lex" e
"jus", Dworkin argumenta que os dois são profundamente
interconectados e que o direito deve ser entendido como uma mistura de regras e
princípios orientados pela meta de justiça social e individual.
OS ARGUMENTOS DE KELSEN
Hans Kelsen, um dos mais
importantes teóricos do direito do século XX, é talvez mais conhecido por sua
"Teoria Pura do Direito", na qual ele defende uma visão estritamente
positivista e formalista da lei. No entanto, em sua obra "O que é
Justiça?", Kelsen explora a relação entre direito e justiça de uma maneira
um tanto diferente, embora ainda mantenha sua perspectiva positivista.
Kelsen argumenta que a justiça é
um ideal, não uma realidade empírica, e que sua definição pode variar de acordo
com diferentes culturas e períodos históricos. Para ele, o conceito de justiça
é relativo e não pode ser definido de maneira absoluta. Isso pode ser visto
como uma forma de abordar a ideia do "justo subjetivo", embora ele
não use esse termo.
No entanto, Kelsen mantém que,
enquanto o conteúdo específico da justiça pode ser relativo, o próprio conceito
de justiça implica uma forma de igualdade. Isto é, qualquer sistema que se
pretenda justo deve tratar casos iguais de forma igual e casos desiguais de
forma desigual, de acordo com suas desigualdades. Isso poderia ser visto como
um critério para o "justo objetivo".
Desta feita, embora Kelsen mantenha
sua perspectiva positivista, que separa o "é" do "deve
ser", ele também reconhece que o direito frequentemente busca realizar
ideais de justiça, mesmo que esses ideais sejam culturalmente e historicamente
contingentes. No entanto, ele é cético quanto à possibilidade de definir a
justiça de forma absoluta, vendo-a mais como um ideal regulador do que como uma
realidade concreta.
CONCLUSÃO
No contexto das deliberações
sobre a intrínseca relação entre "lex" (lei) e "jus"
(direito), as teorias de Kelsen, Dworkin e Hart oferecem prismas distintos e
complementares para interpretar a dinâmica entre o legal e o justo. Kelsen, por
exemplo, se situa no domínio do positivismo jurídico puro, abordando a lei
predominantemente de uma perspectiva normativa, onde a justiça permanece
relativizada a contextos culturais e históricos específicos, enfatizando uma
separação clara entre a moral e o direito. Ele vê o conceito de justiça como um
ideal regulatório, que embora intrinsecamente ligado à igualdade, é
essencialmente indecifrável por sua natureza relativa e mutável. Aqui, embora a
“lex” seja central, o “jus” surge como um ideal potencialmente inatingível e
essencialmente subjetivo, acentuando uma distinção clara entre os domínios da
lei e da justiça moral.
Por outro lado, Dworkin oferece uma resposta mais integrada ao problema da justiça no direito, onde a lei é não apenas um conjunto de regras, mas também incorpora princípios morais, desafiando assim a rigidez do positivismo jurídico. Dworkin propõe uma interpretação construtiva da lei, na qual a justiça se entrelaça inerentemente com a lei através de princípios morais que guiam a tomada de decisões judiciais, especialmente em “casos difíceis”. Aqui, o “jus” não está separado da “lex” mas, ao contrário, é incorporado na complexa malha do sistema legal. Este enfoque favorece um “justo objetivo”, onde há uma busca persistente pela harmonia entre as leis vigentes e a integridade moral, promovendo um equilíbrio entre normas estabelecidas e princípios éticos subjacentes.
Hart, se posicionando de maneira um tanto intermediária, oferece uma teoria que reconhece a necessidade de regras primárias e secundárias, permitindo algum grau de interpretação moral nas bordas do sistema legal, ainda que mantenha uma ênfase na estrutura formal da lei. Ele contempla a existência de "casos difíceis" onde a moral pode se tornar um fator determinante na aplicação da lei, criando assim um espaço para o “jus” em sua teoria. Esse reconhecimento apresenta uma abertura para uma possível convergência entre “lex” e “jus”, promovendo uma visão mais dinâmica da lei. Ao fazer isso, Hart delineia uma abordagem matizada, ressaltando a inter-relação entre o legal e o moral, e destacando a necessidade de uma análise crítica e moral do sistema legal.
Em conjunto, essas teorias destacam a complexa e multifacetada relação entre “lex” e “jus”. Enquanto Kelsen defende uma distinção clara entre lei e moral, e Dworkin busca uma maior integração entre os dois, Hart oferece uma visão intermediária que permite a interação da lei com princípios morais e éticos, ainda que dentro de uma estrutura mais formalista. O debate entre esses teóricos, portanto, oferece uma rica tapeçaria de perspectivas que pode servir como um guia para explorar a eterna questão da justiça no domínio do direito.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
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